O delicado sabor das fêmeas fatais (1)

Mr. Seth Moore tinha mais de dois metros de altura e devia pesar uns duzentos e setenta quilos, mas esparramado daquele jeito na cama, sempre nu, parecia ser mais pesado, coisa aí de trezentos quilos – ou mais. Em cada uma das dobras da pele, bem no fundo, às vezes as assaduras se transformavam em chagas que precisavam de cuidados especializados. Não, eu não sou médico. Sou apenas enfermeiro, não aquele formado na faculdade, não esse, fiz pela internet um curso on line de auxiliar de enfermagem. Mas continuando, ele, nem precisava dizer, era americano, mas fazia um tempão que vivia no Brasil, cerca de dezenove ou vinte anos, nadando em muito dinheiro e, como me disse certa vez, desfrutando de uma solteirice convicta – seu único parente vivo seria uma irmã rabugenta que nunca aparecia para uma visita. Mr. Seth Moore era muito chegado num alimento enlatado. Era assustador ver o homem comendo, que espetáculo! No café da manhã, no almoço, na janta e durante a noite. Pense num desses carrinhos de supermercado, lotado de latas de carne de porco, feijoada, sopa de galinha, além de ervilha, milho verde, palmito, figo, abacaxi, precisava ver, ele comia de tudo, então pense num carrinho lotado dessas coisas de manhã, outro na hora do almoço, outro no jantar e outro para ser esvaziado no decorrer da noite. Pensou? Pois o seu pensamento nem chega perto da realidade...

Mr. Seth Moore era um homem asseado, não fazia as necessidades fisiológicas nem na roupa nem na cama nem no quarto, ele era descomunal, mas conseguia se locomover, com dificuldade é claro, mas conseguia. E defecava no vaso sanitário do banheiro, um vasão feito especialmente lá nos Estados Unidos, ele não cansava de dizer orgulhosamente que todas as privadas de louça eram feitas lá na terra dos gringos. Enquanto ele fazia as abluções intestinais, eu tirava a roupa de sua cama gigantesca, lavava os colchões com água sanitária (os colchões eram revestidos de plástico, como os dos hospitais); substituía os lençóis amarelados de suor por outras peças de algodão, macias que só vendo, abria os janelões para que o vento fresco se misturasse ao ar condicionado, purificava o ambiente com essências de rosas, deixava tudo refrescado, revigorado. Limpar aquele quarto não era moleza, o que Mr. Seth Moore tinha de engenhocas eletrônicas espalhadas pelo aposento, mesmo em cima dos dois colchões, deixaria maluca qualquer pessoa com cérebro de passarinho, o que não é o meu caso. Acredite, ele tinha mais de vinte celulares, todos ali, de toques diferentes, cores, tamanhos, e estilos variados, ele só não conseguia ver ou falar com Deus, com o diabo acho que ele era unha e carne, só mesmo com a ajuda de Mefistófeles ele poderia se comunicar utilizando tantas línguas estrangeiras quanto estava tratando de seus negócios. E Mr. Seth Moore trabalhava muito. Ele era muito em tudo, comia muito, bebia muito, trabalhava muito. Dormir mesmo que é bom isso ele raramente conseguia.

Mas voltemos à higiene pessoal de Mr. Seth Moore. Ele defecava duas vezes por dia, às seis e meia da manhã e às oito da noite, com uma precisão de relógio atômico – era um colosso o tanto de excrementos que ele expelia, eu precisava ficar apertando o dispositivo da descarga durante pelo menos uns quinze minutos enquanto ouvia o gorgolejo da água levando as matérias fecais pelos encanamentos. Depois que ele fazia suas necessidades, aí sim, era minha obrigação limpá-lo. Os braços dele não alcançavam a região dos glúteos, entende? Não era uma limpeza primorosa, isso não, que em seguida ele entrava em baixo do chuveiro e tomava banho. É claro, eu tinha que esfregar suas costas do tamanho duma Scania, suas coxas mais grossas que tronco de peroba centenária – e também o saco e o pinto, o saco era bem grande acomodando colhões de touro reprodutor. O pinto, esse era de assustar, não creio que muitas mulheres, mesmo as prostitutas calejadas, não sentissem certo temor ao analisarem suas dimensões cavalares. Esse membro costumava ficar duro quando eu limpava o ânus de Mr. Seth Moore, não sei bem porque isso acontecia e nem me interessa saber. A parte de higienização do ânus era a que mais demandava esforços – para alcançá-lo eu tinha que fazer malabarismos enquanto separava as nádegas de proporções desmedidas. No entanto, tudo é questão de prática – bastaram seis ou setes vezes executando esse serviço para habituar-me.

Depois do banho eu enxugava-o com toalhas extremamente agradáveis, fofas, delicadas, enxugava muito bem cada dobra, cada reentrância, depois o lambuzava com pomadas balsâmicas. Era assim, cheirando a bálsamo, que ele voltava para a cama e às vezes cochilava como o um bebê saudável que não dava nenhum trabalho, e não dava mesmo. Passava o dia na cama, quando sentia vontade de urinar Mr. Seth Moore pedia que eu providenciasse o papagaio, ele tinha à disposição alguns papagaios do tamanho de regador de plantas, nesses papagaios cabiam aí por volta de quinze litros de líquido. E Mr. Seth Moore mijava muito, como mijava! Também pudera, num espaço de vinte e quatros horas ele tomava umas cinquenta garrafas de água mineral.

Eu gostava de Mr. Seth Moore. Contou-me que há muito tempo não conseguia enfermeiros formados em faculdade, os que aceitavam o serviço não aguentavam muito, depois de alguns meses iam embora sem deixar endereço para o pagamento de seus últimos serviços – foi por isso que Mr. Seth Moore me aceitou para o trabalho, eu, um auxiliar de enfermagem com formação via internet. Sim, gostava dele. Um gostar que aos poucos foi transformando-se em admiração. É, admiração. Com o passar dos meses comecei a notar que ele não dava importância à sua aparência. Acho mesmo que ele se regozijava com o espanto que causava nas pessoas. Pelo menos duas vezes por semana ele dizia, morrendo de rir:

– Vamos assombrar as pessoinhas, Biguá?

Ele me chamava assim: Biguá. Quando ouvi o apelido pela primeira vez, não gostei.

– Meu nome é Leonel. L.E.O.N.E.L.

Ele: – Biguá é mais bonito.

E Biguá ficou. E não demorou muito, me apaixonei pelo apelido. Biguá. Então, nas terças e quintas logo de manhãzinha eu estacionava o hiper-ônibus de pintura castanha em frente da casa, abria-lhe as portas de uma das laterais – Mr. Seth Moore saía de casa vestindo um roupão branco, de linho macio, que lhe cobria os braços e descia pelo corpo, solto, longo até os pés calçados com pantufas de lona verde. Ele não vestia nada por baixo, mas só se caminhasse contra o sol podia-se vislumbrar o contorno de seu corpo nu. Mr. Seth Moore se movia sem auxílio de pessoa ou bengala. Ele não tinha problemas em andar pela casa, em passar pelas portas, tudo ao seu redor era feito sob medida para as suas extraordinárias dimensões corporais. O homem era podre de rico, lembre-se disso. Até o hiper-ônibus que eu dirigia tinha sido construído para acomodá-lo com todo o conforto. Sabe o interior de uma limusine? Pois então: o interior do hiper-ônibus era igual, com geladeira para bebidas, console para videogames, tevê sessenta polegadas, poltrona reclinável de couro legítimo, isso e muito mais, coisas que até agora não sei como funcionam. Ah, sim: nessas ocasiões, quando a casa ficava desocupada, eu via chegar uma van com uma dezena de pessoas estranhíssimas para fazer a faxina, cuidar dos jardins, lavar as batas de linho, as toalhas, lençóis, fronhas, etc. Quando dava certo de topar com algumas, eu as cumprimentava civilizadamente. Elas me olhavam com desprezo. Aquele pessoal não era da casta dos empregados domésticos e nem de qualquer outra que eu tivesse conhecimento.

E lá íamos nós, eu na direção do hiper-ônibus e Mr. Seth Moore atrás, confortavelmente instalado no banco especial, assoviando de alegria. Saíamos cedinho da chácara e em menos de meia hora estávamos na cidade. Íamos ao Parque das Baguaçus (não sei, realmente, por que Mr. Seth Moore gostava apenas desse parque, uma vez que há muitos aqui em Cantuária), ele apeava do veículo e fazia caminhada. O povo – mesmo o pessoal que o via no logradouro com assiduidade – ficava boquiaberto, fascinado com aquele gigante improvável, inacreditável, extraordinário, ali, pelo parque, desfrutando da natureza. Mr. Seth Moore olhava todo mundo sorrindo magnanimamente, como um senador do Império Romano.

(continua)

Joao Athayde Paula
Enviado por Joao Athayde Paula em 10/11/2013
Código do texto: T4564521
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