O Otário Da História
Ele nasceu um psicopata.
Estava nos genes, na mente.
Quando era pequeno gostava de brincar com o mundo, testando seus mais diversos limites. Queimava os mais diversos objetos, não porque não sabia, mas para ver o quanto queimavam. Atirava pedras nos móveis, não por maldade, mas para ver o quanto eles aguentavam. Pulava na cama, não porque era divertido, mas para ver até aonde a estrutura aguentava.
Mas, no geral, era quieto. Quieto demais.
Seu cotidiano era silencioso, ele preferia aprender e observar. Não tinha costume de brincar, se enturmar, ser simpático. É claro, tinham aqueles casos excepcionais onde ele quebrava a cama ou incendiava seus bonecos, mas era bem calmo.
Aos poucos ele descobriu.
Descobriu o que era. Quem era. O que ele queria fazer.
Percebeu falhas no sistema, falhas na sociedade. Questionou verdades absolutas. Questionou a moral e a ética. Questionou o Bem e o Mal. Questionou a religião. Questionou a opinião pública.
Adquiriu uma visão impecável. Agora sabia detectar a menor das instabilidades emocionais, os pontos fracos de cada pessoa e até os tipos diferentes de personalidades; tudo isso, é claro, sem precisar de mais que uma pequena conversa com a pessoa.
Passou a equilibrar seus sentimentos de maneira incrivelmente calculista, mas ainda assim utilizá-los de maneira intensa. Sabia identificar e compreender cada motivo de cada ação de cada pessoa.
Ficou adulto e já era mestre no comportamento humano. Sentia o cheiro do medo, da dor, do prazer, da ansiosidade, da insegurança. Sabia mentir como ninguém. Sabia planejar como ninguém.
Mas, ao contrário do que se pensa, com a passagem do tempo, se tornou uma pessoa mais amigável. Tornou-se amigo do mundo e amante da Vida. Se apaixonava fácil e com prazer. Tinha várias amizades e grandes laços com cada uma delas. Ajudava a todos que conseguia e se esforçava pra isso. Elogiava. Criticava. Ensinava. Protegia. Amava.
Ele nasceu psicopata. Ele enxergava cada falha de cada sistema. Tinha capacidade de trazer o Caos e a destruição para cada indivíduo e cada sociedade.
Mas o mundo já está cheio de Caos e Destruição.
E ele odeia padrões.
Pensou ser melhor curar, amar e ajudar o mundo. Usar das falhas para arrumar o que estava errado.
Nunca recebeu um aumento. Suas namoradas lhe abandonaram. Os vizinhos o achavam louco. Nunca recebeu ajuda. Nunca foi reconhecido. Foi roubado três vezes, esfaqueado em uma delas. A família nem sequer tinha seu número de telefone.
Então podemos dizer que a culpa é dele. Ele é o Otário da história.
Nada disso teria acontecido se estivessem todos picados em sacos pretos enterrados no terreno baldio atrás da faculdade.
Que fique de lição.