O TERROR DA PISADEIRA

O TERROR DA PISADEIRA

Jorge Linhaça

Por sobre os telhados uma figura se esgueira, uma mulher baixa e magra, cabelos brancos e desgrenhados, um nariz comprido e voltado para baixo, semelhante ao de uma bruxa, seus olhos vermelhos como o fogo e dedos compridos e secos com unhas enormes.

Vagueia pelos telhados em busca dos comilões de plantão, os que exageram durante as festas ou encontros de amigos.

Espreita e escolhe a vítima, aguardando a hora em que ela resolva ir dormir.

Naquela noite em especial, sua atenção estava voltada para a churrascada em casa do Tião.

A comilança havia começado ali pela hora do almoço e estendeu-se pela tarde invadindo a noite, com muita música, bebidas e churrasco com fartura, todos comemorando a ante véspera do final de ano. Alguns eram mais comedidos e beliscavam de quando em vez os mais variados cortes de carne oferecidos: costela, cupim, picanha, alcatra, maminha, chuleta, linguiça, as de frango, coração de frango, fraldinha, pão de alho, muito vinagrete, maionese e por aí afora...

A Pisadeira observava a tudo e a todos, principalmente os moradores da casa e os vizinhos mais próximos. Adamastor era dos que mais se fartava, raramente recusava a oferta fosse lá do que fosse, aqui e acolá dava uma pausa, mas que não demorava mais que alguns minutos, comia como se fosse a última refeição de sua vida, sem saber o quão perto estava de tornar real esse fato.

Já ao final da noite a galera foi se dispersando e voltando aos seus lares conforme os compromissos familiares ou o cansaço e a saciedade os foram vencendo. A turma do funil resistiu até onde pode mas tudo tem sua hora e lá se foram cambaleantes e tropeçando nas próprias pernas de volta para casa.

Adamastor foi um dos últimos a deixar a festa e dirigiu-se, mais do que saciado. Sentindo-se exausto e ao mesmo tempo “cheio” caminhou pelas duas quadras que separavam sua quadra da de Tião.

A Pisadeira, saltando de telhado em telhado o acompanhava, sem deixar-se ser percebida.

Tão exausto Adamastor estava que, após a clássica passagem pelo banheiro, foi logo se ajeitando sobre sua cama.

Não demorou muito a ficar entre o sono e consciência e foi nesse momento em que o sono ia quase vencendo , que a Pisadeira entrou em ação. A criatura pequena e esguia, com uma agilidade impressionante, lançou-se sobre o peito de Adamastor que não conseguia mover um único músculo e mal podia respirar. A esquelética mulher tinha o peso de toneladas sobre o peito de Adamastor. Ria com um riso estridente capaz de gelar a alma de quem a ouvisse e seus dentes verdes e afiados lhe davam uma aparência ainda mais assustadora.

Por horas Adamastor sofreu o suplício de esperar pela morte eminente sem poder mover um músculo sequer, sua respiração cada vez mais dificultada o fazia imaginar o pior, já não sabia se tentava resistir ou se o melhor era entregar-se e morrer para acabar com aquela angústia sem fim.

Aos primeiros raios da manhã finalmente a criatura dissolveu-se no ar e aos poucos Adamastor conseguiu mover-se . Sonho? Pesadelo? Imaginação? Poderia ser, mas nada disso explicava a marca vermelha sobre o peito de Adamastor e nem as marcas dos arranhões das garras afiadas da Pisadeira em seus braços.