UMA QUESTÃO DE FÉ
 
 
Ele era um sujeito arrogante e valentão. Afirmava não ter medo de nada e ser capaz de enfrentar qualquer desafio que fosse posto na sua frente. Dizia não precisar de ninguém, pois bastava a si mesmo. Arrogava não precisar nem de Deus, no qual dizia não acreditar.
Gostava de esportes radicais. Seu preferido era o alpinismo. Adorava  escalar grandes pedras, altas montanhas, chegar a alturas que pouca gente tinha coragem de subir, e realizar proezas que ninguém ousava tentar.
Certa vez, só para mostrar que era “o cara”, ele apostou com alguns amigos que seria capaz de escalar a rocha do Corcovado, no Rio de Janeiro e subir na estátua do Cristo Redentor, á noite. Os amigos duvidaram, pois a escalada daquela imensa rocha já é difícil de dia, quanto mais á noite, quando a escuridão ali é mais espessa, devido á neblina.
Mas ele, teimoso, querendo provar a sua onipotência, lá se foi. E para mostrar que era macho mesmo, quis fazer a escalada sozinho.
Tudo ia bem. Já fazia umas quatro horas que ele estava subindo a escarpada parede de pedra e quase chegando ao topo. E então aconteceu. Ele escorregou e caiu. Uma queda vertiginosa, que parecia nunca mais acabar. A única coisa que viu, em meio ás manchas escuras que passavam, céleres, em frente aos seus olhos, foi a estátua do Cristo, lá em cima, brilhando com todas as luzes. Era, evidentemente uma visão, pois em meio á neblina espessa, e á vertigem da queda, ele não poderia ver nada. Mas na angústia que aquele mergulho no vazio lhe causava, a única coisa que a sua mente conseguiu articular foi um pedido: – Valei-me Jesus.
E então, de repente, sentiu seu corpo sacudido por um violento puxão, que fez todos os seus ossos rangerem. E então se lembrou das cordas de alpinista, que havia atado ao corpo e que, á medida que ia subindo, ia amarrando em estacas que fixava nas fendas da pedra. Elas o haviam sustentado em sua queda.
Mas ali estava ele, preso como um pedaço de carne em um gancho, em meio aquela escuridão, naquela neblina indevassável. Sentiu algo quente e viscoso descer pelo pescoço. Passou a mão na nuca e retirou-a úmida e pegajosa, com o sangue que escorria.
O ferimento não parecia grave, mas ele não poderia esperar até que clareasse e seus amigos, vendo que ele não chegava, começassem a procurá-lo. O desespero bateu e ele implorou: – Cristo, por favor, me ajude.
Foi então que ele ouviu a voz, que parecia vir lá de cima, onde a estátua do Cristo Redentor devia estar, em meio á espessa neblina: – Que posso fazer por você, meu filho?
– Não me deixe morrer aqui - implorou ele.
– Você realmente crê que eu possa salvá-lo?– perguntou a voz.
– Sim, Senhor, eu creio– respondeu ele, no auge do desespero.
– Fará qualquer coisa que eu mandar? – perguntou, de novo, a voz.
– Sim, Senhor, farei qualquer coisa.
– Então corte essa corda – ordenou a voz.
Ele olhou para baixo e só viu o vazio que a neblina ocultava. Pensou: “ Isso é loucura. Esse ferimento na minha cabeça está me causando alucinações..."
E achou que o melhor a fazer era ficar ali, quietinho, até clarear o dia, esperando pela equipe de socorro que certamente viria resgatá-lo. E assim, agarrou-se mais firmemente á corda e esperou...
Não foi senão depois de três dias que uma equipe de resgate o encontrou. Ele estava morto e já começava a feder. Parecia um pedaço de carne, pendurado no gancho de um açougueiro. E ele estava pendurado a apenas um metro do chão.     

UMA QUESTÃO DE FÉ