O delicado sabor das fêmeas fatais (7)

Com Vandinha cuidando de Mr. Seth Moore, de repente fiquei sem ter o que fazer naquele mundo de casa. Por isso, fui para a garagem e fiz polimentos em todos os veículos da coleção, depois peguei no barracão de ferramentas um tesourão e fui podar as árvores ornamentais. Não, não tenho nem prática nem talento para jardinagem, se você quer mesmo saber eu não saberia nem dizer a época de podagens nem coisa nenhuma, eu só estava mesmo matando o tempo – evidentemente tinha observado que os galhos deveriam ser cortados transversalmente para propiciar melhor brotação, e assim procedi, mas confesso que fiz mais estragos que benefícios na plantação. Estava ocupado com as tipuanas, árvores-guarda-chuva, ipês-branco, pitangas, rabos-de-dragão, flores-de-borboleta, verônicas, flores-de-cera-de-geraldton, pitangas e gojis... Como sei os nomes das plantas? Ora, havia plaquetas em cada uma delas com seu nome popular e o nome científico. Memorizei os nomes populares, que são mais fáceis, visto que costumava passear por ali nas ocasiões em que Mr. Seth Moore tirava uma soneca no período da tarde. Mas, como dizia, estava nesses afazeres quando uma van branca parou em frente ao imenso portão de ferro fundido. Bem, quem comandava o acesso e saída da propriedade era Mr. Seth Moore, com seu sofisticado equipamento eletrônico – já disse que ele tinha câmeras de filmagem, aparelhos de escuta, em todos os cômodos da residência? Sim, em todo lugar. Nos quartos, nas salas, na cozinha, no sótão, porão, nos jardins, nos muros e nos portões, o principal, gigantesco, e os demais para serventias desconhecidas – mas poderiam muito bem ser uma rota de fuga, levando-se em conta a preferência do patrão por carnes, digamos, nem um pouco ortodoxas. Ali naquela casa se você desse um respiro diferente do normal, Mr. Seth Moore saberia. O motorista – na verdade uma garota usando um macação branco – desceu da van e acionou o interfone. (o que implicaria em ativar um complexo circuito de outros sistemas de identificação que eu nunca consegui entender direito). O portão abriu-se automaticamente de par a par num silêncio de rodinhas perfeitamente lubrificadas. A garota retornou ao veículo, assumiu a direção e adentrou a alameda sinuosa que levava ao vestíbulo. Ao passar por mim, vi o nome da firma gravado nas laterais: Billet Doux. Eram meus novos trajes sendo entregues a domicílio. Fui, portanto, atrás da van. Mr. Seth Moore ligou em meu celular e ordenou: – Traga os pacotes aqui pro meu covil. – Era assim que ele se referia ao seu aposento: covil. Assinei a nota de entrega e ajudei a mocinha a tirar os embrulhos do carro, amontoei-os nos meus braços, dei uma sondada na mocinha – por sinal muito bonita – para sentir o quanto ela compartilhava de meu interesse lascivo, percebi que com ela eu não tinha nenhuma chance, desejei-lhe um bom dia, esperei que ela desse partida no veículo e, depois, fui para o aposento de Mr. Seth Moore. Vandinha estava no quarto, sentada na minha poltrona reclinável de couro legítimo e lia um livro de poesia para o patrão. Ele, de olhos fechados, tinha um sorriso angelical no rosto grande, bem barbeado. Ambos estavam nus – ela uma ninfa dos trópicos, ele um imensurável elefante de pele rosada. Vendo-os assim pelados, plácidos, regalados de prazer, tive a dolorosa certeza de que nunca mais seria o cuidador daquele gigante. Coloquei as compras em cima da cômoda imensa que guardava as toalhas e batas de Mr. Seth Moore.

– Abra tudo – ele ordenou.

Vandinha ajudou-me a desembrulhar os pacotes. Eu estava tão curioso quanto a garota, não tinha a menor idéia das roupas que tinham sido confeccionadas sob medida para mim. E diante dos meus olhos um mundo apenas sonhado tornou-se realidade: calças de brim de cores sóbrias, camisas em tons pastéis de manga longa, vários blazers clássicos, camisetas básicas, casaco para eventual queda de temperatura, roupas íntimas – umas cuecas samba-canção de aparência extremamente confortável. Havia mesmo uma capa de chuva de tecido impermeável. Eu sempre usei roupas compradas em lojas, nunca havia me passado pela cabeça que um dia iria trajar roupas que pudessem ter um caimento perfeito – presumindo que aquelas vestimentas iriam servir como uma luva em meu corpo.

– Experimente as peças, Biguá – disse Mr. Seth Moore, adivinhando como sempre o que se passava em meu cérebro e coração. Tive apenas um segundo de hesitação, não me importava com a presença de Vandinha, ali nua como um bebê recém-nascido, mas ficar pelado na frente de Mr. Seth Moore era de fato constrangedor. Hoje, analisando bem a coisa toda, creio que naquele momento o que senti foi medo de humilhar o patrão com minha forma física invejável, um corpo seco e musculoso como o de um atleta maratonista. Mas, como disse, só hesitei por um segundo apenas. Fiquei nu, pedi que Vandinha fosse me passando as peças de roupas, experimentava-as – puxa vida, o caimento era perfeito, desde as cuecas samba-canção até o blazer da cor cinza-escuro. Quem não estava se sentindo nada feliz era a Vandinha. Seus olhos ardiam de inveja, despeito e rancor. Em dado momento perguntou a Mr. Seth Moore, de um modo um tanto insolente para uma empregadinha que nem possuía um diploma de enfermagem conquistado via internet:

– Alguém neste mundo fodido pode me explicar o que tá acontecendo?!

– Semana que vem Biguá vai para Rabat, no Marrocos – disse Mr. Seth Moore.

– Vou?!

– Vai sim, irá me representar numa reunião muito importante.

Eu estava atônito. Tão boquiaberto quanto Vandinha. Quando Mr. Seth Moore me ordenou que tirasse o passaporte dias após ser contratado como cuidador, informou-me que às vezes ele precisava viajar para os Estados Unidos em seu avião particular, era bom que eu estivesse com minha documentação completa para acompanhá-lo. Eu obedeci suas ordens em todos os detalhes. Não seria surpreendido se tivesse que embarcar para a América do Norte a qualquer momento. Nunca imaginaria, porém, que fosse viajar para algum país da África – e sozinho, ainda por cima. Passado o impacto inicial da notícia, um fio de suor começou a me escorrer pelo rosto. Estava assustado com os futuros enfrentamentos em um lugar remoto, onde se falava uma língua complexa e possuía costumes estranhos.

– Não tenho traquejo suficiente para fazer uma viagem dessas sozinho, Mister.

– Calma, meu rapaz. Você viajará em companhia de alguém muito especial. Uma senhora muito distinta, membro destacado da nossa sociedade secreta. Ela chegará dentro de dois dias.

– Ah, bom! – eu disse, fingindo entusiasmo. – Temos um probleminha, só possuo uma bagagem de mão. Essa roupa toda não vai caber.

– Pedirei que sua companheira de viagem traga algumas malas pra você.

– Sim senhor – disse – Perfeitamente, Mister.

– Agora caia fora daqui, eu e minha menina temos um trabalhinho a fazer.

Ajuntei todas as roupas e, sob o olhar desdenhoso de Vandinha, fui para o meu quarto.

(Continua)

Joao Athayde Paula
Enviado por Joao Athayde Paula em 27/11/2013
Reeditado em 27/11/2013
Código do texto: T4589272
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