GREGOR


Esgotou-se. Meu senso criativo, minha imaginação...Nunca mais...Desespero total. Escrever, para mim, sempre foi tudo. Nunca escrevi por dinheiro, só por arte. Nasci para a escrita. Sempre criei histórias, novos mundos. Isto me fez crer que eu era um iluminado, um mensageiro, talvez, de uma nova era e que a leitura dos meus textos seria para poucos, de difícil compreensão. Meu ego foi-se inchando. Quando, de repente, tudo me foi tirado. Perdi o talento. Nesta época, cheguei até a plagear dois textos, mas não me senti confortável executando tal ato. Receberia louros que não seriam meus. Utilizei a expressão "tudo me foi tirado", porque acredito em Deus, que pode ter me punido, castigado, não excluindo a possibilidade da culpa, do remorso por ter abandonado os queridos em prol da literatura, em prol da vaidade até. Bons escritores são estrelas, todos admiram nossa capacidade, nossa inteligência e eu estava no rol dos bons, sem modéstia. Sofri muito para chegar a um nível alto de raciocínio: noites em claro, muita leitura, muito estudo, solidão. Tudo tem seu preço, e eu paguei o meu.
Começando a me entregar ao álcool, barba por fazer, alimentação precária, casa suja, tristeza. Quando surgiu do nada meu divisor de águas. Apareceu na minha estante de livros, pousado em cima da obra "A metamorfose" de Kafka. Fiquei com medo, porque o bicho poderia me atacar, mas ele se limitou a me olhar, então ficamos horas e horas nos olhando, até que pude contemplar os primeiros raios de sol entrando pelas frestas das janelas. E dormi. Acordei duas horas depois, e o animal ainda estava no mesmo lugar. Ele tinha cerca de uns quinze centímetros, lindas asas coloridas de borboleta, cara e corpo de tartaruga. Olhar expressivo. Corri para o banheiro, fui tomar um banho, fazer a barba e sair para comprar alimento para aquele ser. Comprei flores, carne e folhas. Não sabia o que ele comia. Os coloquei na mesa e fui preparar um café para mim. Voltei à sala e ele estava na mesma posição. Abri o saco de pão, comecei a passar manteiga e ele voou para cima da mesa. Não fez cerimônia em tomar meu café preto nem comer meu pão. Bem, agora eu tinha um amigo que não falava a minha língua, mas me apoiava. Resolvi dar um nome a ele: Gregor. Por causa do personagem do maravilhoso livro em que estava pousado.

Recomecei a escrever e a ter ideias mirabolantes, inovadoras. Enquanto digitava, Gregor, permanecia no meu ombro esquerdo. E, era verdade, mesmo não dizendo nada, prestava atenção na digitação, na disposição das palavras, e os textos eram sempre magníficos, muito além, infinitamente melhores do que os meus. Refleti: era Gregor quem os escrevia. Tive um pouco de inveja e raiva da Quimera e saí de casa para esfriar a cabeça. Quando voltei, meu amigo não estava mais em casa. O esperei por dias, meses, anos. Perdi o meu mentor! Nunca mais escrevi.
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Colegas, escutem meus áudios musicais! Beijo grande!
LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 22/11/2013
Reeditado em 27/02/2015
Código do texto: T4581498
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