Prólogo
 
  A roda de metal, colorida, era tão divertida quanto apavorante. Girava, á medida que as engrenagens rangiam envelhecidas, mal cuidadas e pouco providas de algum óleo ou graxa, relinchando tal qual um cavalo rouco, ou quase sem voz. A maçã vermelha e banhada de açúcar quase caia das pequenas e úmidas mãos que a seguravam.
 
 Engaiolados, presos e ao mesmo tempo tão livres de um mundo que do outro lado das grades estava de cabeça para baixo.
 
  Assim estavam de ponta cabeça dentro da gaiola, feito crianças. Tinham os pés voltados para as nuvens cinzentas, que já aglomeradas se tornavam céu. Sentados, enquanto as mãos hora se agarravam as hastes de proteção, outrora pendiam em busca de perigo. Os negros e longos cabelos pareciam querer saltar em direção ao chão , porém estavam enraizados no couro cabeludo, bailando ao ritmo dos gritos frenéticos que chegavam aos ouvidos do possível casal, num rock, excitante e divertido.
 
  Repentinamente, ali, no ar, no clima e no momento raro e mágico que certamente ocorre poucas vezes na vida, em algumas vidas talvez nunca ocorra, ou uma em tantas vezes, quem sabe? Mas eles se olharam, enamorados, apaixonados, planejando em uma fração de segundos o mais puro e sincero beijo que dariam em todas suas vidas. E foi quando o sonho se concretizou que o primeiro raio afiado e desalinhado cortou o céu, como uma lamina de luz desenhando momentaneamente uma rachadura na própria abóbada celeste em meio à negritude que abruptamente tomou conta do parque. Rapidamente estavam cercados por trovões, sombras e medo. Era uma repentina e terrível tempestade.
 
 E assim é o inicio, e assim também será o fim.


 
 
Capítulo I – Reviver – “Ir ás vezes pode ter o mesmo significado que voltar”
 
 E toma, leva, roda a missa. Reza fará prazer... E lave-me, ótimo é o demo, evite o azar, evite-se esse mês. Acorde Pedroca sem esse (e se tive razão, e tive) o medo é o mito e me vale rezar para fazer assim. À Adorável, amo-te.
 
A porta rangia à ignara tropa...
Soa como caos...
Ave veloz o leve, vá...
Eva, asse e pape essa ave...
Roda esse corpo, processe a dor...
A base do teto desaba...
A torre da derrota...
Seco de raiva coloco no colo caviar e doces...
Assim a aluna anula a missa...
E até o papa poeta é...
E assim a missa é...
Merecem Reviver, merecem reviver, merecem...
 
  Ao fim da primeira vez que pronunciou aquelas  palavras sentiu o estomago revirar, e o vômito chegou até a garganta, ácido e fervescente. Era como uma panela de pressão pronta para explodir. Forçosamente permitiu a saliva formar-se debaixo da língua, concentrou-a e engoliu-a, empurrando tudo que queria escapar novamente para dentro de si. 
 
 Fechou os olhos e enquanto tudo acontecia, lembrou-se dele, e então continuou...

 
Capítulo 2 – Tereza ou 13 A – “Para igualar ás vezes é preciso organizar”
 
  Tereza morava no apartamento 13 A, situado na Rua Padre Milagros. Era uma moça bonita de cabelos longos e olhos pequenos, parecia uma japonesinha sensual daqueles animes hentais, com seios avolumados e um olhar juvenil, brilhoso e inocente.  A voz era fina e suave como a de uma garotinha, ainda que já tivesse seus dezesseis anos de idade e fosse dona de um corpo tentador e suavemente viril, mérito esse dado as intermináveis horas de ginástica artística.
 
  Tereza era rica, mimada e tinha tudo que o dinheiro podia comprar. O pai era um executivo de sucesso de uma multinacional em São Paulo, e vivia a maior parte do tempo em um Loft, mesmo que casados ele vivia separado da mãe e da filha, ainda assim mantinham as aparências de um casal apaixonado. Tereza tinha certeza que não o eram, afinal como poderiam ser?
 
 A mãe era uma das presidentes de uma das maiores clínicas médicas particulares de Santa Catarina.  A jovem, meio aos fogos, rojões e tiroteios daquele romance, se sentia apenas uma distração, um bichinho de estimação sendo domesticado, criado para ser o que o sistema havia predeterminado, uma boneca, uma pobre marionete.
 
  O único momento em que a menina crescida se libertava um pouco daquela vida tão planejada era quando estava com os colegas de classe, ou parte deles. Digo isso, porque como em toda escola, sempre existem os grupos, e na escola de Tereza eram dois, ou você pertencia aos “Populares” ou do contrário fazia parte dos “Estranhos”.
 
  Obviamente populares eram aqueles que tinham algo mais, eram bons em esportes, como ela, ou muito bonitos, como Anderson, ou Paloma, seus melhores amigos. Mas não necessariamente inteligentes. Claro que alguns o eram, o importante era não ser esquisito, ou melhor dizendo, estranho.
 
  Aquele seria o dia mais importante do ano, uma festa, num parque em plena sexta feira 13. Seria um baile, não, o baile de despedida, organizado pelos populares, e patrocinado pelo próprio diretor Antonio Carlos, o pai de Pedro Henrique.
 
 Esse, mesmo sendo um garoto rico, filho de uma das pessoas mais importantes da cidade, visto que Antonio era um homem envolvido diretamente em uma grande gama de projetos sociais e culturais naquela região, ainda assim o filho era um caso raro, o único da escola considerado “estranho”, e simultaneamente “popular”...  Ou melhor dizendo um “estranho popular”.

 
Capítulo III – “Acorde Pedroca” – “mais uma vez ir e vir pode ter o mesmo significado”
 
  Pedro sempre fora um garoto muito inteligente, desde criança se sabia que tinha algo de diferente nele, algo inexplicável. Uma inteligência rara, um raciocínio fora do comum, e ainda que professores o taxassem de super dotado o pai queria mantê-lo por perto. Ele sabia que havia algo mais, sabia o que o filho temia, e o porquê de Pedro não conseguir se relacionar normalmente com os colegas de classe.
 
 - Que isso Antonio? É um garoto espetacular, está muito acima dos outros, é apenas isso – diziam todos.
 
 Todos o chamavam de Pedroca, pois era sim desde criança e com o passar do tempo o comportamento do pequeno gênio foi ficando cada vez mais perturbador, até que certo dia Antonio acordou de madrugada assustado com o barulho de algo vindo do quarto do filho.
 
  O diretor dormia ao lado da esposa Vera, que estava sob efeito de calmantes para insônia, um sério problema de família. Havia acordado ao ouvir o som de algo arranhando a parede, um ruído aperreante e inquietante.
 
  Olhou para esposa que curtia o décimo sono, de boca entreaberta e cabelos desajeitados, roncando levemente. Levantou-se e sentiu o órgão balançar por entre as pernas, livre, coberto apenas por um fino tecido, um pijama num azul piscina ridículo.
 
  O homem caminhou ainda tonto de sono. Descalço seguiu até a porta entreaberta e entrou no pequeno corredor. Esgueirou-se para ascender à luz do vão e logo pôde ver a porta ao lado da sua, era o quarto de Pedro, que estava trancado por fora.
 
  Quando a luz acendeu-se sentiu os olhos ofuscados pelo brilho incandescente da lâmpada e então a mão direita escorregou até a chave, girou-a e em seguida moveu a maçaneta, logo a porta se abriu despertando com o moroso movimento um ranger sonoro das dobradiças que anunciaram a entrada sorrateira.
 
  Assustado, de olhos estatelados, absorto na visão tenebrosa ao redor de si, engoliu em seco todo o espanto e olhou incrédulo para o filho que jazia de olhos fechados, com as mãos ensangüentadas e as pontas dos dedos feridas, muito feridas.
 
 Correu até o menino e o abraçou forte, contendo-o. Enquanto o fazia, olhava para as paredes a sua volta e tentava interpretar todo aquele caos. Pelos cotocos no chão deduziu que o menino começou aquilo com os lápis que tinha na bolsa, mas quando acabou com os doze lápis da caixa de cores e o de escrever, o garoto continuou aquela tarefa bizarra com as próprias unhas e dedos.
 
  Nas paredes havia um amontoado de palavras e números, somas e subtrações, equações e funções, e combinações incrivelmente arquitetadas que levavam misteriosamente a um único e repetitivo resultado, “o número treze”.
 
=> “x – 7 = 5 + 8” => “x = +7 + 5 +8” => “x= 20” => “20 – 7 = 5 + 8” => “13 = 13”
 
 Esse era um das centenas de escritos que cercavam paredes e teto, o pai mal pode entender como o filho conseguira escrever aqueles números na laje, não, não havia explicação lógica.
 
 - Pedro é Pedroca? – ele disse para o pai, num murmúrio soprado ao ouvido.
 
 - Sim filho, é – o pai respondeu em tom afirmativo.
 
 - Pedro é Pedroca – repetiu, e completou sonolento – Trezeeee... – a voz parecia querer sumir, era como se a língua do garoto estivesse ficando dormente – Treze letras – e subitamente veio à primeira convulsão, e o pai desesperou-se.
 
 - Acorde Pedroca! - ele gritou.
 
 Desde então muitos episódios se sucederam, mas o que o pai não sabia é que aquela menina havia influenciado de certa forma aquilo.
 

 Capítulo IV – Primeiro Contato – Um dia antes do primeiro incidente
 
 Certo dia o garoto desajeitado caminhava de cabeça baixa usando os óculos quadrados de armação negra, abraçado a um punhado de livros que acabara de pegar na biblioteca. Saia descendo as escadas da portaria principal, apressado, na certeza de que perderia o escolar novamente, e que pela terceira vez na semana teria que ir andando até sua casa que ficava a oito quarteirões do prédio da escola.
 
  Andando, fugindo da própria sombra seguiu rumo ao ponto onde o ônibus parava e na metade do caminho viu o escolar se aproximando. Logo, começou a correr, e foi nesse instante que ela apareceu do nada.
 
  Livros no chão, ombro dolorido e a armação do óculos quebrada debaixo dos sapatos cor de rosa da garota a frente de si.
 
 - Nossa, desculpe – ela disse erguendo o pé e vendo o estrago. Ele não respondeu, apenas olhou com reprovação por sobre o ombro dela, vendo o motorista rindo da desgraça dele e seguindo caminho – perdeu o ônibus? – perguntou com aquela voz sedosa.
 
 Ele a olhou, franziu a testa e voltou-se aos livros, apanhando-os e abraçando-os novamente. Queria falar algo, mas não conseguia. Estava preso... Preso nos próprios pensamentos.
 
”Azar, isso só pode ser um tremendo azar” – pensou Pedroca.
 
Sim, ele se achava o cara mais azarento do mundo, e talvez o fosse.
 
 - Peraí, você é o esquisito? – ela soltou sem perceber a palavra que proferira – quer dizer, o filho do diretor, não é mesmo? – disse enquanto o ajudava, colocando os óculos no rosto dele e ajeitando a armação, mas não pôde fazer muito já que estava quebrada.
 
 - Sim – soltou, ele – sou o esquisito – respondeu com ironia, ergueu as sobrancelhas e sorriu um riso de canto de boca, afinal já estava acostumado aquilo tudo – até mais, e desculpe.
 
 - Sou Tereza – o interrompeu – moro logo ali, quer uma carona? Mamãe está me esperando no carro – convidou.
 
 - Não, melhor não – respondeu secamente.
 
 - Deixe de ser tolo, moro duas ruas após a sua, na Rua Padre Milagros, aquele novo conjunto de apartamentos, o nosso é o 13 A – Estranhamente Pedro se assustou ao ouvir aquilo. “Não podia ser?” Pensou enquanto o cérebro trabalhava com a mesma agilidade de sempre – mudamos de bairro há seis meses, já ouvi falar muito de você, quem sabe não me ajuda nas aulas de matemática? – indagou.
 
 - Preciso ir – Foram as ultimas palavras de Pedro que a deixou falando sozinha e tomou um caminho diferente do habitual, desviando da possível rota que o carro vermelho da mãe dela possivelmente faria. Aquilo obviamente lhe atrasou em mais quinze minutos.

 
Capítulo V – As Alucinações – “Treze letras”
 
  Pelo longo caminho Pedro balbuciava algo, fazia contas mentais, raciocinava enquanto não podia crer naquilo. Como não tinha amigos Pedro realmente vivia na biblioteca, e lembrava-se de certa vez, quando acessou os arquivos virtuais da história da cidade e descobriu que um jornal chamado “Diário Patrulha” havia noticiado um caso estranho de um homem que fazia milagres, era um padre chamado Milagros, ah sim, ele se lembrava perfeitamente, pois o nome dele era Padre Milagros.
 
  Aquilo soou estranho, um padre Milagreiro que curava pessoas? Segundos relatos de cidadãos que foram entrevistadas pelo jornal, o homem realmente tinha o poder da cura, era um dom, mas o próprio padre não admitia que o chamassem de “novo messias” como alguns haviam o apelidado. Enfim, o fato mais lhe chamou a atenção na noticia em si era que após certo tempo veio um bispo direto do Vaticano, e esse começou a investigar a história a fim de entender se era um truque ou não, e a conclusão do bispo é que o mesmo descobrira que o padre havia feito um pacto com o próprio Diabo a fim de poder ajudar as pessoas após ter perdido a fé em Deus.
 
  O ultimo trecho da notícia era de um morador da rua, rua essa que receberia posteriormente o nome do Padre:
 
   “Senhor José Agnaldo Ramos de 48 anos afirma que ouviu uma conversa na sala paroquial entre o Bispo Alex Castro e o conhecido Padre Milagros, ambos estavam trancados na sala, vozes alteradas, um clima denso. Segundo a testemunha, a mesma havia ido até o local agradecer ao Padre, pois a filha de vinte e seis anos enfim podia enxergar, algo que em toda a vida ela não pôde ter feito devido a ter nascido com essa deficiência e sido desenganada por quase uma dezena de especialistas, todos afirmavam que não, ela nunca iria enxergar na vida, nem sequer um borrão de luz.
 
  Ao chegar lá ele foi à procura do padre e encontrou  a sala fechada, mas ao estender a mão e cerrar os punhos para bater à porta ouviu a discussão.
 
Nos relatos o homem afirma que no inicio era duas vozes, a do padre e a do Bispo, ele consegue ouvir toda discussão, até que em certo ponto quando o bispo ameaça revelar todo o ocorrido uma voz diabólica e estridente esbraveja algo, o homem não tem certeza se a voz vinha do padre, mas relatou ter sentido um vento frio percorrer-lhe a espinha, e deixou claro que aquilo não poderia ter sido algo desse mundo. Logo ouviu gritos do bispo, seguidos do urro alto de uma fera e então imperou o silencio. O homem saiu correndo pelo corredor da igreja, fazendo o sinal da cruz. Olhou antes para a imagem de Cristo, uma estatua afixada a parede.
 
  Jesus estava lá, pregado a Cruz, mas o mais assustador era que por questão de segundos não era uma estátua, era um homem de carne e osso, preso a uma cruz de madeira, o sangue escorrendo vivo de suas feridas, enquanto ele tentava escapar daquela sádica prisão. Dos olhos opacos e sem vida daquele corpo escorriam lágrimas, lágrimas de sangue. E algo, um misto de luz e sombras guerreavam ao redor do corpo, era uma batalha entre anjos e demônios.
 
  O homem contou tudo aquilo ao jornal, que após publicar a matéria, treze dias depois decretou falência e foi fechado. Depois de uma denuncia anônima, o homem admitiu ter saído da igreja  e passado em um botequim, bebido algumas doses de cachaça enquanto contava o ocorrido para o proprietário do estabelecimento, que era muito agradecido ao Padre por ter lhe curado uma terrível e crônica dor na coluna. Mas o pobre senhor alegou ter bebido apenas para se acalmar.
 
  O Padre Milagros se defendeu, rindo da estória, e pedindo a sociedade durante um sermão, que perdoasse ao pobre homem, pois a bebida era um vício degradante e que provoca terríveis alucinações.  Ainda concluiu o sermão dizendo:
  - Não me comparem a Jesus, não, e o homem está certo, somos impuros, e cheios de anjos e demônios, somos apenas instrumentos de suas vontades.
 
 Enquanto lembrava-se disso Pedro continuava a balbuciar:
 
 - Tereza? Não pode ser! – ele pensava – Tereza? – e raciocinava – Treze A? Não! – Ele estava agitado – Terezaaa...

 
Capítulo VI – Opostos  

Há um ditado no mundo, um ditado que peculiarmente é uma grande verdade...
 
“Os opostos se atraem.” E é essa a Tonica dessa estória.
 
 Tereza passou a sentir uma atração inexplicável por Pedro, não era sexo, não, era algo maior, uma necessidade de estar perto dele, de sentir o cheiro do garoto, a presença dele, o som da voz, e ela interpretou aquilo como simples e unicamente a mais perfeita forma do amor.
 
  Pedro por sua vez a evitava, cortava voltas, tentava á todo momento fugir da menina, pois morria de medo dela, entretanto algo mais brotava de dentro de si, um desejo, um desejo estranho e irrefreável, mas o medo, ah, o medo sempre era mais forte.
 
  Ainda assim a jovem parecia obcecada, louca por ele. Ele estranhamente a preenchia, como se ela fosse liberta daquela prisão, da vidinha chata e previsível que seus pais criaram.
 
  Tereza se aproximava cada vez mais, em táticas muito eficientes, como visitas mais freqüentes a biblioteca, trabalhos extracurriculares que apenas alunos como Pedro gostavam de fazer, rotas alternativas, conseguiu inclusive fazer com que a mãe parasse de pegá-la na escola e deixasse-a ir de ônibus. Esse é claro, perdia vez ou outra e seguia andando ao lado do menino que apressava os passos e certas vezes até corria dela, que incansavelmente continuava a persegui-lo.
 
  E com essa aproximação as crises e convulsões eram cada vez mais freqüentes, e sempre à noite. O pai estava preocupado, certa noite o filho apareceu de madrugada, sonâmbulo, olhando da porta do quarto. O pai lembrou-se de ter trancado o quarto do filho, levantou-se e o menino carregava uma faca na mão. Olhou para ele e disse novamente.
 
 - Acorde Pedroca! – e o filho acordou, cambaleou e então caiu desmaiado. Antonio pegou-o no colo e seguiu até o quarto ao lado. Ao chegar a porta do quarto, o pai se espantou ao ver que a mesma continuava trancada por fora e ao procurar a chave lembrou-se de tê-la colocado debaixo do travesseiro onde dormia. Ainda perturbado voltou ao quarto e constatou que a chave ainda estava lá.
 
  A cada dia os acontecimentos eram mais estranhos. A mãe do menino passou a dar os mesmos remédios que tomava para insônia a ele, mas isso não foi suficiente. Nada seria suficiente enquanto Tereza estivesse se aproximando.
 

Capítulo VII – Dia de Festa
 
  Tereza estava feliz, afinal era dia de festa, ou melhor, da festa. Estava ansiosa e insegura, queria poder contar para mãe, falar a verdade, dizer o que estava sentindo e porque precisaria ir aquela festa, mas sua mãe não entenderia, não, ela precisava mentir.
 
  Lembrou-se da conversa que teve com o pai, ela falava com ele todos os dias, sempre ao telefone, de manhã e a tardezinha. O pai disse que pressentia algo ruim, e pediu que ela se cuidasse, mas ela sabia como eram seus pais, extremamente super-protetores.
 
  A mãe abraçou-lhe e olhou para amiga da filha e disse:
 
 - Paloma, por favor, fale com sua mãe para fechar as portas e janelas, diga a ela que tranque tudo meu bem.
 
 - Tudo bem, Senhora – respondeu a menina.
 
 - Mãe, a casa da Paloma é logo ali na esquina – Repreendeu-a, a filha.
 
 A mãe beijou o rosto da filha, as lágrimas pareciam querer saltar daqueles olhos e então Tereza sentiu um molhado e doce sentimento de culpa por estar mentindo, mas ela precisava fazer aquilo, era muito maior do que ela.
 

Capítulo VIII – Hora de consultar os Mortos
 
 - Pai, vamos logo! – Pedro chamou. O garoto estava mais crescido, nos últimos meses a figura estranha vinha se convertendo em um rapaz mais forte, os músculos pareciam ter crescido e até mesmo o caminhar estava mais ereto. O pai estava cada vez mais orgulhoso do filho, e por incrível que parecesse, as convulsões diminuíram gradativamente até que simplesmente acabaram.
 
 - Filho – chamou Vera.
 
 - Oi mãe? – Ele disse.
 
 - Sabe que amo você demais né? – Ela disse com um tom nostálgico na voz.
 
 - Claro que sim mãe. Claro que sei. Eu também amo você – Disse abraçando-a enquanto sentia ela apertá-lo de maneira diferente,a mãe parecia tensa, preocupada com algo, ou apenas nervosa em ficar sozinha. Ela odiava ficar assim, odiava.
 
 - Me perdoa ta filho? – Ela disse ao ouvido dele e ele não soube o que responder. O pai o chamava a porta.
 
 - Você não tava com pressa, garoto? – Disse Antonio.
 
 - Tchau mãe – ele despediu-se sentindo que havia algo de errado com a mãe. Virou-se e a porta se fechou enquanto ele e o pai entravam no carro.
 
 Olharam mais uma vez para a casa, a mãe estava à janela, encarando-os. Antonio acenou para ela e por fim deu partida no motor.
 
 - Pai, por que a mãe nunca sai com a gente? – perguntou.
 
 - Filho, sua mãe é assim mesmo, mas ela te ama viu, ela só é assim – disse o pai, que também era uma pobre marionete.
 
 Dentro de casa Vera se ajoelha e as lágrimas caem sem receio algum, hoje não haveria remédios, não, ela sabia que era hora, hora de consultar os mortos.
 

Capítulo IX – Visita Inesperada
 
  Dentro de casa ela recebe a visita inesperada, o olha sem medo algum, afinal já haviam se encontrado por diversas vezes, e ela já conhecia aquela face.
 
 - O que você faz aqui? – perguntou, ela.
 
 - Só vim te visitar – respondeu o intruso.
 
 - É o fim? É isso? – Ela parecia preocupada.
 
 - Ele te disse que pressentiu algo ruim, não é? – perguntou a voz maléfica.
 
 - É, disse que poderia ser você – ela revelou.
 
 - Pois é. Na verdade ele me disse algo – ela estremeceu ao ouvir a criatura a sua frente falando daquela forma – me pediu para poupar a sua vida – ele sorriu – mas, eu prometi que sua morte iria ser rápida, é o que posso fazer, afinal, você sempre foi um anjo, mesmo quando decidiu ser mortal. Ele caminhou a passos lentos na direção dela, olhando-a nos olhos, e ela, estática, se viu dentro dos olhos negros dele, sem forças, sem poderes e sem imortalidade. Corajosa sabia que não adiantaria correr.
 
 Sentiu o cheiro da morte, o aroma de carne podre e queimada, percebeu os dentes irregulares e afiados da criatura se aproximando de si junto ao hálito de enxofre que emanava de sua enorme boca, que aberta era muito maior que a boca de um humano.
 
 A fera rugiu com a voz rouca e forte, arranhando os ouvidos da mãe que se preocupava agora com a pobre criança, afinal, ele só podia ter encontrado a besta, a besta que abriria as portas dos dois mundos...
 
   Enquanto pensava nisso sentiu o sangue na garganta e a boca do monstro abraçou seu crânio em um movimento ágil e letal, quebrando os ossos enquanto os braços se agitavam trêmulos até o ponto que o demônio puxou a carcaça da vitima ferozmente arrancando a cabeça junto da coluna cervical, enquanto o corpo caia de joelhos em sua própria poça de sangue.
 
  Olhando para ela, que há muito tempo atrás havia sido tão poderosa, sorriu, em breve o mundo seria deles, pois um anjo havia despertado um demônio.
 

Capítulo X - Amor ou medo? 
 
  Ás vezes o que achamos ser amor é apenas um disfarce, uma confusão criada pelo diabo para que no fim exista um significado, e o destino reencontre um caminho para um novo fim.
 
 Tereza e Pedro enfim estavam juntos, havia algo estranho, Tereza estava preocupada, sentiu uma forte dor no estômago, passageira, mais forte. Duas pontadas agudas que a fizeram encurvar-se em meio a tanta dor.
 
  Estranhamente pensara muito na mãe e no pai, mas deduziu que era a consciência lhe cobrando pela atitude que tivera ao mentir para ambos.
 
 - O que é aquilo? – perguntou ela apontando para o brinquedo a frente deles.
 
 - Uma roda gigante, oras – respondeu, Pedro.
 
 - Dãaa, eu sei, to falando daquele formato, veja – e então ele viu.
 
 - Sinistro isso – disse olhando para a estranha forma, era um pentagrama, que se desenhava pelas ferragens no centro da roda gigante, algo realmente diferente do que haviam visto.
 
 - Quer dar uma volta comigo? – ela convidou.
 
 - Tereza, posso te contar uma coisa? – perguntou, Pedro.
 
 - Sabe,antes de te conhecer, eu sempre tive medo – ele deu uma pausa – é estranho, meu pai achava que havia algo de errado comigo – ele sorriu – bem, eu tinha medo do número treze, um medo incontrolável. Associava tudo a esse número com a certeza que ele sempre havia me perseguido, mas era eu, eu que sempre o procurava, o relacionava a algo.
 
 - Acalme-se, Pedro – ela riu da história, um riso inocente – e porque acha que mudou quando me conheceu?
 
 - Porque no inicio te relacionei a ele, o número do apartamento, “13 A”, escrevendo o número fica igual “treze A”, se você organizar as letras da para escrever seu nome, “Tereza, ou fazer ao inverso, embaralhar seu nome, e escrever o número do apartamento – e a rua que mora tem o nome de um padre que dizem que fez um pacto com o Diabo, e o nome dele, Padre Milagros também tem treze letras – ele concluiu.
 
 - É, você realmente era esquisito – ela disse pegando na mão dele – vamos?
 
 - Vamos – ele respondeu – lembrando-se que por ironia aquela era uma sexta feira 13, porém algo havia ganhado força dentro dele, e o medo pareceu se transformar em amor por aquele número, uma estranha obsessão.

 
 Capítulo XI – Os mortos revivem
 
   Ao fim das palavras pronunciadas sentiu o estomago revirar, e o vômito chegou até a garganta pela décima terceira vez.  A panela de pressão explodiu e o sangue podre jorrou dentro do círculo onde estava ajoelhada. Ela vomitava vermes, baratas e todo tipo de pragas, escapando de dentro do inferno em que se transformara o próprio corpo.
 
  Sempre soube quem ele seria, mesmo sabendo que não podia ser diferente. Era um demônio, um filho do demônio, de um padre com quem certo dia a ofereceu curá-la, dar a ela a oportunidade de ter a única coisa que nunca lhe seria possível, ter um filho. Esse mesmo padre milagreiro também lhe revelou alguns segredos e lhe tornou uma escrava do demônio, o demônio que carregara no próprio ventre.
 
 E assim, ao passar do tempo ela encontrara um bom marido, alguém que pudesse cuidar dele lá fora, já que depois do nascimento ela estaria para sempre confinada naquela casa, sem sol e sem lua. O demônio fez com que o homem achasse que era o pai da criança, hipnotizado, forjou o amor dentro dele, até mesmo o diabo pode fazer isso. Sem que o homem percebesse sussurrou ao ouvido do mesmo as palavras que o protegeriam do demônio – Acorde Pedroca, e se ele dissesse isso há tempo, o demônio não tomaria sua verdadeira forma no processo de transição.
 
 Mas havia algo maior, um feitiço precisava ser perfeito e para revivê-los precisava de uma lógica única, ele precisava voltar da mesma forma que se foi pronunciado, através de uma seqüência de palíndromos, palavras e frases que lidas de trás para frente teriam o mesmo sentido que quando lidas ao inverso. Assim como “Acorde Pedroca”, as palavras e frases eram essas:
 
  E toma, leva, roda a missa.  Reza fará prazer... E lave-me, ótimo é o demo, evite o azar, evite-se esse mês. Acorde Pedroca sem esse (e se tive razão, e tive) o medo é o mito e me vale rezar para fazer assim. À Adorável, amo-te.
 
{E começa o feitiço, a reza fará acontecer, banhe-se, ótimo é o demônio, evite o 13, evite esse mês. Acorde Pedroca sem esse medo, pois ele é um mito e é preciso rezar para fazer assim. Á adorável, amo-te}
 
A porta rangia à ignara tropa...
{A porta vai se abrir à tropa de demônios irracionais}
Soa como caos...
{Será o fim}
Ave veloz o leve, vá...
{Anjo da morte a anuncie}
Eva, asse e pape essa ave...
{Mulher, prepare e prove da morte}
Roda esse corpo, processe a dor...
{Sinta dentro de seu corpo, sinta a dor}
A base do teto desaba...
{O céu trincará}
A torre da derrota...
{Os gigantes cairão}
Seco de raiva coloco no colo caviar e doces...
{Secarei de Raiva, vomitando pragas e morte}
Assim a aluna anula a missa...
{Assim eu anularei a consagração}
E até o papa poeta é...
{Até o demônio escreve versos}
E assim a missa é...
{E assim a consagração termina}
Merecem Reviver, merecem reviver, merecem...
{Merecem Reviver Demônios mortos... Merecem reviver, Merecem}
 
 Vera sentia toda dor de dentro de seu corpo, enquanto vomitava toda a maldade do mundo, e é dela que se fortaleceria aquele ritual. Enquanto secava deitada no chão, sentindo-se cada vez mais velha, a idade chegando ao tempo normal, perdendo a imortalidade e definhando até se transformar em pó.

  Enquanto o fim não chegava se lembrava dos pesadelos de todas as noites, sonhos com o filho, as coisas que ele temia, as premunições, o rosto do anjo, a visão da roda gigante, a fenda, ah, ela se lembrou da fenda, uma fenda no tempo, que traria de volta todos os demônios mortos na grande batalha que ocorrera quando da crucificação de Cristo, pois naquele dia houvera a maior guerra entre Anjos e Demônios, naquele dia o bem havia vencido o mal através de um sacrificio.

 

Capítulo XII – Céu azul
 
  Enquanto a roda girou, o mundo foi um sonho, a vida um paraíso, as flores coloridas, o céu era azul. Os gritos eram diversão, o medo era adrenalina, a roda era divertida, uma divertida roda gigante.
 
 E assim é a vida, uma grande roda de amores e segredos, de pactos e promessas, de chegadas e despedidas, de medo e coragem, de liberdade e de responsabilidades, de normalidades e anormalidades... A vida finalmente encontrou a morte.
 
Anjos e demônios sempre viveram entre nós, numa constante guerra.
 
 Jesus lutou por nós, suas armas eram as palavras, os atos, o exemplo.
 
 O diabo, também lutou por nós, suas armas eram as promessas, os desejos e “os bons” acordos. E nessa ultima batalha ele disse:
 
 Enfim, algum dia, quando um filho de anjo e um filho de demônio se beijarem haverá a guerra novamente. "Palavra do Diabo".
 
  Tereza era a filha dos maiores inimigos do Diabo, Áurea e de Drasius, dois anjos que abdicaram da divindade muito tempo após a guerra para viverem um verdadeiro amor.

  Tanto Tereza como Pedro, anjo e demônio, eram apenas instrumentos, engrenagens de algo muito maior, uma roda gigante.

 
Capítulo XIII (13?) – Céu Negro
 
  A roda de metal, colorida, era tão divertida quanto apavorante. Girava, á medida que as engrenagens rangiam envelhecidas, mal cuidadas e pouco providas de algum óleo ou graxa, relinchando tal qual um cavalo rouco, ou quase sem voz. A maçã vermelha e banhada de açúcar quase caia das pequenas e úmidas mãos que a seguravam.
 
 Engaiolada, presa,e ao mesmo tempo tão livre de um mundo que do outro lado das grades estava de cabeça para baixo.
 
  Assim estavam de ponta cabeça dentro da gaiola, feito crianças. Tinham os pés voltados para as nuvens cinzentas, que já aglomeradas se tornavam céu. Sentados, enquanto as mãos hora se agarravam as hastes de proteção, outrora pendiam em busca de perigo. Os negros e longos cabelos pareciam querer saltar em direção ao chão , porém estavam enraizados no couro cabeludo, bailando ao ritmo dos gritos frenéticos que chegavam aos ouvidos do possível casal, num rock, excitante e divertido.

 
  Repentinamente, ali, no ar, no clima e no momento raro e mágico que certamente ocorre poucas vezes na vida, em algumas vidas talvez nunca ocorra, ou uma em tantas vezes, quem sabe? Mas eles se olharam, enamorados, apaixonados, planejando em uma fração de segundos o mais puro e sincero beijo que dariam em todas suas vidas. E foi quando o sonho se concretizou que o primeiro raio afiado e desalinhado cortou o céu, como uma lamina de luz desenhando momentaneamente uma rachadura na própria abóbada celeste, em meio à negritude que abruptamente tomou conta do parque. Rapidamente estavam cercados por trovões, sombras e medo. Era uma repentina e terrível tempestade.
 
 E assim é o inicio, e assim também será o fim.
 
 Da fenda de luz, surgiram trevas, e garras asquerosas que forçavam a abertura, anjos do mal, demônios de olhos avermelhados, acesos e famintos. O exército dos mortos iria caminhar por sobre a terra, e nada nem ninguém poderia detê-los.
 
  Olhando para a gaiola, aquele matador de anjos, o símbolo do mau, riu, enquanto via o corpo do garoto ceder à própria origem, e no fim, ele despertou, quando o demônio disse entre os dentes:

 - Acorde Pedroca!

Fim!


Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 26/10/2013
Reeditado em 02/11/2013
Código do texto: T4542881
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