Destruido

Estava destruído. Meu interior estava se decompondo lentamente, como um castelo de areia perdendo forma pela ação do vento. O ambiente ao meu redor parecia distante, horizontes de fantasmas tremeluzentes e silenciosos. O ar não era mais tão importante. Entrava pelo meu pulmão como um intruso, fazia-se presente sem muita cerimônia e logo era expulso sem qualquer explicação.

Caminhar? Não mais existia tal rotina. Eu vagava sem rumo sobre a terra úmida do sul, implorando o vento frio e cortante como companhia. Os pássaros cantavam, mas sua música parecia se esconder nas sombras das árvores. Não havia mais tristeza. Essa já se foi há muito. Restou apenas o vazio, sem lembranças, sem sonhos, sem felicidades ou sofrimento. Eram apenas ossos revestidos de pele locomovendo-se para um mundo igualmente inóspito.

Aquela voz vinha ao meu ouvido, uma música triste e insistente a insinuar a tal viagem para o outro mundo. “É só dizer: quero morrer. Assim seu pedido será atendido”. Minha resposta era um refrão sem peso: “Pra que morrer se a morte está em cada pedaço de mim?”

Ficava chutando o chão na esperança de desenterrar alguma memória. Minha mente era um casarão escuro e mal cheiroso. “Falhei demais, por isso pago o preço justo”, gritava para as paredes surdas. Havia duas portas: uma estava trancada e a chave se derretia nas chamas, a outra estava aberta, mostrando um abismo desolador. “Escolha a porta aberta”, dizia a voz. Que diferença faz? Mesmo se ficasse naquele casarão, pelo resto da vida, seria apenas mais um resto humano a ocupar espaço.

Uma silhueta a frente iluminou o meu caminho. Aproximei-me lentamente, com o corpo pesado e fedorento. Longos cabelos escuros repousavam num ombro curto e delicado. As curvas sensíveis de uma mulher se formavam aos meus pés, como surgindo da terra. A boca envolvente exibiu aqueles belos dentes antes de pronunciar a frase mais confortadora de minha vida:

- Quer companhia?

O rosto rubro da mulher empalideceu. Os lábios escarlates ficaram amarelos e sem vida. Suas pernas ficaram bambas e o corpo quis tombar. Quem não ficaria de tal forma, ao ver um ser humano se desmanchar lentamente, com a pele derretendo horrendamente, os ossos se desprendendo das articulações e restar somente vermes sobre a carne podre e sem vida?

Cleiomar Queiroz
Enviado por Cleiomar Queiroz em 07/11/2013
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