Cadeira de Balanço
Tania estava tão concentrada no que estava fazendo que nem se deu conta do barulho que vinha da porta da sala. Ou, se deu, fingiu que não. Mal reparou também em sua velha cadeira de balanço no canto do quarto se balançando sozinha. Pelo menos até a janela se escancarar do nada.
Levantou-se de sua cama, onde estava penteando seus longos cabelos dourados, e foi até a janela. Olhou para fora e não viu nada além dos costumeiros coqueiros que pairavam sobre o telhado da casa. Fechou a janela e ia indo de volta para cama quando sentiu um ar gélido passar por ela. Benzeu o corpo três vezes e continuou o que estava fazendo.
Algum tempo depois, totalmente entretida com o computador, Tania nem se lembrava mais do que havia acontecido. Estava super animada batendo papo com sua melhor amiga e com o gatinho da sala, quando uma janelinha se abriu no canto da tela.
“Vamos conversar?”
Tania fechou a janelinha e continuou digitando para seus amigos. Alguns minutos depois, a mesma mensagem apareceu.
“Vamos conversar?”
Tania resolveu responder, já que só quem podia falar com ela eram seus conhecidos, aquilo não devia passar de uma brincadeirinha de mau gosto.
“Vamos. Quem é você?”
“Ora, você não está me vendo?”
“Vendo como? Sua webcam nem está ligada”
“Ligue a sua então”
Tania começou a rir sozinha. Aquilo devia ser brincadeira de algum amigo que estava tentando assustá-la ou sei lá, fingir ser um pedófilo.
“Eu ligo a minha se você ligar a sua” - digitou.
“Ligue a sua agora! Você vai adorar o que vai ver aqui do outro lado”
Tania estava começando a desconfiar, aquilo estava estranho demais pra uma simples brincadeira. Levou a mão até a sua webcam e se arrependeu na mesma hora.
A imagem da webcam pegava seu quarto quase que completo, era possível ver sua cama, sua cadeira de balanço e seu espelho. E lá, sentada em sua cadeira de balanço havia uma menina. Mas não uma menina normal, uma menina com cabelo sujo e comprido, unhas enormes, vestido meio roído em alguns lugares. E o rosto, totalmente desfigurado, só se era capaz de ver os olhos da garota, e eles eram muito assustadores.
Tania desligou a webcam na hora. Olhou para sua cadeira e não havia nada lá. Devia ser algum vírus, sei lá, qualquer coisa feita para assustá-la. Continuou batendo papo com sua amiga, quando apareceu no canto da tela.
“Oi. Você gostou de mim?”
Ignorou a mensagem. Se a pessoa que estava fazendo a brincadeira estava achando aquilo engraçado, não se podia dizer o mesmo dela. Brincadeira idiota.
“Não tenha medo, eu posso ver você.”
“Eu não estou com medo” - digitou de volta - “Só quero saber que tipo de brincadeira é essa. Não estou vendo a graça”
“Mas não tem graça, eu quero uma amiga e você é popular. Por que não podemos ser amigas? Eu sou tão ruim assim?”
Tania havia se cansado daquela brincadeira, então deu um tchau rápido para seus amigos e desligou o computador. Como estava de costas para o monitor, não pode ver a menininha dando um sorriso nada amigável enquanto estava sentada na cadeira de balanço. Foi um sufoco para dormir aquela noite, toda hora ela se lembrava da garotinha, e só de manhã conseguiu realmente pegar no sono. Acordou atrasada para a aula e colocou a primeira roupa que viu, nem deu tempo de se maquiar.
Quando chegou à escola, Tania causou um espanto geral. Malu, sua melhor amiga, nem queria chegar muito perto dela.
Malu, o que aconteceu?
Você se olhou no espelho hoje?
Na verdade não, por que?
Malu, meio com medo meio com nojo, pegou Tania pelo braço e a levou até o banheiro mais próximo. Quando se viu no espelho a garota quase desmaiou.
Seu rosto, antes quase impecável, estava irreconhecível. Havia marcas roxas em seu pescoço, manchas vermelhas em suas bochechas e seu nariz estava sangrando. Como aquilo tinha acontecido? Tania nem saíra de casa na noite anterior.
Tania se abaixou até a torneira e lavou o rosto, mas quando levantou a cabeça, quase desejou não ter feito aquilo. Malu não estava ao seu lado, mas a garotinha da cadeira de balanço sim. E ela não parecia amigável. Palavras surgiram no espelho, mesmo sem ninguém escrevê-las.
“Eu sou muito feia né? Nem você quer conversar comigo.”
Tania olhou para trás mas não havia ninguém lá. E então uma força sobrenatural a empurrou em direção ao espelho. Uma, duas, três vezes. E ela caiu inconsciente no chão. Acordou no hospital com sua mãe desesperada sentada ao seu lado. Ninguém entendia o que tinha acontecido e ninguém acreditava quando ela falava. Não havia o que fazer.
Uma semana depois Tania voltava pra casa. Implorava a sua mãe que ela retirasse a cadeira de balanço do seu quarto mas não conseguiu convencê-la.
Era meia noite quando tudo começou. A cadeira de balanço começou a se mover devagar enquanto a janela parecia fazer um barulho estrondoso dentro do quarto. Tania se levantou com medo e foi até a janela conferir se ela estava trancada. Depois disso resolveu ir até a cozinha tomar um copo de leite pra ver se pegava no sono mais rápido. Se arrependeu na mesma hora.
Ela estava abaixada pegando o leite na geladeira quando ouviu um barulho da cadeira sendo arrastada. Olhou imediatamente para trás e não havia nada lá. A cadeira continuava no mesmo lugar e ela estava sozinha na cozinha. Foi até o armário e ouviu novamente a cadeira sendo arrastada e o som de uma respiração perto dela. Sabia o que veria quando se virasse.
Lá estava ela. O cheiro estava insuportável, ela parecia ter se decomposto mais desde a última vez, seu vestido estava mais roído e suas unhas imensas e sujas de terra e de algo vermelho (sangue talvez?).
- Oi Tania. Sentiu minha falta?
- O que você quer aqui?
- Vim ver você. Já que você nunca mais conversou comigo pelo computador.
- Sai daqui! Eu não tenho nada pra falar com você. Você não existe!
- Tem certeza? Eu queria tanto ser sua amiga. Talvez, sei lá, se você morresse. Você ia ficar perto de mim por muito tempo.
- Sai daqui!
- Logo você virá até mim. E então seremos grandes amigas.
E então ela se foi. Tão rápido quanto tinha chegado, ao mesmo tempo em que a mãe de Tania entrava correndo na cozinha, assustada pelos gritos da garota. Após um longo período de choro e alguns remédios pra dormir ela pegou no sono.
Chegou à escola no dia seguinte sentindo algo diferente. Nem Malu, sua melhor amiga, queria conversar com ela. Foi quando resolveu ir ao banheiro que notou o que afugentava todo mundo. Ela estava horrível, sua roupa parecia rasgada, seus cabelos sujos de terra e suas unhas, aquilo parecia sangue. Estava praticamente igual a garota da cadeira de balanço. Saiu correndo para casa e quando chegou lá notou uma viatura policial e um carro do corpo de bombeiros. Sua casa parecia estar pegando fogo. Correu até lá.
- O que aconteceu?
- Ninguém sabe ao certo. Mas parece que foi um incêndio criminoso.
- Mas.. Tinha alguém lá dentro?
- Uma mulher.. E parece que uma criancinha também. Nós ouvimos um choro de uma menina.
- A minha mãe?
- Essa casa é sua?
Tania desabou no chão e não conseguia parar de chorar. Os vizinhos vieram correndo socorrê-la enquanto viam os bombeiros apagar todo o fogo. Eles vieram algum tempo depois dar a noticia que encontraram o corpo da mãe queimado na cozinha e tudo o que restara, ileso, fora a cadeira de balanço do quarto da garota que insistia em se mover sozinha. Quando Tania olhou para a porta de sua casa pode ver a garotinha parada lá, rindo da morte que causara e num rápido movimento a garota correu até a casa e entrou. Nesse instante o fogo recomeçou sem nenhum motivo aparente e tudo o que se pode ouvir vindo da casa em chamas foram os gritos de Tania e as risadas da garotinha que finalmente conseguira uma amiga para o resto da eternidade.