O MENINO, O MAL E A CHUVA.
 
            A chuva caía como se fosse o último dia do dilúvio, forte, volumosa, todos queriam sair daquela cidade, o boato do rompimento da barragem era uma realidade iminente, carros se amontoavam em um grande engarrafamento na saída da cidade, pessoas a pé, gritos, uma multidão em desespero.
         Em um deles, um automóvel moderno de cor amarelo, quatro amigos: Mauro, Luana, Téo e Jaci, estudantes da faculdade de Biologia, Ciências e Letras da cidade, estavam partindo com o povo, deixavam para trás o sonho da formatura.
 Mauro estudou as estradas locais, ele decidiu pegar a saída da direita, dez metros de onde estava naquele momento, uma estrada de chão, um atalho que Mauro conhecia muito bem.
          O trânsito estava devagar, chegar até a saída demoraria mais dez minutos, havia um pânico geral na população, uma desesperança nas pessoas, a cidade deixaria de existir, a barragem estava condenada, tudo ficaria submerso era o que dizia o noticiário.
         -Gente o que é aquilo, o menino acabou de sair de um carro? - disse Jaci, estudante de Ciências biológicas da faculdade, magra e com tatuagens.
         -Quê? - Perguntou Mauro forçando os olhos para ver através do forte temporal.
         -O menino, ali duzentos metros à direita, ele está indo em direção a nossa entrada – disse Jaci.
         A chuva transformava o menino em uma mancha, a figura estava de capa de chuva, franzino e caminhava com dificuldade, foi andando até a estrada de chão, eles começaram a gritar dentro do carro, como se o menino pudesse escutar.
         -Não dá para saber de qual dos carros saiu – disse Jaci.
         Desesperado em uma atitude heroica, Mauro andou pelo acostamento e entrou na estrada de barro, o carro deslizou de um lado para o outro, poucos carros ousariam andar por ali, era preciso conhecer a estrada, alcançaram o menino, Jaci e Téo desceram e seguraram no braço dele.
         -Ei garoto, está perdido?- Perguntou Téo segurando no braço magro e fino.
         O menino não respondia, começou a tossir, parecia doente, estava vermelho e tinha os olhos inchados, Mauro retirou o casaco e cobriu o menino.
         -Vamos levá-lo para o carro – disse Mauro.
         -Quê, temos que procurar o pai dele – disse Luana e completou – ele está esquisito, parece que está doente...
         -Vamos levá-lo para o carro, não temos como voltar para lá, às vezes meninos assim fogem dos pais – mostrou o tremendo congestionamento – perto daqui, mais ou menos dez quilômetros tem um posto policial, a gente liga para a emergência de lá, eles te machucaram garoto? – a criança balançou a cabeça afirmativamente, Mauro entendeu, não deixaria que nenhum pai machucasse uma criança. Nunca! Não como fizeram com ele. Salvaria a criança.
         A chuva molhava tudo até a alma, ninguém lembrava mais do mundo sem a chuva caindo o tempo todo, Mauro colocou a criança no colo e correu até o carro.
          O menino ficou entre Luana e Téo.
         -Ele está quente – Téo bateu na face dele de leve e perguntou. – Qual o seu nome?
         -Félix - ele falou, com uma voz gutural, preza entre os lábios e de olhos perdidos e tristes.
         Mauro dirigia rápido, queria fazer aquilo direito, pensou no pai que gritava pelos corredores: ”esse menino não servirá para nada”, o pai teria o que merece, Mauro salvaria o menino.
          Os quatro estavam tensos e por isso ficaram em silêncio, o carro andava rápido pelo barro, Mauro sabia o truque de dirigir em pista escorregadia.
         -Ele morreu? - gritou Téo. – A droga do menino vomitou uma coisa em mim e morreu.
         -Fala sério? – disse Luana. Nesse momento, existia um tumulto no carro, todos queriam falar ao mesmo tempo e ver o pulso do garoto, então Mauro distraído e preocupado com o menino, não percebeu alguma coisa  no meio da estrada, o objeto bateu no fundo do carro que capotou três vezes, depois desceu por uma ribanceira.
         Tudo ocorreu em frações de segundo, sem cinto, solta no banco, Jaci teve a cabeça esmagada por um tronco de arvore, no último impacto do carro, um outro tronco atravessou o vidro, o tórax de Mauro e quase acertou Luana.
         Machucados, mas vivos, presos a ferragem, Téo e Luana estavam com algumas fraturas pelo corpo, perdendo sangue, ficaram desacordados por três horas.
         Téo foi o primeiro a acordar, pois sua perna começou a latejar, qualquer movimento provocava dor, viu que a perna estava presa pelas ferragens retorcidas.
         Luana continuava desacordada, havia uma fratura em seu ombro direito e outra no seu braço esquerdo, difícil de olhar.
Outra visão sinistra era o menino, tinha a cabeça torcida, virada completamente para trás, como um monstro de filmes de terror dos anos setenta.
         -Luana. – Tentou dizer Téo, porém estava fraco, havia perdido muito sangue.
         A estudante não acordava, tinha uma marca grande em sua cabeça, ele tentou alcançar o seu braço direito, encostou os dedos, mas não foi suficiente.
         Duas horas se passaram. O barulho da chuva torturava, o carro havia caído em uma ribanceira, ninguém passaria por ali, tinha que acordar Luana, em uma manobra que provocou muita dor ele acertou as mãos nos olhos da amiga.
         Ela não acordou. Ele começou a chorar.
         Olhou para o menino e a posição da cabeça estava assustando Téo então, com cuidado, virou a cabeça mole do menino e viu que ele estava com a pele roxa e tinha os olhos enegrecidos, teve medo.
         -Vou morrer aqui, socorro! – gritou, começou a tossir e sentir um calafrio, sua bexiga estava cheia e teve que urinar na calça;
         Vencido pelo cansaço e pela dor dormiu.
         Acordou com um grito, depois outro, era a voz de Luana, o menino mastigava parte de suas entranhas, segurava nas mãos o intestino delgado e os olhos negros ficaram vermelhos ao notarem que Téo havia acordado. Luana chorava e gritava inutilmente o nome de Téo.
         Téo sentiu o perigo nas suas veias, mas não havia nada que pudesse fazer.
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 21/10/2013
Reeditado em 21/10/2013
Código do texto: T4535621
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.