POSSESSÃO - Parte II
Quinta-feira, 19 de agosto de 1965.
Caro Adalberto,
Escrevo esta carta para informá-lo que novamente ocupei meu tempo em observar o cotidiano de sua família. Depois da última missiva, visitei sua mãe duas vezes. A primeira foi logo na terça-feira. Cheguei por volta das 09:00 horas e, como Dona Elizete estava ocupada, não me demorei muito, apenas consumindo uma fatia de suas belíssimas tortas de maçã e prometendo retornar na manhã seguinte. A segunda vez foi ontem, quarta-feira, visita essa que exige um relato mais detalhado.
De antemão, peço que analise cuidadosamente os fatos que narrarei. Confesso que nem mesmo eu, que fui testemunha ocular, tenho plena certeza dos acontecimentos presenciados. O imaginário, as superstições, as ilusões e alucinações podem ser desenvolvidos pelas mentes fracas, em determinadas circunstâncias.
Cheguei, como na terça-feira, por volta das 09:00 horas. Entrei, como sua mãe havia recomendado no dia anterior, pela porta da cozinha, sendo recebido por ela mesma, parecendo exausta, sentada em uma cadeira de madeira. Explicou-me que passara a noite em claro, devido a uma recaída do Dr. Mauro, seu pai. Explicou-me que o mesmo havia passado a noite toda queimando em febre e tendo convulsões, e que alternava entre momentos de lucidez e momentos de loucura, provavelmente com muitas dores, pois praguejava constantemente, proferindo palavrões e emitindo sons guturais que em nada se assemelhavam à sua voz verdadeira. Concluiu informando que não fazia mais de meia hora que estava ali sentada descansando.
Tendo terminado seu relato, no exato momento em que eu ia iniciar minhas perguntas para preencher minhas cartas de informações relevantes para você, ela arregalou os olhos por sobre meus ombros, encarando algo que estava às minhas costas. Voltei-me para verificar do que se tratava e foi aí que presenciei o que ainda não sei explicar. Seu pai estava em pé, na passagem da porta que vem da sala para a cozinha, só com roupas de baixo. Visivelmente debilitado e muito mais magro que da última vez que eu o tinha visto. A cabeça um pouco inclinada para o lado, os olhos voltados para o teto, praticamente fora de órbitas. A boca exageradamente aberta como num bocejar escancarado. Os braços raquíticos caídos ao lado do corpo extremamente pálido. As mãos retorcidas como se algo estivesse puxando seus nervos por dentro da carne. Encaramos aquela figura, completamente calados e espantados, por quase um minuto. De repente, meus olhos pareciam me enganar e tive a impressão de que o corpo foi suspenso no ar, ficando há uns dez centímetros do solo. Impossível. Um som horrível, como de unhas gigantes de metal arranhando um quadro negro, rasgou por sua garganta. Depois disso, o corpo caiu, inerte.
Como comentei anteriormente, ainda não tenho explicações para o que supostamente vi. Digo supostamente pois imagino que posso ter sido atacado por algum tipo de alucinação. Mas Dona Elizete também presenciou o fenômeno. Ajudei sua mãe a acomodá-lo novamente na cama e saí da casa apressado e desorientado. Passei todo o dia em busca de explicações. Tentativas infrutíferas. Começo a colocar em dúvida minhas tão arraigadas crenças da inexistência do sobrenatural.
Sugiro que, quando puder, venha à casa de sua mãe, pois ela disse que já há alguns meses não recebe notícias suas. Gostaria também que respondesse minhas cartas, tendo em vista que para a última não obtive resposta. Quanto ao fato dos acontecimentos inexplicáveis, tomei a decisão de consultar um especialista sobre o assunto. Assim que obtiver respostas, irei comunicá-lo.
JACQUES
Continua...