O TESOURO DOS TEMPLÁRIOS

O rei Filipe triunfara em sua campanha contra os templários. Com o Grão-Mestre do Templo manietado e guardado por quatro senescais, numa sala do grande edifício, o rei chega por volta das nove horas da manhã no Templo, onde Guilherme de Nogaret o espera. Na presença do bailio de Paris e de outras testemunhas, conveniente convocadas para essa ocasião solene, manda abrir os cofres e os livros do Templo, onde estavam registrados todos os bens da Ordem.
 
– Nada mais encontrastes além dos livros?– perguntou o rei.
– Nada mais, majestade – respondeu Nogaret.
– Percorrestes todas as dependências do castelo?
– Os soldados estão efetuando buscas no edifício todo, Majestade. Se houver alguma coisa mais, logo encontraremos.
 
A decepção de Filipe estava estampada na sua face. Esperava, de pronto, encontrar cofres recheados de ouro, arcas cheias de pedras preciosas, artefatos de ouro e prata, preciosidades imensas, que fizessem jus á fama de milionários que acompanhavam os Templários. Aliás, ele mesmo, quando esteve homiziado nas dependências do Templo havia visto, com seus próprios olhos, sacos e sacos de ouro sendo manipulados pelos tesoureiros do Templo. Essa isso que ele esperava ver, mas nada, até aquele momento, fora descoberto e nada iria, de fato, ser encontrado no enorme edifício.
Já fazia algum tempo, desde que se tornara um dos maiores devedores da Ordem, que o próprio tesouro pessoal do rei estava sob a guarda do Templo. Filipe o depositara ali como garantia de sua enorme dívida para com o Templo, que ultrapassava a milionária soma de 500.000 florins. Ao tomar de assalto a preceptoria de Paris, onde se supunha estarem depositados ambos os tesouros, o do rei e o do Templo, Filipe esperava, na verdade, recuperar o primeiro e apossar-se do segundo.
É o que faz, declarando solenemente estar, a partir daquele momento “assumindo a guarda de todos os bens encontrados no castelo, bem como de todos aqueles registrados nos respectivos livros”, os quais promete divulgar em ocasião oportuna. Revela ainda sua intenção de reunir em um só os dois tesouros que, segundo ele, pertenciam ao reino da França. Esses tesouros eram constituídos pelos seus bens pessoais, que estavam sob a guarda dos Templários, e o tesouro do Estado, que estava depositado no Louvre. A esses montantes acrescentaria mais tarde um terceiro, que seria o da Ordem, quando esse fosse devidamente apreendido e recenseado.
 
– Tomai as providências jurídicas para essa incorporação– ordenara o rei a Nogaret. A Jean de Marigny dera a mesma ordem no sentido de fundir, na mesma conta, os bens dos Templários e os do reino.
 – Se for mesmo tão rico esse tesouro, Vossa Majestade não precisará mais taxar as rendas de vossos súditos com alíquotas tão altas – disse o tesoureiro do rei, Marigny.
 Filipe não gostou da observação, mas anuiu.
– Tens razão, Senhor Marigny. Outra revolta poderia nos custar a vida ou o trono.
– E agora não tendes mais o Templo para vos dar asilo– completou Nogaret.
 
Essa era uma lembrança que Filipe odiava recuperar. Olhou com frieza e rancor para Nogaret, que compreendeu, desde logo, a infelicidade da sua observação.
– Todas os bens do Templo estão agora á vossa disposição, Majestade – disse ele, tentando corrigir a besteira que havia falado.
 
Durante toda a fatídica sexta-feira, 13 de outubro de 1307, os senescais de Filipe varejavam todos os recantos da preceptoria de Paris em busca do famoso tesouro dos Templários. Essa era a verdadeira obsessão do rei, e o motivo principal pelo qual ele se metera nessa louca e inconseqüente empreitada, desafiando, ao mesmo tempo, as duas mais poderosas organizações da Europa Ocidental, que eram a Ordem do Templo e a própria Igreja de Roma. O mesmo havia feito em todas as demais preceptorias localizadas em território francês, mas nada foi encontrado.
Para onde teria ido o tesouro dos Templários?Todo mundo sabia, ou pensava, que esse tesouro fosse deveras fabuloso. Acreditava-se que uma riqueza incalculável em ouro, pedras preciosas, artefatos e objetos históricos, capturados em mais de dois séculos de pilhagens e negociatas, havia sido acumulado pelo Templo.
Era dinheiro suficiente para recuperar as combalidas finanças do reino francês, deterioradas pelas inúmeras campanhas militares que Filipe tinha que sustentar na Europa, principalmente para refrear os apetites de Eduardo II, seu genro sodomita. Também as campanhas em que se envolvera no Oriente Médio, os acordos militares que fizera com os mongóis, para recuperar Jerusalém, tudo isso lhe custara muito dinheiro, e só lhe trouxera prejuízos. Aliás, essa era mais uma razão de seu ódio aos Templários. Afinal, foram eles, que ao serem expulsos da última fortaleza cristã na Palestina, Arwuad,acabaram por frustrar o sonho de Filipe de realizar aquilo que seu famoso e querido avô, o santo Rei Luís IX, não conseguira realizar com sua cruzada.   
Filipe ficou possesso. Esperava encontrar um tesouro de incalculáveis proporções e nada achou além de alguns míseros candelabros de prata, nos quais aqueles malditos hereges colocavam as velas para iluminar suas obscenas reuniões. Certo que havia os livros, onde os Templários registravam os bens e as transações comerciais e financeiras feitas por eles. Filipe sabia que a Ordem administrava uma enorme gama de opera-ções econômicas que envolvia grandes transações financeiras, comerciais, industriais, imobiliárias e toda sorte de negócios passíveis de render gordos dividendos.
O patrimônio imobiliário da Ordem, em território francês, era imenso e representava cerca de um terço do próprio território do país. Filipe ordenou a Nogaret, reconhecidamente um grande perito em direito, que providenciasse imediatamente a incorporação de todos os bens da Ordem, á coroa. Terras, castelos, imóveis de todos os tipos, bem como servidões, direitos de posse, rendas imobiliárias, hipotecas, direitos alfandegários, tudo que os Templários ganharam, se apossaram, ou simplesmente tomaram de seus legítimos donos, em duzentos anos de serviços prestados aos governos, á igreja, e a eles mesmos, bem como aqueles bens que foram adquiridos por meios da simples rapinagem, foram incorporados à coroa francesa.
 
Mas quanto ao tesouro físico da Ordem, Filipe estava decepcionado. Nada foi encontrado. Seria esse tesouro um mito?  Ele existiria mesmo? Testemunhas arroladas e ouvidas no processo que se moveu contra a Ordem dizem que sim. Especificamente uma delas, um cavaleiro templário chamado Jean de Challon, lotado na preceptoria de Nemours, diocese de Troyes, jurou ter visto esse tesouro. E testemunhou que na noite anterior á invasão do Templo de Paris, um comboio de quatro grandes carroças carregadas de feno e cobertas por toldos deixaram os muros do Templo, pegando a estrada que levava ao mar.

Com efeito, na noite anterior, Jacques de Molay havia chamado o seu secretário Gerard de Villiers, a quem deu uma estranha ordem.
 
– Quatro carroças estão esperando no pátio dos fundos do Castelo – disse o Grande Visitador. – Escolhei quatro cavaleiros, entre os mais valentes e discretos, e conduzi-as até o porto, onde nossa frota está ancorada. Lá entregai tudo ao Irmão Jehan Du Pré. Ele já tem suas ordens e sabe o que deve ser feito.
 
De fato, havia dezoito navios ostentando a cruz templária, ancorados na embocadura do Sena naquela ocasião. Naquela mesma manhã, segundo outra testemunha, esses navios receberam a ordem de levantar velas. Ninguém jamais conseguiu descobrir para onde se arribaram. Essa foi outra ação que deixou Filipe terrivelmente frustrado. Esperava incorporar á sua frota os navios da Ordem. Eles seriam muito úteis na sua mal definida guerra contra os ingleses. Mas neste caso, como no episódio do tesouro, ele ficaria chupando o dedo.
 
Embora não tivesse conhecimento das manobras de Filipe, Jacques de Molay não fora pego de surpresa pela ação. Já desconfiava, desde algum tempo, que a Ordem se tornara um incômodo para o ambicioso monarca francês. As necessidades monetárias da coroa logo o levariam a intentar algum ataque ao Templo, pois este era o último dos bastiões que ainda resistia á sua pretensão de assumir o poder absoluto. Pois com a nomeação de Bertrand de Ghot para o cargo de Papa, que este assumira em 15 de novembro de 1305, adotando o nome de Clemente V, ele havia praticamente abatido o poder da Igreja. E com o estabelecimento da sede do papado em Avignon, cidade que lhe pertencia, o Papa estava totalmente sob seu controle.
Havia sido com a cumplicidade de Clemente V que ele havia começado, sob a orientação jurídica de Nogaret, a arquitetar um plano para destruir a Ordem do Templo. Já no dia seguinte á eleição de Clemente V, o Papa e o rei se encontraram para negociar assuntos importantes para o reino de França. O rei pleiteava o poder de escolher, ele mesmo, os cardeais para administrar a Igreja em França. Queria também uma licença papal para que seus dois filhos, pudessem se casar. Pleiteava também licença para lançar impostos sobre as rendas da Igreja. E sobretudo, o compromisso do Papa de permanecer em Avignon e não retornar para Roma.
Tudo negociado na presença de Nogaret, os filhos de Filipe, seu irmão Carlos de Valois e claro, um forte aparato militar. O assustado Papa deve ter percebido imediatamente que se tornara um prisioneiro do rei francês, e não opôs nenhuma resistência.
Na audiência pública que se realizou, com a presença dos aliados e senescais de Filipe, nada foi tratado com relação aos Templários. Mas uma audiência á portas fechadas, somente com a presença de Nogaret, foi efetuada logo diepois. Nesta, certamente, Filipe colocou ao Papa a sua intenção de liquidar com o Templo. E Clemente, acossado e impotente contra as determinações do rei, só pode, debilmente, opor algumas objeções.
 
– Sabeis que o Templo não paga nenhum tributo, seja á coroa, ou á Igreja – disse Filipe.
– Suas posses, entretanto – pertencem á Igreja, protestou, o Papa.
– Entretanto, já concordamos que a Igreja deverá contribuir para os cofres do reino – respondeu Filipe.
– Mas a Ordem do Templo tem as suas próprias ordenanças e não estão sujeitas a tais injunções – disse o Papa, sabendo que estava objetando inutilmente.
– Quem pode o mais pode o menos– interviu Nogaret, que até aquele momento não pronunciara uma única palavra.,
– Os Templários, com o fim das cruzadas, perderam sua função como como instituição militar e monástica – completou o inflexível conselheiro.
– Podem subsistir como Ordem monástica, mas nesse caso, somente se consentirem em ser fundida aos Cavaleiros do Hospital de São João – completou Filipe.
– Assim, parte de seus bens e rendas poderão ser preservadas e aplicadas em favor do povo, como sempre deveriam ser– continuou Nogaret.
– Sabeis que isso já foi tratado e proposto, inclusive pelo meu antecessor Bonifácio VIII, com quem tivestes vários conflitos– retrucou Clemente. – Mas nada foi decidido por que o Grão-Mestre Jacques de Molay foi veementemente contra essa fusão.
– Sabemos disso – respondeu Filipe. – Mas agora nada obsta que seja feito. – Não há mais nenhuma razão para a existência de uma organização tão infame quanto o Templo.
–Sabeis– insistiu Nogaret, já com uma certa irritação na voz, das suspeitas que contra eles são levantadas.
– Fui informado disso, mas não há nenhuma certeza da veracidade dessas acusações, mas apenas comentários que podem, no fim, ser falsos – objetou o Papa.
– Temos a convicção de que não são falsas, e como depositários da verdadeira fé, Vós na qualidade de Máximo Pontífice, e eu na qualidade de rei cristão, temos que tomar providências para extirpar, de vez, esse mal.
– Entretanto – insiste ainda o Papa– gostaria de falar com o Grão-Mestre do Templo antes de tomarmos uma decisão tão radical.
– Tendes a nossa concordância – disse Filipe. – Mas apressai-vos, que o tempo urge.
 
De volta a Avignon o Papa escreveu a Jacques de Molay, denunciando as suas preocupações quanto ás intenções de Filipe e a proposta para fundir Templários e Hospitalários em uma única ordem.  A resposta do Grão-Mestre deixou o Papa desiludido e com pouca esperança quanto ao futuro da sua principal organização.
“ Se as duas ordens fossem reunidas’ respondeu Jacques de Molay,” ambas teriam que se submeter á restrições e ordenanças estranhas á ambas. Daí poderiam vir perigos para as almas envolvidas porque são raros, segundo creio, aqueles que queiram mudar sua vida e seus costumes...”

– O idiota não entendeu o perigo que está correndo– murmurou o Papa.
Entrementes, dá ciência ao rei Filipe do seu fracasso em convencer o Grão-Mestre da Ordem em realizar a fusão com os Hospitalários.
– Eu tinha certeza de que não teríeis sucesso– respondeu o rei. – Ele é um maldito analfabeto, ignorante e arrogante– completou, para si mesmo.
 
Desesperado e temeroso das conseqüências, o Papa tentou uma última cartada.
– E se Vossa Majestade se tornasse Cavaleiro Templário?– sugeriu ao rei. – Jacques de Molay está velho e não durará muito tempo. Vossa Alteza poderá indicar alguém de vossa confiança para o cargo e assim não precisaremos extinguir a Ordem.

A idéia agrada ao rei. Escreve, naquela mesma noite, ao Grão-Mestre, solicitando seu ingresso no Templo. Recebe, logo no dia seguinte, a recusa, por escrito do seu pedido.
“ Não nos parece conveniente, e afigura-se ao mesmo tempo perigoso para os propósitos da Ordem o conúbio entre o poder espiritual e o poder temporal”, justifica o Grão- Mestre.

– Maldito arrogante sodomita– vocifera Filipe.
E com essa diatribe selou a sentença de morte contra a mais poderosa Ordem de Cavalaria de todos os tempos e garantiu para ela, a aura de romantismo e mistério que vem acompanhando os Cavaleiros Templários há cerca de nove séculos. 
 
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Da obra "Filhos da Viúva", A Conspiração dos Templários- título provisório, no prelo.