Os Movimentos Rápidos dos Olhos
Ovídio era um homem atormentado por sonhos sombrios. Dormir, para ele, significava ser levado para um lugar de sofreguidão, e não uma forma prazerosa de descanso. Ele relutava em adormecer. Sua alma não repousava quando se desprendia dos laços orgânicos. Sua mente era transportada para um ambiente torpe, lascivo e assustador, onde seu corpo etéreo vagava angustiado em busca de um desconhecido objetivo, que jamais era alcançado. Durante seus sonhos ele se deparava com soturnas formas femininas, que o impediam de rumar para a direção certa e achar o que ele ansiosamente buscava. Ele sabia que procurava algo quando estava ali, só não sabia o quê. Quanto mais desorientado em seu trajeto, pelo tortuoso universo do inconsciente, mais aflito e fatigado ele acordava.
Ovídio era dono de uma vida solitária, casta e desprovida de afeição, que fazia dele um homem triste. Nos últimos anos sua vida real estava se tornando tão torturante quanto o seu mundo de fantasia. Somada a sua melancolia, existia uma total falta de talento para administrar seus negócios, deixando-o cada vez mais afogado em sua eterna insatisfação. Se fracasso fosse crime, ele seria um elemento de altíssima periculosidade. Estava falido de novo, aos cinquenta e seis anos, no mais recente empreendimento que meteu as caras. Uma coisa era certa sobre a sua personalidade, ele era corajoso e se jogava de cabeça nos abismos que a vida proporcionava, no entanto, sua intrepidez não era suficiente para torná-lo um vencedor. Desistiu de correr atrás do sucesso. E por isso padecia, ferozmente, das agruras de sua ruína. E se entregou, resignado, a autodestruição.
Há anos, por todas as inacabáveis noites, ele era acossado pelo mesmo e insistente sonho. E dentro dele, deste estranho sonho, perseguia continuamente uma enigmática meta, cheias de signos indecifráveis. Ele errava por um lugar acinzentado, por um cemitério de arranha-céus inacabados, onde só existia abandono e sombras. O vento gelado corria ululante, fazendo com que seu estado de espírito, ao perambular pelas ruas desertas daquela selva de pedra lúgubre, fosse sempre de inquietude e medo. Durante suas andanças por essa dimensão inominável, encontrava e conversava, esporadicamente, com figuras sensuais e disformes, que traziam, no lugar dos olhos, duas libidinosas esferas esbranquiçadas. Esses olhares voluptuosos espionavam-no por todo o tempo em que ele estivesse naquele estranho ambiente. De quando em quando, essas silhuetas sinuosas aproximavam-se dele e o seduziam, fazendo-o desviar do que verdadeiramente almejava. Neste momento, Ovídio podia ver, ao seu redor, flutuando, luzes brancas que se intensificavam na medida em que os espectros se aproximavam. Essa cândida energia formava uma espécie de redoma iluminada, que o confortava por alguns instantes, todavia, a percepção do mal e da luxúria ainda eram intensas.
Com o passar do tempo acostumou-se com as sensações de vazio e horror que o acompanhavam nestas incursões oníricas por aquela cidade fantasma. Tornou-se obcecado por desvendar o mistério que se mascarava por de trás daqueles funestos sonhos. Descobriu que quanto mais embriagado e entorpecido estivesse, mais intensamente ele vasculhava aquele oceano de devaneios e solidão. Abandonou o trabalho e dedicou-se exclusivamente ao álcool e as suas experiências pelo mundo quimérico. Passou a dormir por muitas horas ininterruptas.
Há cinco meses ele fez sua última jornada ao conturbado interior de sua mente, e de lá não mais voltou.
Hoje ele vagueia desesperado no limbo em que se encontra, subindo e descendo as escadas dos prédios arruinados, percorrendo seus pátios e corredores infinitos, visitando apartamentos desamparados e vazios, desbravando seus subterrâneos, rondando a esmo e sem destino. Não encontrou o que procurava e malogrou como era de seu costume. Enlevou-se com a escuridão e se afastou definitivamente das luzes que o consolavam, e com isso, aproximava-se, mais e mais, das figuras de baixas vibrações que encontrava pelo caminho, que de forma vampiresca alimentavam-se da pouca vitalidade que ainda lhe restava, deixando-o cada vez mais enfraquecido. A cada dia ele era tragado para profundezas abissais de infames energias. Seus delírios o levavam para um ambiente de devassidão, onde se via participando de orgias dantescas. Suas forças diluíam-se, sua vida se esgotava.
Ele não está morto, como você pôde bem observar, ele ainda vive. E isso é perceptível, pelo alvoroço que ocorre por baixo de suas pálpebras vedadas; pelos movimentos rápidos dos seus olhos perdidamente adormecidos.