A VISÃO DO ESPIRITO
Luisinho nascera com aquela doença. Ela tinha um nome estranho. Chamava-se protoporfíria eritropoiética, uma espécie de deficiência imunológica que o impossibilitava de se expor á luz do sol. Todos os dez anos de sua jovem vida foi aquele sofrimento. Só conseguia sair de casa á noite, como se fosse um vampiro. Durante o dia, só podia sair usando óculos escuros, casacão longo e escuro, como aqueles usados pelos judeus ortodoxos, com uma máscara no rosto e o corpo todo coberto. Qualquer luminosidade que atingisse seus olhos provocava intensa dor. Exposto ao sol, sua pele arrebentava em dolorosas bolhas d’água, que se tornavam horríveis feridas.
Luisinho era um menino extremamente infeliz. Sem amigos, ficava na penumbra do seu quarto, protegido por janelas com vidros escuros, olhando os outros meninos passando com suas mochilas em direção á escola. E como sonhava poder sair para a rua e jogar bola com eles!
Um dia Luisinho cansou-se daquela vida reclusa e resolveu enfrentar o sol. Não deu outra coisa. Sua pele ficou cheia de bolhas como se ele tivesse se queimado em um incêndio. Foi parar no hospital. Na sua cama, de olhos vendados, o corpo todo enfaixado, como se fosse uma múmia, Luisinho só pensava em morrer. E era exatamente isso que os médicos estavam achando que ia acontecer, pois o tratamento não estava funcionando.
Todo bom médico sabe que quando o paciente não quer viver, não há remédio que funcione. O organismo não coopera e a homeóstase, essa capacidade que o nosso organismo tem de repor células mortas e recompor-se de ferimentos, deixa de funcionar. Em conseqüência, o organismo enfraquece e morre.
Era o que estava acontecendo com Luisinho. Ele estava numa cama de hospital, praticamente imobilizado e cego. E sabia que, curado, sua situação não iria mudar. Se voltasse para casa continuaria prisioneiro num quarto escuro, sem poder sair de casa, Quem quer viver assim?
Sua cama estava colocada no fundo de um quarto, protegida por um tapume de plástico, que impedia a passagem da luz. O médico pensou que se Luisinho tivesse um amigo, alguém que, pelo menos conversasse com ele, talvez o menino pudesse apresentar alguma reação positiva. Então ele mandou colocar no mesmo quarto outro menino, quase da mesma idade dele, que ali estava, se tratando de um câncer.
A diferença entre esse menino e o Luizinho, estava no fato de o Marquinhos (esse era o nome do garoto), ser extremamente ativo e falador. Falava o tempo inteiro. Falava dos amigos, da escola, das brincadeiras de rua, de tudo. No começo, Luisinho não gostou muito daquela companhia. Ele não podia se mover, nem falar, nem ver. E o Marquinhos tagarelando, falando de tudo que via.
Mas Luisinho acabou se acostumando com a tagarelice do companheiro de infortúnio. Pois o Marquinhos era mesmo um excelente conversador. Ele descrevia tudo que acontecia no quarto, e também contava para o Luisinho o que ele via através da janela deles, que dava para a rua. Descrevia as pessoas que passavam na rua, os carros, as lojas, as casas, enfim, falava como se um mundo muito bonito existisse além daquela janela. E assim eles passaram várias semanas no hospital, e Luisinho aprendeu a ver o mundo pelos olhos do Marquinhos.
Já fazia mais de um mês que eles estavam no hospital. Uma noite, por volta das duas da madrugada, ele acordou com Marquinhos passando as mãos no rosto dele e tocando seus olhos como se estivesse fazendo uma prece. Perguntou-lhe o que estava acontecendo. Marquinhos lhe disse que, pela manhã, iria embora. Mas que ele não se preocupasse, porque também logo estaria curado e voltaria para casa, para viver uma vida normal. Sua voz revelava alguma tristeza. Luisinho imaginou que essa tristeza vinha do fato de que eles não iam se ver mais. Luisinho também ficou meio triste, pois estava perdendo o amigo, aquele que fora os seus olhos e seu contato com o mundo. Mas logo se recuperou pensando que, se o amigo estava tendo alta, era porque ele estava curado. E ele estava se sentindo muito bem. Logo voltaria para casa. Trocaram endereços e prometeram se encontrar mais tarde, quando Luisinho também tivesse alta.
Naquela noite, Luizinho dormiu bem. E pela manhã acordou se sentindo melhor ainda. O médico já havia notado que, desde que ele recebera a companhia de Marquinhos, tinha apresentado uma sensível melhora. As feridas do seu corpo estavam quase cicatrizadas, a visão estava voltando, o quadro geral dele era bastante animador.
No dia seguinte ele também teve alta. E naquele mesmo dia pediu ao pai que o levasse para visitar Marquinhos. Estava ansioso para encontrar o amigo.
Os pais de Marquinhos o receberam muito bem. Mas pareciam estar muito tristes. Luisinho então contou-lhes como o amigo tinha sido o responsável pela sua melhora no hospital, descrevendo o mundo que havia lá fora e falando das coisas que via. E como fora a última conversa que eles tiveram ás duas horas da madrugada da noite anterior, quando Marquinhios disse, que pela manhã, iria embora.
Os pais de Marquinhos estavam ouvindo tudo aquilo sem dizer uma única palavra. Pareciam estupefatos. Apenas suas bocas e seus olhos iam mostrando cada vez mais espanto á medida que Luisinho ia contando todas essas coisas.
– Pare com isso – gritaram, de repente. – Isso não é possível – disseram eles – rompendo, finalmente, numa explosão de lágrimas. – Marquinhos era cego de nascença e morreu há mais de duas semanas!