Prólogo- Notas históricas
 
No dia 18 de março de 1314, Tiago de Molay, o último Grão-Mestre da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo do Rei Salomão, e seu Irmão de Ordem, Godofredo de Charney, preceptor da Normandia, foram queimados vivos em uma fogueira erguida na Ilha dos Judeus, em frente á praça da Catedral de Notre Dame.[1] Depois de um rumoroso processo, iniciado por iniciativa do rei da França, Filipe o Belo, os cavaleiros Templários foram condenados como hereges, apóstatas, idólatras, devassos e praticantes de simonia, bruxaria e outros comportamentos inaceitáveis para os membros de uma Ordem religiosa.[2]
O processo durou sete anos, no decorrer dos quais seus condutores, todos, de certa maneira, mancomunados com o rei e seus ministros, fizeram de tudo para obter provas que pudessem levar á supressão da Ordem e á condenação dos seus membros.
Os Templários, presos em uma batida policial no dia 13 de outubro de 1307, foram jogados em masmorras e submetidos a todo tipo de tortura moral e física. Muitos morreram nas prisões em consequência do tratamento a que foram submetidos. Um bom número deles não suportou a tortura e acabou confessando a culpa dos crimes pelos quais estavam sendo acusados. Inclusive o próprio Grão-Mestre da Ordem e alguns dos seus mais altos dignatários fizeram confissões que levaram os inquisidores a crer que eles eram, realmente, culpados.
Verificou-se, mais tarde, que tais confissões tinham sido extraídas á força. Uma boa parte delas havia sido feita por inimigos da Ordem, introduzidos no seu seio, exatamente para espionar e levantar informações que justificassem o ataque que lhes foi feito pelo monarca francês naquela fatídica sexta-feira treze, que ficou conhecida mundialmente como o dia do azar.
O processo foi conduzido com a finalidade específica de destruir a Ordem do Templo. Nenhum outro desfecho seria aceito por Filipe, o Belo, pois a meta era eliminar todo e qualquer poder concorrente, capaz de prejudicar sua política de formação de um estado nacional, submetido única e totalmente á autoridade do rei. E os dois poderes que ainda lhe faziam sombra eram, exatamente, a Igreja e a Ordem do Templo.
Quanto á Igreja, Filipe havia obtido uma grande vitória ao conseguir eleger um pontífice francês, na pessoa de Bertrand du Ghot, um bispo seu aliado, que se tornou o Papa Clemente V. Para fazer com que o Papa não escapasse da sua tutela, Filipe obrigou a corte papal a sair de Roma e se estabelecer na cidade de Avignon, território que, embora pertencesse á Igreja, não obstante, estava encravado em território francês, sujeito portanto, á influência do rei de França.
Com um Papa títere em suas mãos, ele desfechou, na sexta-feira, 13 de outubro de 1307, um ataque de surpresa contra a Ordem do Templo, mandando prender todos os membros que fossem encontrados no território do seu reino.
Até o último momento de sua vida na prisão, o Grão-Mestre dos Templários acreditou que a Igreja, a quem servira tão bem, viria em seu socorro, pois somente ao Papa cabia condenar ou absolver um membro de uma Ordem a ela pertencente. Mas isso não aconteceu. Fosse por ingenuidade, ou mesmo por covardia ou pusilaminidade, o Supremo Pontífice da Igreja Romana não ousou agir contra a vontade de Filipe, o Belo, e ordenou a dissolução da Ordem do Templo através uma bula papal, antes que o processo terminasse e a sentença final fosse expedida.[3] 
Também nada fez para salvar a vida dos seus altos dignatários, os quais foram condenados á morte sem que seus juízes legais, os bispos encarregados da Inquisição e o próprio Papa, como juiz final, dessem seu veredito.  
Depois de sete anos de indizíveis sofrimentos, traições, conspirações e maquinações, as mais espúrias possíveis, urdidas pelos delegados do rei, o Grão-Mestre do Templo, Tiago de Molay, finalmente se desiludiu e desistiu de lutar contra o destino inexorável. Compreendeu que fora vítima de uma conspiração e nada do que pudesse fazer ou dizer, o livraria da morte inevitável, nem salvaria a organização que comandava da extinção. Ao passar em frente á janela do palácio real, á caminho da Ilha dos Judeus,[4] onde seria queimado, ele viu que Filipe e seu séquito tinham se postado na sacada do palácio real, para assistir a execução. Reza a tradição que, nesse momento, ele teria erguido os olhos para a sacada do palácio real e convocado todos os personagens responsáveis por sua desgraça, para comparecerem perante Deus, no prazo de um ano, para serem julgados por aquele abominável crime. E quando as chamas envolviam suas vestes, ele teria lançado um anátema sobre a família do rei, amaldiçoando-a até a décima-terceira geração.
Verdadeira ou não essa lenda, o fato é que o vaticínio lançado sobre o Papa, o rei e seus ministros, se cumpriu, tal e qual o moribundo Grão-Mestre profetizou. Naquele mesmo ano, Clemente V morreu em circunstâncias misteriosas, dizem uns, assassinado por envenenamento, dizem outros, de uma infecção intestinal. Pouco mais de um mês depois da morte do Papa, o ministro do rei, Guilherme de Nogaret, que tinha sido o principal articulador do processo contra a Ordem do Templo, também morreu em circunstâncias misteriosas.
Quanto á família de Filipe, o Belo, essa se extinguiu muito rapidamente. Seu filho primogênito, Luís, o Turbulento, que o sucedeu no trono, reinou apenas dezoito meses. Segundo a tradição, ele também teria morrido envenenado por parentes interessados em removê-lo do trono.[5] Seu filho recém-nascido, que seria seu herdeiro, também teve o mesmo destino, envenenado no próprio berço.
Filipe, o Longo, segundo filho de Filipe, o Belo, reinou durante sete anos, com o título de Filipe V. Os historiadores dizem que foi um rei competente. Era bastante parecido com seu pai e procurou, em vários aspectos, imitá-lo. Em seu reinado a França viveu alguns bons momentos de paz e prosperidade. Mas também teria sido atingido pela maldição dos Templários, pois morreu sem deixar herdeiros. E seu reinado foi muito prejudicado por disputas políticas internas e pelos eternos conflitos que o sistema feudal de poder ensejava. Em razão disso, ele mesmo, Filipe V, teve que compactuar com intrigas palacianas, crimes misteriosos e chicanas jurídicas de gravíssimas conseqüências, uma das quais, a chamada Lei dos Varões, foi a principal responsável pela Guerra de Cem Anos.
 Foi também em seu reinado que uma grande fome assolou a França e provocou a revolta popular que ficou conhecida como a Cruzada dos Pastores. Esse movimento, que começou nos campos, aglutinando um enorme exército de camponeses famintos, em conseqüência das colheitas destruídas pelos rigores do inverno e pela cupidêz dos nobres e clérigos, ávidos em cobrar suas rendas sobre uma economia inexistente, provocou uma verdadeira devastação na França durante mais de um ano.
Debelada essa revolta popular, com muito sangue e desperdício de recursos, Filipe V logo se veria a braços com outro problema, a chamada Peste dos Leprosos. Essa crise levou um grande número de doentes, que viviam confinados em leprosários, a escapar de seus confinamentos e invadir as cidades e vilas, contaminando poços, fontes de água e regatos. Tudo isso trouxe para o reino de França um clima de pestilência e horror que se espalhou pelo país inteiro. Foi preciso uma verdadeira cruzada para debelar esse mal. Milhares de leprosos foram mortos pela população sadia, ao mesmo tempo em que as autoridades, tanto as civis quanto as eclesiásticas, não cansavam de acender fogueiras nas cidades, vilas e aldeias para queimar as carnes purulentas dos infelizes que eram capturados pelas forças de segurança.
Depois de libertar o país da praga dos leprosos, os agora precavidos filhos da França se voltaram contra os judeus, de quem suspeitavam ser os responsáveis por aquele surto de loucura que se apossara dos leprosos. Milhares foram mortos e a própria Igreja, que sempre envenenera o espírito do povo contra os filhos de Israel, foi obrigada a intervir para dar abrigo a eles e acalmar os ânimos da turba enlouquecida.
Como tudo isso aconteceu depois da execução de Tiago de Molay, nada tirava da cabeça do bom povo francês que tudo aquilo era consequência da maldição por ele lançada sobre o rei e sua família. Tudo era coisa dos Templários. Pois no comando das hordas dos camponeses, que constituira a Cruzada dos Pastores, não foram vistos vários indivíduos portando o mantô branco, com a vistosa cruz vermelha, que era o uniforme dos Templários? E os leprosos apanhados em plena ação de envenenar poços e fontes, não haviam confessado que a poção usada para envenenar as águas – poção feita com o sangue contaminado dos lázaros, misturado com urina, ervas mágicas, veneno de cobra, pó de couro de sapo queimado, hóstias consagradas ao demônio e mênstruo de prostitutas – não lhes fora fornecida pelos alquimistas que trabalhavam para o Templo?
Assim se construiu a lenda e se criou o mito. A maldição do velho e moribundo Grão-Mestre se cumpria e toda a França viria a pagar pela cobiça de um rei e pela subserviência e covardia de um Papa.
 
Mas a maldição não ficou por aí. Morto Filipe V, o trono da França foi ocupado pelo seu irmão caçula Carlos, Conde da Marca, que reinaria durante quatro anos, com o título de Carlos IV. Em seu reinado a França viveu uma de suas épocas mais infelizes. Guerras, rebeliões internas, intrigas palacianas, crises econômicas e políticas deixaram a próspera economia que Filipe, o Belo, havia construído, em ruínas. Carlos IV tinha fama de efeminado e desconfiava de tudo e de todos. Não foram poucos osparentes e pretensos inimigos que pagaram com  suas vidas a simples suspeita de estarem conspirando contra ele.
Também morreu sem deixar herdeiros masculinos. Sua morte desencadearia as consequências políticas que levariam França e Inglaterra a se despedaçarem nos campos de batalha por mais de cem anos.[6]
Assim desapareceria a descendência de Filipe, o Belo, pelo lado masculino, o que abriria chance para que Eduardo III, filho de Isabel, rainha da Inglaterra, e neto de Filipe, O Belo, reinvindicar o trono da França. 
A morte de Carlos IV e a falta de um herdeiro masculino na família de Filipe, o Belo, para ocupar o trono da França, foi computada como mais uma conseqüência da maldição dos Templários. A coroa foi entregue á família dos Valois, cujo chefe era Carlos de Valois, irmão caçula de Filipe, o Belo. Através dos Valois, e depois dos Boubons, a dinastia capetíngea, denominação geral dos reis franceses, a qual pertencia Filipe, o Belo, governou a França até o ano de 1793.
O último rei da dinastia capetíngea, Luís XVI, foi guilhotinado na Praça da Concórdia, em Paris, no dia 21 de janeiro de 1793. Diz uma tradição que quando a cabeça do rei rolou no cadafalso, um indivíduo que estava na primeira fila, entre os expectadores do macabro espetáculo, se adiantou, molhou os dedos no sangue do rei e os levou aos lábios. E ao fazê-lo, alguém o teria ouvido dizer, com orgulhosa satisfação:  
– Tiago de Molay: finalmente estais vingado!
Segundo algumas testemunhas, ele ostentava em seu casaco uma pequena cruz de prata, constituída por quatro triângulos, cujos vértices convergiam para o mesmo ponto onde se tocavam.
Oito séculos haviam se passaram desde a execução de Tiago de Molay.. Mas uma lenda, que é contada até o dia de hoje, diz que todos os anos, no dia 13 de outubro, nos antigos castelos dos Templários, um velho de longas barbas brancas, vestido com uma antiga armadura de cavaleiro medieval e usando um mantô branco, ornado com uma cruz vermelha, caminha em meio ás ruínas. Com uma voz cavernosa, saída das profundezas do tempo, ele pergunta:
– O Templo foi destruído. Quem quer me ajudar a edificar o Novo?     
 
[1] O Grão-Mestre era o comandante geral da Ordem a nível internacional. Preceptores eram comandantes de regiões, que normalmente envolviam diversas cidades, onde haviam instalações templárias, denominadas preceptorias.
[2] A Ordem religiosa dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo do Rei Salomão havia sido fundada em 1186, em Jerusalém, por um grupo de nove cavaleiros, liderados pelo conde de Champagne, Hugo de Payens. Tinha, como objetivo inicial, garantir a segurança dos peregrinos cristãos que iam à Jerusalém para visitar os lugares santos dos cristãos. Dai a tradição que os consagrou como “os guardiões do Santo Sepulcro”.
[3] Essa bula, denominada Vox in Excelso, foi emitida em .... de 1312.
4] Essa pequena ilha, que ficava em frente á praça da catedral de Notre Dame, era assim chamada porque alguns anos antes desse fato, vários judeus, acusados de conspiração havam sido queimados ali.
[5] No caso, a condessa Mafalda de Artois, sogra de seu irmão Filipe, numa conspiração para por no trono o próprio genro.
[6] A Guerra dos Cem Anos, na verdade durou 116 anos (1337-1453).  
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Nota do autor
 
Este romance foi inspirado em fatos reais, e viivido por personagens reais. Por ser de direito, o autor reconhece a influência dos seguintes autores e obras, nos quais buscou inspiração e informação:
 
Maurice Druon- Os Reis Malditos, Volumes I, II e III. Publicação, Círculo do Livro – São Paulo, Brasil
Pedro Silva- Os Templários em Portugal – A Verdadeira História- Publicado pela Ícone Editora- São Paulo, Brasil
Michael Baigent e Richard Leigh- O Templo e a Loja- Publicação Editora Madras, São Paulo- Brasil
Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln- The Holly Blood and The Holly Grail- Publicado Por Arrow Books, Londres- Inglaterra
Piers Paul Ried- Os Templários-Publicado pela Editora Imago- Rio de Janeiro, Brasil
Bárbara Frale- O Julgamento dos Templários- Publicação da Editora Madras-São Paulo
Os Grandes Julgamentos da História- Publicação dos Amigos do Livro- Lisboa, Portugal, editado no Brasil por Otto Pierre, Editores, Ltda. São Paulo, Brasil.
Malcon Barber- O Julgamento dos Templários- Editado
Jean Palou- A Maçonaria Simbólica e Iniciática- Editora Pensamento, São Paulo- Brasil.

O LIVRO DE BAFOMÉ- NO PRELO