CAPÍTULO IX- OS FILHOS DA VIÚVA
Tiago de Molay voltou para sua cela, muito preocupado. Primeiro porque, até aquele momento, o papa não havia se pronunciado acerca da prisão dos membros da Ordem e nem da sua própria detenção. Talvez não tivesse ainda sido informado disso. Afinal, Avignon, onde o papa agora estava enclausurado, ficava a mais de trezentos quilometros de Paris.
Tinha certeza que Clemente V não concordaria com aquela violência praticada por Filipe, mas sabia também que o papa era politicamente fraco e o rei tinha muita ascendência sobre ele.
Pelas perguntas de Nogaret e pela amostra que dera no interrogatório, ele sabia o que o esperava. Tortura. Tortura moral e física. Horas sendo esticado no cavalete, fatiado na roda de esviceramento, humilhado e martirizado no “berço de Judas”, despedaçado no suplicio da forquilha ou do garrote, com os pés untados com gordura de porco e assados em fogo brando, ele imaginava o que estava por vir e já antecipava as dores que sentiria. Ele estava velho, mas era ainda um soldado rijo e valente. Não cederia aos desejos de Nogaret, não diria para onde mandara o tesouro do Templo, nem confessaria os crimes que estavam sendo imputados aos templários. Ele estava pronto a morrer pelos segredos da Ordem e pelos seus objetivos. Jurara isso quando fora elevado a Grão-Mestre e se fizera guardião desses segredos.
Mas esse, agora, se revelava ser um grande problema. Tiago de Molay sempre se ocupara dos assuntos militares, políticos e administrativos do Templo, mas jamais se preocupara com questões doutrinárias. A Ordem, desde que se tornara uma grande potência, multiplicara suas atividades, se tornando, ela mesma, uma Igreja dentro da Igreja e um estado dentro dos estados onde se instalara.
Ele sabia que dentro da complicada organização que comandava, haviam outras organizações, cada qual se ocupando de um rol de interesses, nos quais a Ordem havia se envolvido nos últimos dois séculos. Havia uma organização militar que cuidava das campanhas nas quais o Templo estava envolvido; havia um organismo burocrático que cuidava dos interesses econômicos da Ordem, que eram muitos; havia um corpo eclesiástico, que cuidava da parte espiritual. Havia inclusive, uma forte confraria de artesãos e construtores civis, que cuidava das construções templárias, atividade essa que era uma das mais ativas dentro da Ordem. Desde os primórdios de sua origem, os templários haviam aprendido a construir seus próprios edifícios, arquitetonicamente projetados e erguidos de acordo com os seus propósitos. Dessa forma espalharam pela Europa toda um sem número de capelas, preceptorias, fortalezas e castelos, que causavam inveja nos nobres senhores feudais e no próprio clero. Pierre de Montreil, o professor dos maçons franceses, era um arquiteto pertencente á Ordem. Nesse mesmo instante, seu primo, Jean de Longwy, Grão-Mestre eleito da Compagnonnage, estava comandando uma associação de compagnons, trabalhadores em construção civil, na construção de mais um transepto na Catedral de Notre Dame de Paris.[1]
Molay sabia que a confraria dos pedreiros tinha a sua própria liturgia e cultivava uma estranha simbologia que ele não entendia nem fizera muita questão de entender. Eram símbolos ligados á geometria, e tinham ligações com conhecimentos do passado, que remontava ás antigas civilizações como os egípcios, os caldeus e os gregos, que ele, sendo analfabeto, não alcançava o significado. Tinham uma ligação simbólica muito forte com o Templo de Salomão, o qual consideravam como uma verdadeira biblioteca de segredos arcanos, que o próprio Jeová havia escrito para orientar os seus eleitos.
Que os templários tinham se desviado da ortodoxia católica, isso ele sabia. Afinal, era o Grão-Mestre da Ordem, e quando foi elevado, esses segredos lhe foram revelados. Apenas ele e um círculo muito restrito de altos dignatários do Templo detinham certas informações que, se divulgadas, abalariam os alicerces do cristianismo, provocando profundas modificações na estrutura da sociedade ocidental. Então cabia a ele preservar esses segredos. Que rei não gostaria de saber a verdadeira história da paixão, morte e ressurreição de Cristo, por exemplo? De saber que os evangelhos canônicos não revelavam a verdade sobre Jesus, mas que eram crônicas encomendadas para justificar o monopólio sobre os espíritos, que os bispos de Roma assumiram, ao “vender” a Igreja de Cristo para o imperador Constantino? Seria o fim do poder de Roma. Seria o fim, talvez da própria cristandade. Ele não estava certo do que realmente queria. Tinha dúvidas e tinha medo.
Aprendera que essa verdade fora sufocada no Concilio de Nicéia, quando os bispos da Igreja Romana resolveram proibir todas as outras formas de expressão da fé que Jesus ensinara aos seus discipulos. Todos os demais evangelhos, crônicas e informações escritas sobre Jesus e sua obra na terra foram censuradas, destruídas, ou de alguma forma oculta, para que ninguém soubesse quem era o verdadeiro Jesus, nem qual a sua verdadeira missão.
Mas os templários tinham percorrido toda a Terra Santa. Nos quase cem anos em que dominaram a região tiveram oportunidade de reunir documentos e informações orais que não constavam de nenhum documento oficial, cuja divulgação a Igreja permitia. Especialmente naquele mosteiro do deserto, na região de Nag Hammadi, onde os monges cenobitas, fugindo do enquadramento que lhes queria dar o bispo Atanásio, tinham fundado uma comunidade de cristãos ascetas. Nesse lugar, afastados da civilização, como no passado os essênios fizeram, os monges cenobitas, cristãos conservadores e avessos á política que a Igreja Romana estava tentando impingir a todo mundo cristão, haviam fundado uma seita que se dedivava a copiar e salvaguardar documentos antigos. Ali se conservaram vários textos que os censores do Vaticano não conseguiram botar a mão, inclusive o único testemunho de um verdadeiro discípulo de Jesus, colhido de primeira mão. Esse texto, segundo, os antigos mestres, revelava o verdadeiro Jesus. [2]
Mas ele era um templário. Entre uma fé centrada em bases falsas e seu espirito de verdadeiro cavaleiro, ele teria que escolher. Escolhera ser templário e isso implicava em romper espiritualmente com a Igreja, embora, externamente tivesse que se mostrar um bom católico.
Por outro lado, o Grão-Mestre sabia também que dentro da Ordem do Templo havia outra organização paralela, que tanto como os Irmãos do Templo, tinham as suas tradições e costumes, muitos deles estranhos á ortodoxia da Igreja. Essa organização era a dos pedreiros livres, profissionais da construção, que em seus rituais incorporavam uma simbologia e uma linguagem própria, que lhes permitia comunicar entre si os segredos da profissão, de uma forma que quem fosse estranho ao metier não os pudesse entender. Era um conhecimento que passava de mestre para aprendiz, numa cadeia iniciática feita de símbolos, diagramas, lendas, palavras de passe e ritos de passagem, que se assemelhavam ás antigas práticas dos hierofantes egípcios e gregos. Destarte, a mística dos pedreiros templários incorporava antigas tradições egípcias, fenícias, persas, gregas e principalmente judaicas, sempre relacionadas com o mistério da construção do Templo de Salomão.[3]
As acusações que estavam sendo feitas aos templários teria também alguma coisa ver com as práticas rituais dos pedreiros ligados á Ordem? Ou então com aquela estranha ocupação a que alguns dos Irmãos andavam entregues em algumas preceptorias, idéias essas ligadas á arte que os muculmanos praticavam, de fabricar ouro em suas oficinas? Se assim fosse, os Irmãos maçons teriam que ser alertados, pois sem dúvida, logo iria sobrar para eles.
Tiago de Molay tinha conhecimento da existência de Irmãos, dentro da Ordem, que estavam se dedicando a essa estranha prática, chamada alquimia. Os templários haviam aprendido essa arte com os muçulmanos, os quais a haviam aprendido diretamente dos hierofantes egípcios, que a praticavam no interior dos grandes templos daquele país.
Mas nunca se importou muito com essas informações. Primeiro porque não tinha muita certeza de que isso fosse possível. Fabricar ouro através de manipulações em minerais simples como o chumbo, parecia ser coisa de velhos contadores de histórias, ou então de peregrinos, como os de Canterbury, que se reuniam á noite, em volta de uma fogueira, e para matar o tempo, ficavam inventando histórias extraordinárias. Mas, se isso fosse verdadeiro, melhor ainda. Seria mais uma maneira de engordar o tesouro da Ordem. De uma forma ou de outra, se lucro não trouxesse, também não haveria prejuízo. Assim, a Ordem permitia, e até incentivava que alguns irmãos de dedicassem á procura desse tesouro dos tesouros, que era a pedra filosofal. Destarte, a Ordem do Templo era uma mãe que abrigava em seu seio os verdadeiros obreiros da Arte Real. Pois esta era a arte que ensinava o mundo a construir o verdadeiro reino de Deus na terra. Tanto física como espiritualmente.
Mas o que mais o preocupava, agora, ali sentado no banco de pedra rústica, que lhe servia também de cama, era o fato de alguém ter comentado, fora do círculo íntimo dos altos dignatários da Ordem sobre os ritos de recepção de novos Irmãos e sobre costumes e crenças que só aos mais graduados se comunicavam. Eram práticas rituais que de maneira alguma constavam dos ritos admitidos pela Ordem em sua liturgia normal.
Tiago de Molay lamentava não ter se informado melhor sobre esses assuntos e não ter proposto uma disciplina mais rígida nesse sentido, para coibir essas inconfidências. Ele tinha consciência de que, se alguém soubesse, de fato, o que passava nas iniciações dos noviços, e depois, dentro dos Capítulos, sem dúvida a Igreja interviria. E se ele soubesse a extensão dos conhecimentos do rei Filipe a esse respeito, não tinha dúvidas que os usaria para levá-los á perdição. Sentiu-se, um momento, velho e fragilizado. Sabia enfrentar um inimigo no campo de luta. Nunca teve medo de medir-se com um adversário fisicamente. Sua espada sempre falara mais alto. Mas nesse campo de batalha que se abria á sua frente ele não tinha armas com a quais pudesse combater em igualdade de condições. Não sabia ler nem escrever. Não tinha o dom da oratória. Não sabia justificar aquelas estranhas doutrinas que haviam sido introduzidas na Ordem por Bertrand de Blanchefort. Seria mesmo verdade que aquele crânio, com aquelas tíbias cruzadas em baixo, era mesmo o crânio de Maria Madalena, a verdadeira Notre Dame, a quem eles prestavam a reverência, como a Virgo, a Ísis, mãe da humanidade, dos quais os templários eram os filhos? Sim, pois os templários, os obreiros da Arte Real, construtores de edifícios e reinos, eram os Filhos da Viúva. O que iria pensar disso o inflexível Guilherme de Paris? [4]
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Notas históricas
Tiago de Molay voltou para sua cela, muito preocupado. Primeiro porque, até aquele momento, o papa não havia se pronunciado acerca da prisão dos membros da Ordem e nem da sua própria detenção. Talvez não tivesse ainda sido informado disso. Afinal, Avignon, onde o papa agora estava enclausurado, ficava a mais de trezentos quilometros de Paris.
Tinha certeza que Clemente V não concordaria com aquela violência praticada por Filipe, mas sabia também que o papa era politicamente fraco e o rei tinha muita ascendência sobre ele.
Pelas perguntas de Nogaret e pela amostra que dera no interrogatório, ele sabia o que o esperava. Tortura. Tortura moral e física. Horas sendo esticado no cavalete, fatiado na roda de esviceramento, humilhado e martirizado no “berço de Judas”, despedaçado no suplicio da forquilha ou do garrote, com os pés untados com gordura de porco e assados em fogo brando, ele imaginava o que estava por vir e já antecipava as dores que sentiria. Ele estava velho, mas era ainda um soldado rijo e valente. Não cederia aos desejos de Nogaret, não diria para onde mandara o tesouro do Templo, nem confessaria os crimes que estavam sendo imputados aos templários. Ele estava pronto a morrer pelos segredos da Ordem e pelos seus objetivos. Jurara isso quando fora elevado a Grão-Mestre e se fizera guardião desses segredos.
Mas esse, agora, se revelava ser um grande problema. Tiago de Molay sempre se ocupara dos assuntos militares, políticos e administrativos do Templo, mas jamais se preocupara com questões doutrinárias. A Ordem, desde que se tornara uma grande potência, multiplicara suas atividades, se tornando, ela mesma, uma Igreja dentro da Igreja e um estado dentro dos estados onde se instalara.
Ele sabia que dentro da complicada organização que comandava, haviam outras organizações, cada qual se ocupando de um rol de interesses, nos quais a Ordem havia se envolvido nos últimos dois séculos. Havia uma organização militar que cuidava das campanhas nas quais o Templo estava envolvido; havia um organismo burocrático que cuidava dos interesses econômicos da Ordem, que eram muitos; havia um corpo eclesiástico, que cuidava da parte espiritual. Havia inclusive, uma forte confraria de artesãos e construtores civis, que cuidava das construções templárias, atividade essa que era uma das mais ativas dentro da Ordem. Desde os primórdios de sua origem, os templários haviam aprendido a construir seus próprios edifícios, arquitetonicamente projetados e erguidos de acordo com os seus propósitos. Dessa forma espalharam pela Europa toda um sem número de capelas, preceptorias, fortalezas e castelos, que causavam inveja nos nobres senhores feudais e no próprio clero. Pierre de Montreil, o professor dos maçons franceses, era um arquiteto pertencente á Ordem. Nesse mesmo instante, seu primo, Jean de Longwy, Grão-Mestre eleito da Compagnonnage, estava comandando uma associação de compagnons, trabalhadores em construção civil, na construção de mais um transepto na Catedral de Notre Dame de Paris.[1]
Molay sabia que a confraria dos pedreiros tinha a sua própria liturgia e cultivava uma estranha simbologia que ele não entendia nem fizera muita questão de entender. Eram símbolos ligados á geometria, e tinham ligações com conhecimentos do passado, que remontava ás antigas civilizações como os egípcios, os caldeus e os gregos, que ele, sendo analfabeto, não alcançava o significado. Tinham uma ligação simbólica muito forte com o Templo de Salomão, o qual consideravam como uma verdadeira biblioteca de segredos arcanos, que o próprio Jeová havia escrito para orientar os seus eleitos.
Que os templários tinham se desviado da ortodoxia católica, isso ele sabia. Afinal, era o Grão-Mestre da Ordem, e quando foi elevado, esses segredos lhe foram revelados. Apenas ele e um círculo muito restrito de altos dignatários do Templo detinham certas informações que, se divulgadas, abalariam os alicerces do cristianismo, provocando profundas modificações na estrutura da sociedade ocidental. Então cabia a ele preservar esses segredos. Que rei não gostaria de saber a verdadeira história da paixão, morte e ressurreição de Cristo, por exemplo? De saber que os evangelhos canônicos não revelavam a verdade sobre Jesus, mas que eram crônicas encomendadas para justificar o monopólio sobre os espíritos, que os bispos de Roma assumiram, ao “vender” a Igreja de Cristo para o imperador Constantino? Seria o fim do poder de Roma. Seria o fim, talvez da própria cristandade. Ele não estava certo do que realmente queria. Tinha dúvidas e tinha medo.
Aprendera que essa verdade fora sufocada no Concilio de Nicéia, quando os bispos da Igreja Romana resolveram proibir todas as outras formas de expressão da fé que Jesus ensinara aos seus discipulos. Todos os demais evangelhos, crônicas e informações escritas sobre Jesus e sua obra na terra foram censuradas, destruídas, ou de alguma forma oculta, para que ninguém soubesse quem era o verdadeiro Jesus, nem qual a sua verdadeira missão.
Mas os templários tinham percorrido toda a Terra Santa. Nos quase cem anos em que dominaram a região tiveram oportunidade de reunir documentos e informações orais que não constavam de nenhum documento oficial, cuja divulgação a Igreja permitia. Especialmente naquele mosteiro do deserto, na região de Nag Hammadi, onde os monges cenobitas, fugindo do enquadramento que lhes queria dar o bispo Atanásio, tinham fundado uma comunidade de cristãos ascetas. Nesse lugar, afastados da civilização, como no passado os essênios fizeram, os monges cenobitas, cristãos conservadores e avessos á política que a Igreja Romana estava tentando impingir a todo mundo cristão, haviam fundado uma seita que se dedivava a copiar e salvaguardar documentos antigos. Ali se conservaram vários textos que os censores do Vaticano não conseguiram botar a mão, inclusive o único testemunho de um verdadeiro discípulo de Jesus, colhido de primeira mão. Esse texto, segundo, os antigos mestres, revelava o verdadeiro Jesus. [2]
Mas ele era um templário. Entre uma fé centrada em bases falsas e seu espirito de verdadeiro cavaleiro, ele teria que escolher. Escolhera ser templário e isso implicava em romper espiritualmente com a Igreja, embora, externamente tivesse que se mostrar um bom católico.
Por outro lado, o Grão-Mestre sabia também que dentro da Ordem do Templo havia outra organização paralela, que tanto como os Irmãos do Templo, tinham as suas tradições e costumes, muitos deles estranhos á ortodoxia da Igreja. Essa organização era a dos pedreiros livres, profissionais da construção, que em seus rituais incorporavam uma simbologia e uma linguagem própria, que lhes permitia comunicar entre si os segredos da profissão, de uma forma que quem fosse estranho ao metier não os pudesse entender. Era um conhecimento que passava de mestre para aprendiz, numa cadeia iniciática feita de símbolos, diagramas, lendas, palavras de passe e ritos de passagem, que se assemelhavam ás antigas práticas dos hierofantes egípcios e gregos. Destarte, a mística dos pedreiros templários incorporava antigas tradições egípcias, fenícias, persas, gregas e principalmente judaicas, sempre relacionadas com o mistério da construção do Templo de Salomão.[3]
As acusações que estavam sendo feitas aos templários teria também alguma coisa ver com as práticas rituais dos pedreiros ligados á Ordem? Ou então com aquela estranha ocupação a que alguns dos Irmãos andavam entregues em algumas preceptorias, idéias essas ligadas á arte que os muculmanos praticavam, de fabricar ouro em suas oficinas? Se assim fosse, os Irmãos maçons teriam que ser alertados, pois sem dúvida, logo iria sobrar para eles.
Tiago de Molay tinha conhecimento da existência de Irmãos, dentro da Ordem, que estavam se dedicando a essa estranha prática, chamada alquimia. Os templários haviam aprendido essa arte com os muçulmanos, os quais a haviam aprendido diretamente dos hierofantes egípcios, que a praticavam no interior dos grandes templos daquele país.
Mas nunca se importou muito com essas informações. Primeiro porque não tinha muita certeza de que isso fosse possível. Fabricar ouro através de manipulações em minerais simples como o chumbo, parecia ser coisa de velhos contadores de histórias, ou então de peregrinos, como os de Canterbury, que se reuniam á noite, em volta de uma fogueira, e para matar o tempo, ficavam inventando histórias extraordinárias. Mas, se isso fosse verdadeiro, melhor ainda. Seria mais uma maneira de engordar o tesouro da Ordem. De uma forma ou de outra, se lucro não trouxesse, também não haveria prejuízo. Assim, a Ordem permitia, e até incentivava que alguns irmãos de dedicassem á procura desse tesouro dos tesouros, que era a pedra filosofal. Destarte, a Ordem do Templo era uma mãe que abrigava em seu seio os verdadeiros obreiros da Arte Real. Pois esta era a arte que ensinava o mundo a construir o verdadeiro reino de Deus na terra. Tanto física como espiritualmente.
Mas o que mais o preocupava, agora, ali sentado no banco de pedra rústica, que lhe servia também de cama, era o fato de alguém ter comentado, fora do círculo íntimo dos altos dignatários da Ordem sobre os ritos de recepção de novos Irmãos e sobre costumes e crenças que só aos mais graduados se comunicavam. Eram práticas rituais que de maneira alguma constavam dos ritos admitidos pela Ordem em sua liturgia normal.
Tiago de Molay lamentava não ter se informado melhor sobre esses assuntos e não ter proposto uma disciplina mais rígida nesse sentido, para coibir essas inconfidências. Ele tinha consciência de que, se alguém soubesse, de fato, o que passava nas iniciações dos noviços, e depois, dentro dos Capítulos, sem dúvida a Igreja interviria. E se ele soubesse a extensão dos conhecimentos do rei Filipe a esse respeito, não tinha dúvidas que os usaria para levá-los á perdição. Sentiu-se, um momento, velho e fragilizado. Sabia enfrentar um inimigo no campo de luta. Nunca teve medo de medir-se com um adversário fisicamente. Sua espada sempre falara mais alto. Mas nesse campo de batalha que se abria á sua frente ele não tinha armas com a quais pudesse combater em igualdade de condições. Não sabia ler nem escrever. Não tinha o dom da oratória. Não sabia justificar aquelas estranhas doutrinas que haviam sido introduzidas na Ordem por Bertrand de Blanchefort. Seria mesmo verdade que aquele crânio, com aquelas tíbias cruzadas em baixo, era mesmo o crânio de Maria Madalena, a verdadeira Notre Dame, a quem eles prestavam a reverência, como a Virgo, a Ísis, mãe da humanidade, dos quais os templários eram os filhos? Sim, pois os templários, os obreiros da Arte Real, construtores de edifícios e reinos, eram os Filhos da Viúva. O que iria pensar disso o inflexível Guilherme de Paris? [4]
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Notas históricas
[1] Os templários têm uma grande participação na história da arquitetura medieval. Os arquitetos do Templo desenvolveram um tipo de arquitura peculiar que ainda hoje assombra os construtores modernos. Foram os precursores da arquitetura gótica, aplicada nas grandes catedrais da Europa, que ainda hoje estão em pé. Essas técnicas foram desenvolvidas a partir de fontes islâmicas e egípcias, que foram incorporadas á tradição greco-romana. Daí o grande apelo á forma geométrica, que constitui uma parte importante da mística ligada aos maçons medievais e subsiste, ainda hoje, na maçonaria moderna.
[2] “Filhos da Viúva” é um título aplicado aos maçons, supostamente herdeiros dos conhecimentos e das doutrinas praticadas pelos templários. Esse título também é aplicado aos Irmãos da Ordem do Templo, face ás indicações, bastante prováveis, de que eles praticassem algum tipo de ritual consagrado ao chamado “principio feminino”, ou o “sagrado feminino”, representado por um ídolo conhecido como Bafometh. Esse ídolo, encontrado entre os pertences templários sequestrados na preceptoria de Paris era uma cabeça de prata , que continha, dentro dela, ossos de uma cabeça menor, supostamente de uma mulher, envolvida em linho e púrpura. Essa cabeça tinha um título escrito em baixo que dizia: Caput LVII (o signo da virgem
[3] Apesar do termo compagnonnage só aparecer na língua francesa no início do século XVIII, há registros de companhias de profissionais atuando na França desde o inicio do século XII. O Livro dos Ofícios, que Luis IX mandou escrever para regular o ofício dos pedreiros em 1209, é uma prova da existência dessa organização já nessa época. Por outro lado, Jean Palou (Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed. Pensamento, São Paulo, Ed. 1964, informa que no tempo da construção das catedrais medievais, já existia um forte movimento de organização desse tipo de profissional em guildas corporativas, que transmitiam seus conhecimentos através de um sistema iniciático que compreendia mestres e aprendizes unidos por um compromisso sagrado de segredos compartilhados. Essa referência também é feita por Fulcanelli em seu curioso trabalho “ O Mistério das Catedrais”, Ed.Esfinge, Lisboa, 1959, na qual ele chama esses profissionais da construção civil de “operários do bom Deus”. O nome de Jean de Longwy aparece na história da França como sendo primo de Tiago de Molay e chefe da Liga Baronal, organização cavalheiresca que se formou após a morte de Filipe, o Belo, para defender os direitos feudais, que Filipe e depois seus filhos Luis X e Filipe V, tanto fizeram para suprimir.
[4] A Biblioteca de Nag Hammadi é uma coleção de textos antigos, datados dos primeiros séculos do cristianismo. Eram textos que circulavam pelas diversas igrejas cristãs da época, mostrando um Jesus bem diferente daquele que os evangelhos canônicos descrevem. É um Jesus profundamente humano, que viveu, sofreu e morreu como um ser humano, e por conta da sua missão foi premiado por Deus com uma condição muito especial. Tornou-se o Cristo gnóstico, uma espécie de entidade espiritual, identificado com o eon da filosofia grega, pregada pelos neoplatônicos. o eon é uma entidade energética, espiritual, que permite a manifestação divina da terra.
O texto mais importante da Biblioteca de Nag Hammadi é o chamado Evangelho de Filipe. Ele sugere a existência de um relacionamento amoroso entre Jesus e Maria Madalena. Os textos do Evangelho de Filipe, escrito em forma de perícopes, é considerado por alguns estudiosos como sendo o Evangelho Q, ou seja, uma espécie de documento perdido que teria servido de fonte para os evangelistas canônicos. Esse evangelho conteria o essencial dos discursos de Jesus, recolhidos pelos díscipulos e ouvintes e resumidos pelo apóstolo Filipe num único texto. O Concílio de Nicéia, realizado em 325, na cidade do mesmo nome, realizou um expurgo nesses textos, condenando-os como heréticos. A descoberta desses antigos textos, que foram salvos por essa seita de cristãos cenobitas, ocorreu por acaso, em 1945, quando um camponês chamado Mohammed Ali Samman, procurando alguns animais desgarrados de seu rebanho de cabras, encontrou, enterrada em uma caverna, uma jarra selada que continha treze códices de papiro embrulhados em capas de couro. Esses textos foram logo catalogados pelos estudiosos, como sendo produzidos entre o primeiro e terceiro século da era cristã, contendo trabalhos de escritores cristãos, conhecidos como gnósticos. Esses textos, hoje conhecidos como Evangelhos Gnósticos, ou Apócrifos, estão depositados no Museu do Cairo.
O texto mais importante da Biblioteca de Nag Hammadi é o chamado Evangelho de Filipe. Ele sugere a existência de um relacionamento amoroso entre Jesus e Maria Madalena. Os textos do Evangelho de Filipe, escrito em forma de perícopes, é considerado por alguns estudiosos como sendo o Evangelho Q, ou seja, uma espécie de documento perdido que teria servido de fonte para os evangelistas canônicos. Esse evangelho conteria o essencial dos discursos de Jesus, recolhidos pelos díscipulos e ouvintes e resumidos pelo apóstolo Filipe num único texto. O Concílio de Nicéia, realizado em 325, na cidade do mesmo nome, realizou um expurgo nesses textos, condenando-os como heréticos. A descoberta desses antigos textos, que foram salvos por essa seita de cristãos cenobitas, ocorreu por acaso, em 1945, quando um camponês chamado Mohammed Ali Samman, procurando alguns animais desgarrados de seu rebanho de cabras, encontrou, enterrada em uma caverna, uma jarra selada que continha treze códices de papiro embrulhados em capas de couro. Esses textos foram logo catalogados pelos estudiosos, como sendo produzidos entre o primeiro e terceiro século da era cristã, contendo trabalhos de escritores cristãos, conhecidos como gnósticos. Esses textos, hoje conhecidos como Evangelhos Gnósticos, ou Apócrifos, estão depositados no Museu do Cairo.