O guardião das almas – Lorellay - Parte II

Era uma mulher de aproximadamente trinta anos, os cabelos tinham uma cor escura e seus olhos pareciam imersos em tristeza. Os cabelos presos em coque, com alguns fios soltos e usava um volumoso vestido negro, suas mãos estavam pousadas no ombro do marido, um senhor de bigodes fartos e cabelos brancos. Não parecia um casal muito feliz, afinal, naquela época quem poderia ser feliz, casando com quem não ama.

Eric mostrou a foto a mulher, que reconheceu a figura funesta presente em seus pesadelos.

- Muitas vezes escuto canções de ninar, gemidos e choros de bebês – sentiu um tremor ao segurar nas mãos a foto – eu pensei que estivesse ficando louca.

- Ela sabe que eu estou aqui – disse Eric – e parece não estar muito feliz com isso... - podia sentir sutis ondas elétricas percorrendo o ar ao seu redor.

- Eu sonhei com ela. Nos meus sonhos ela dizia que queria meu bebê. - acariciou a barriga levemente, queria protegê-lo daquele pesadelo.

Eric a observava curioso, esperando que a qualquer momento a entidade se revela-se. As mãos trêmulas da mulher acariciavam a barriga de oito meses de gestação, quando em um gesto abrupto ela interrompeu o movimento com um olhar assustado, seus olhos arregalados fitaram os de Eric, aquilo era medo, ao sentir o corpo estremecer e algo se contorcer dentro do ventre. Algo a arrastou com uma força sobrenatural pelos corredores, a jogando violentamente na cama, os lençóis ataram-se em seus pulsos, bloqueando qualquer movimento. Eric correu antes que a porta se fecha-se forçando o corpo contra ela, ao entrar podia ver a mulher esquálida ao lado da grávida. A figura parecia distorcida, seus sentimentos e emoções mais obscuros desfiguraram sua imagem, os dedos eram longos e finos, os cabelos negros e completamento desgrenhados, no rosto magro marcas de queimaduras profundas e os olhos tristes e fundos eram vermelhos como sangue. Segurava na mão esquerda uma vela negra e com a mão direita acariciava a barriga da mulher grávida.

- Meu bebê, meu precioso... - sussurrava ela, e milhares de outras vozes em outros timbres ressoavam.

- Sai de perto dela – ordenou Eric.

A entidade o encarou com olhos em fúria, aquele intruso queria o seu bebê e ela não poderia permitir isso.

- É bem pior do que eu pensava... - disse a si mesmo – ei, Lorellay, me ouça ! - a mulher parecia curiosa por saber que aquele homem conhecia seu nome – você não quer fazer isso, essa criança não lhe pertence, deixe-o em paz!

Uma força abrupta o lançou contra a parede, deixando-o meio desnorteado.Pensou em nas próximas missões, pedir adicionais de periculosidade. Pegou no bolso um canivete e cortou a palma da mão direita, o sangue verteu entre os seus dedos, tingindo sua mão. Usou toda a força que podia contra aquela entidade que pressionava o seu corpo, empurrando-o para longe da mulher, ao se aproximar estendeu a mão, marcando a barriga da mulher com seu sangue.

- Este bebê não será seu! - Eric a desafiou, havia marcado o bebê, protegendo-o com seu sangue, somente em casos extremos poderia ter feito aquilo.

- Eles me tiraram tudo... - grunhiu a mulher – meu marido, minha irmã, meu bebê...não permitirei! - parecia transtornada.

- Não foram eles, foi você! - acusou Eric, seus olhos podiam ver os pecados das almas – você matou todos eles...

- Como ousa me acusar! - sua figura distorceu-se novamente, turvou-se – seu Deus me tirou tudo! Agora tomo os pequenos anjos dele, não pude gerar vidas, então as tomo!

Ele teria de acabar com aquilo logo. Estendeu a mão em sua direção, um vórtice de luz surgiu paralisando o espírito revoltoso.

- Você escolherá o seu destino posso salvá-la, assim terá outra vida, outra chance de redimir os seus erros, ou posso bani-la ao inferno, onde torturas lhe aguardam, o que me diz?

- Você não tem poder para isso, é um simples homem! - Ela sorriu, sua risada ecoou pelo quarto – não irei a nenhum lugar, vou permanecer neste mundo coletando bebês, até que minha sede de vingança seja satisfeita!

- Não, não sou – ele sorriu em retribuição, um sorriso malicioso, daqueles que escondem um segredo – você escolheu a terceira opção, obliteração...

Era uma escolha difícil, usada em casos extremos, quando a maldade se torna uma loucura e corrompe a alma. Não há salvação, ela poderia redimir-se de seus atos ou ir ao inferno com o risco de torna-se um demônio sádico. Mas a obliteração tinha um custo alto para Eric, pois absorvia fragmentos da alma, memórias, emoções e dores inerentes a ela.

Segurou o pulso com a mão esquerda, enquanto o vórtice tornava-se negro, podia sentir as fibras do corpo estremecer diante da dor. Lorellay, a figura distorcida de uma mulher amargurada, começou a dissolver-se no ar, e fagulhas de sua escuridão foram absorvidas por Eric. Pequenos estilhaços de sua alma, sugados para a escuridão, o esquecimento, invadiram seu corpo como estilhaços de vidros, arranhando sua alma, lhe causando uma dor indescritível. Mas teria de dar um fim aquele ser, ajoelhou-se suportando a dor, mas segurou as mãos até que todos os fragmentos fossem absorvidos.

A figura tremulou e desapareceu, os olhos de terror ficaram paralisados, fitando Eric.

Ofegante, ele deixou o corpo desabar, degustando a dor em seu corpo.

A jovem grávida livre das amarras, veio ao seu encontro, preocupada com seu estado.

- Você está bem? - os olhos assustados e impressionados, jamais havia presenciado algo assim.

Eric meneou com a cabeça positivamente.

- Preciso de uma dose de tequila... - sussurrou.

*****

Estava em seu apartamento, ouvindo uma boa canção, isso geralmente calava as vozes em sua cabeça. Considerou pela primeira vez tirar férias. O fato havia ocorrido há uma semana, o casal ficou extremamente agradecido pelo seu ato heroico, mas não se sentia um herói, e sim como um homem que acabara de ser atropelado por um caminhão, e sobreviveu. A mão ainda estava curando, recebeu alguns pontos, provavelmente ficaria ali uma cicatriz. O telefone toca novamente.

- E ai como você está? - a voz rouca parece preocupada.

- Melhor impossível, na verdade me sinto ótimo...

- Uff..sei que não esta. Você sabe dos riscos de obliterar uma alma antiga, não é?

- Sei...meus poderes aumentam, mas perco minha humanidade, eu sei muito bem disso... - quantas vezes não fora alertado, das poucas almas que obliterou ainda podia sentir seus resquícios em seu corpo. Seus poderes aumentavam consideravelmente, mas a que preço?

- Espero que fique bem, precisamos de você...

- Claro que precisa, pra resolver essas merdas espirituais, quero umas férias no Caribe!

- Podemos resolver isso, se cuida... - a voz rouca riu e se despediu.

Pensou no preço a ser pago, poderia ser sua sanidade, ouvia os fragmentos em sua mente, conhecia bem as angustia humanas e isso o afastava de sua própria humanidade, perdendo a fé no seres humanos. Pensou em como era pesarosa sua missão, caminhar entre dois mundos.

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Espero que tenha gostado.

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 20/12/2013
Código do texto: T4619536
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