"Cuidado com o que você deseja"
1
Sentado no banco da praça, Ralf fumava e esperava por alguém que precisava de ajuda. Mas a praça estava vazia, por isso levantou e seguiu caminho para casa.
Logo que dobrou a esquina viu um homem parado em frente a sua casa. Vestia terno branco, um chapéu e apoiava-se em uma bengala. O velho encarou Ralf, tinha um olhar medonho.
Ralf se aproximou e quase congelou ao ouvir a voz do homem.
— Precisamos conversar, filho.
— Quem é o senhor ?
O estranho, com um belo sorriso, respondeu:
— Sou aquele que vai lhe contar a verdade.
— Que verdade?
— Quem você é e porque você faz isso com as pessoas.
— Mas você não pode me ajudar. Eu só falo com as pessoas quando elas procuram por mim.
— Não é bem assim, a muito tempo atrás você fez um pedido. A trinta anos atrás. Disse que queria ser conhecido, nunca ser esquecido. — Ralf estava perplexo — Feche os olhos — concluiu o velho.
Ouvindo a serena voz, Ralf não resistiu e fechou os olhos.
—Agora — Dizia o estranho — lhe mostrarei sua melhor lembrança.
Um filme passou na cabeça de Ralf, os protagonistas eram o pequeno Rafael e o velho de terno branco. A lembrança se solidificou, era como se nunca tivesse esquecido.
— Garoto — dizia o homem, dando uma longa baforada no cigarro — E agora, você lembra de mim ?
— Eu não entendo — Respondeu Ralf enquanto abria os olhos.
— Lembra o ultimo livro que leu ? Lembra como você se sentiu a cada palavra que lia e a cada página que virava ? — Comentou o velho.
O rapaz novamente fechou os olhos e pareceu sonhar.
— Sim, eu me lembro.
— E quantas vezes você se sentiu daquela maneira durante toda vida ?
— Algumas.
— E o que torna sua vida, ainda que por menor que seja, significante ?
— Acho que são meus livros.
Ralf perdia o medo do homem após determinado momento da
conversa.
A lembrança explodiu na mente de Ralf novamente.
— Porque você não mostra a todos que um homem, apenas usando lápis e papel, faz mundos e pessoas, da mesma maneira que Deus fez a terra ? — dizia o velho.
O garoto o fitava, sem conseguir tirar os olhos do sorriso do homem.
— Você crê em Deus, garoto ?
— Sim — Respondeu, sem entender a pergunta.
— E no Diabo ?
— Sim.
— E porque é que você acredita neles ?
O menino sem pensar respondeu:
— Porque esta na bíblia.
— E sabe quem a escreveu ?
— Não, eu não sei.
— Foi um homem — falou o velho. Levou a mão até o ombro do garoto e os dois começaram a caminhar.
— Você entende? Um homem consegue mover o mundo apenas com palavras! Eu lhe dar tudo que quiser ter, mas você precisa fazer algo.
— O que, diga-me?
— Escreva uma estória pra mim!
2
Ralf de volta a realidade, começou a ouvir o estranho homem
— Então eu lhe disse que no dia seguinte estaria aqui tudo que precisava para escrever a minha história e poderia ser e ter o que quisesse. No dia seguinte você veio e pegou a caixa que deixei. Nela continha lápis, papel e uma chave. Você pegou a caixa, chegou em casa e começou a escrever, escreveu durante os cinco dias. E no quinto dia veio até mim.
— Veja — disse o homem de terno, e tocou novamente a testa de Ralf.
— Minha história esta feita, leia-a — dizia o mesmo garoto da visão anterior.
O estranho homem leu a estória, era sobre um garoto que tinha um sonho estranho. E deu um sorriso.
— Ótima estória garoto — disse o estranho homem de terno — O que você tanto deseja ?
O garoto sorriu...
3
Ralf voltou a realidade, com muitas perguntas a fazer.
— Quem é você ? E quem era aquele garoto ?
— Aquele era você Ralf
— E quem é você ?
O homem apenas sorriu.
— Não entendo — disse Ralf.
Dando uma baforada no cigarro o homem continuou:
—Lembra—se quando me chamou e disse que queria ser conhecido, eu lhe pedi para escrever uma estória e disse que lhe daria qualquer coisa, lembra ? Eu lhe mostrei agora mesmo.
— Mas e como ele pode ser eu, e porque me fez escrever aquela história ?
— Aquela é a sua história, Ralf, você apenas escreveu o que se tornou.
— E como não consigo me lembrar de nada ?
Com lágrimas no rosto, Ralf, tentava entender.
— Ralf, você escreveu, fez o mundo ler sua estória e acreditar em você, ao contrário, fez o mundo acreditar que você não existia. Só não lembra qual foi seu pedido. E vou lhe contar agora.
— Primeiro, você pediu pra esquecer tudo que tinha vivido até aquele momento.
— Porque ?
— Não sei, eu apenas realizei o que pediu, como tínhamos combinado.
E qual foi o outro ?
— Você pediu pra fazer o que eu faço, ser quem eu sou, e poder ver como vejo mas sem saber quem é.
Ainda sem entender, Ralf perguntou:
— Eu não entendo, quem sou eu ?
Sorrindo, o estranho homem de branco lhe respondeu:
—Você é o Diabo, meu filho.