3D – DTRL12
Da janela, olhos quedos, vidrados, mirando no pátio abaixo de si. A brisa fina alcançava o rosto, cabelos bailavam, era apenas um toque ingênuo e preguiçoso, uma visita repleta de vida. Lembro de penteá-los, sentir a escova se emaranhar pelos fios longos e negros, logo de manhã. Não esboçava dor alguma, mesmo com os puxões. Ainda tinha o mesmo sorriso, o inalterável olhar, aqueles lábios insinuantes. Tão linda. Sempre tão linda.
O corpo balançava, sentado na cadeira de balanço, desafiando a realidade, inebriando a própria morte. O objeto de madeira abaixo de si tinha os pés interligados, dois a dois, e esses permitiam que continuasse a balancear. Acaso aquilo relaxasse, todavia eu sabia o que importava. Em verdade o que ela sempre quis foi estar com seu verdadeiro amor. E eu só queria estar com ela... Em meio a nostalgia, certamente éramos felizes.
Capítulo I – Apenas uma imagem do passado
Exausta, era assim que se encontrava, afinal havia sido um dia maçante. Largou a bolsa por sobre a cama de solteira e despiu-se. O vestido deslizou pela tez, docemente, após as alças desprenderem-se dos ombros e escaparem pelos antebraços até desenlaçarem-se das pequenas mãos.
Ao cair do tecido, aspirou um pouco do aroma estéril que se arraigara nas linhas finas, e o ar e a poeira branca logo adentraram nas narinas. Soltou um espirro abrupto, enquanto da roupa escapavam ainda vestígios do giz, o pó daquele instrumento de ofício que tanto lhe atacava a alergia.
A jovem que se preparava para dar o maior passo na vida, agora estava nua, e era assim que queria se sentir. Avançou na direção do espelho que jazia afixado na parede do quarto e mirou o próprio reflexo. Vislumbrou ao fundo, a imagem da desordem do próprio dormitório. No chão as peças de roupa caídas, emboladas umas as outras, o colchão desarrumado logo atrás de si, a colcha permanecia á beira da cama e o lençol ainda ali, amarrotado por sobre o objeto de espuma. Observadora e pensante analisou toda panorâmica daquele ambiente, naquele instante absorvia a si mesma.
Mais ao fundo, na parede, imagens góticas de uma banda de rock, pôsteres colados a quadrela mal pintada que já exigia uma reforma. Uma guitarra jazia deitada por sobre o guarda roupas, sem capa, empoeirada e esquecida ali há meses, as cordas quase tocando o teto maciço. A porta de madeira barata que selava o tacanho quarto era o único obstáculo entre ela e a mãe. Lembrou-se de virar a placa que era segura por um barbante, pendurada na cabeça de um prego enferrujado. Nessa imperavam duas palavras que soavam quase ofensivas:
“Não perturbe”
Viu as sinuosidades do corpo ainda virginal, lembrou-se do quanto se guardara para aquele momento, de como a concupiscência e os planos secretos a importunavam, do quanto o noivo forcejava a ceder, deixando-a cada vez mais fascinada e curiosa, excitada e desconcertada. Mas nos últimos dois meses a tenra professora praticamente estava subindo pelas paredes, afinal nunca havia vivenciado tanto desejo por alguém na vida.
Por diversas vezes teve que escapar da sala de aula, deixar os alunos fazendo tarefas e correr para o banheiro, enquanto lia as mensagens recebidas, pensamentos que a deixavam em frenesi, palavras picantes a atrevidas que denotavam selvageria e ousadia, um misto de sensualidade, imaturidade e agressividade que a extasiavam. Mesmo tão viçoso, e de certo modo, desfigurado do padrão de homem que havia intitulado para si, surpreendentemente aquele a fisgara de forma singular.
Á medida que concebia aquela situação a moça se pegou acariciando os próprios mamilos, sentiu-se nostálgica, caótica com o misto de sentimentos que a dominava, as caricias pareciam causar impulsos eletromagnéticos em sua cútis, calafrios deliciosos que a estremeciam. Cerrou os olhos, não queria mais assistir a si mesma no espelho, não, queria sentir ele, somente ele.
A mão desceu calmamente pelo abdome, vacilou no umbigo, um tropeço prazeroso e resfolegante, continuou a decaída, os dedos trocando energia com os pêlos quase imperceptíveis que despontavam, ressurgindo do inferno de prazeres que haviam sido retirados, renovando-se na pele e sinalizando o caminho estimulante.
As pestanas tremularam e os olhos arderam em meio à névoa de pensamentos libidinosos. As pontas dos dedos enviaram toda a sensação para o cérebro, os lábios secaram, os dentes castigaram agradavelmente o lábio inferior. Superiores e inferiores pressionando a carne tingida em batom, dedos já perpassando pelo sexo, guiados pela lascívia do impulso, logo a cópula simplesmente acontecia.
Você deve estar se perguntando; “Por que começar esse conto assim?” Bem, acho que porque é uma das minhas piores lembranças. Recordo-me de ver as imagens, de assisti-las em um filme, não era 3D, mas enfim, foi tão real.
Capítulo II – “O homem misterioso”
Deixo claro que não me lembro de ter escolhido viver aqui, tampouco me recordo de coisas pretéritas, talvez tenha estimativa de viver cousas vindouras, talvez não.
Decerto suponho que seja um feto que cresceu demais, apenas isso. Lembro-me de deslembrar certas coisas, de recordar doutras, mas com efetividade só me vem à mente mesmo o que mais me satisfez, ou infelizmente o que mais me magoou. Já fui dono do mundo, também, mas tudo passa. Agora sou mais hóspede em minha própria propriedade.
Estranho como a vida de repente vai perdendo o sentido, como tudo precisa de um significado e como os significados nem sempre significam algo, é tudo tão ilógico.
Abancado, miro a TV, essa chia ruidosamente, um som aperreante, isso graças á maldita interferência ocasionada pelo punhado de antenas parabólicas que cercam a região, presumo eu.
Entenda, há listas horizontais que sobem e descem pela tela, somem de repente, hora levam rostos embora, hora os trazem em meio a chuviscos quase prateados, cinzentos e perturbadores. Por vezes mal consigo vislumbrar a imagem, ouço apenas o som que já se porta praticamente inaudível. E o pior é que o televisor é tão vetusto que a imagem me é transmitida em apenas duas cores, ainda assim continuo compenetrado, assistindo a tudo, no “preto e branco”, algo tão similar a minha enfadonha rotina. Ainda bem que a tenho por perto.
Isso me faz pensar, e quando reflito é como se um filme passasse por minha cabeça. Como disse, lembro-me das coisas que mais me satisfaziam. Amava bons filmes, ir ao cinema, nossa! “Ir ao cinema”, isso me lembra algo.
Ah sim... A primeira vez que fui num cine 3D. Engraçado como a memória simplesmente volta, ainda era da feitura antiga, onde se usavam imagens anáglifas para tirar vantagem da visão binocular. Lembro-me de segurar aqueles óculos em minhas mãos, olhar para as lentes coloridas e dar um riso do tipo “e o que isso pode fazer”, daí coloco os óculos, e pronto, era quase impossível crer naquilo.
As lentes eram coloridas, uma forçava um olho a enxergar a seção vermelha da imagem e a outra, azul ou verde. E o mais interessante é que depois constatei que por causa daquela diferença de imagens meu cérebro é quem interpretava tudo aquilo tal qual uma imagem em três dimensões. O meu cérebro... A minha Inteligência sendo enganada para que pudesse assim criar algo tão fantástico! Isso só aumentou meu fascínio. Naquele dia entrei na estória, fiz parte dela, eu estava lá, mesmo que não estivesse. Acho que foi assim, foi daí que eclodiu tal idéia tão insólita, certamente foi desse ponto marcante de minha história.
Assim como em um filme, a técnica 3D é um apetrecho onde os cineastas ludibriam os olhos do telespectador, de uma forma mais real, como se você realmente estivesse vendo o filme através de uma janela entre o mundo real e o mundo fantástico.
Sabe, não sei se o que estou a fazer é certo, não sou um homem infeliz, gosto de viver aqui! É bom viver o que resta, e você, o que você quer fazer, onde você está? Já fiz muitas coisas erradas, cometi atos no calor da incompreensão humana, confesso que não consigo me lembrar de ter remorsos, apenas sei que estava errado, mas faria tudo de novo, afinal nunca tive sangue de barata.
Capítulo III - Seja bem vindo!
Onde você está? Está lendo isso pelo celular, pelo tablet, notebook, talvez através do computar? Odeio essas máquinas e tenho motivos plausíveis para ostentar tal sentimento, mas confesso que a internet me ajudou bastante. Ainda assim prefiro minha máquina de datilografar e o som repetitivo e vivo das teclas quando pressionadas.
Bem, não que isso importe, o que preciso deixar claro é que se não quiser passar a ser um assassino, pare agora mesmo essa leitura, mas pensando bem, talvez isso te impeça de ser um.
Mantenha a sanidade em dia, não é apenas um conto e por mais que possa despertar a curiosidade, esqueça. Há coisas que simplesmente fogem de nosso controle, e eis aqui algo que pode te mudar, completamente.
Bem, se quer mesmo fazer isso, creio que está lendo, ou por curiosidade ou por tolice, talvez por não acreditar ou não saber ouvir o conselho de um estranho. Não vou falar apenas de mim aqui, não mesmo. Falaremos de você, e acredite, você poderá se ver um assassino hoje, e suas mãos serão banhadas de sangue inocente. Esse é o segundo aviso, ainda quer continuar?
Ora bolas, que seja, afinal todos precisamos de uma lição, todos.
Capítulo IV - Regras
Então tudo bem, bem vindo e leia com atenção:
Quero que pense nas imagens, quero que absorva cada letra, não escute a minha voz, ouça sua voz, aqui é sua consciência que fala com você o tempo todo, essa mesma que até aqui tentou em vão te coibir.
Primeiramente, vamos às regras:
A primeira coisa que precisa fazer é pensar na pessoa que mais ama na vida; pai, mãe, filho ou filha, esposa, amigo... Pense! Pense nela de verdade!
Pare, feche os olhos e pense nela por alguns segundos.
Lembre-se daquele momento, de quando sofreu junto dela, de um abraço, de um beijo, daquele olhar que ela sempre te lança, dos conselhos recebidos, dos gestos, de todos eles. Você pode fazer melhor que isso! Lembre-se de quando ela te disse que te ama, ou quando você disse a ela, lembre-se do que realmente importa. Faça isso!
Reflita, pense na fisionomia dessa pessoa, nos olhos, no cabelo, nas rugas, na pele e nos porquês dela ser assim, seja sofrida por trabalhar demais, seja uma pele lisa e macia pela beleza jovial que transborda e tanto te cativa... O que você mais gosta nela? Sussurre apenas para si mesmo, repita isso, sinta intimamente. Se até aqui você apenas leu, releia e faça o que estou pedindo, dê um sentido para o conto, dê um rumo para vida.
2º passo! Admita a seguinte realidade;
“Você não pode protegê-la sempre, e não pode protegê-la agora”
Droga! O que uma consciência pode fazer senão isso! Para deixar claro que sou sua consciência, te proponho o seguinte, vá até o final desse conto, leia o final, esqueça isso e termine logo, faça sua escolha, faça agora! Eu te imploro! Pare!
3º passo! Leia... imagine... Sinta...
Você entrou no seu quarto, ela está lá, a pessoa que você imaginou. Está sentada frente a seu computador, mas ela não pode te ver, sabe por quê? Porque você não está lá de verdade. Você vai assistir a tudo, lembra-se do que te disse, bem, espero que não se arrependa. É como em um filme 3D, estar e não estar, sentir e não experimentar.
Preparado?
Você olha para ela (sempre vamos falar “ela”, pois é a pessoa), lá está, sentada, vestindo trajes de dormir. A tela do computador ligada, luzes fortes, cores mistas, em meio á escuridão do quarto.
Escuridão, "ela" entrou lá, a porta estava aberta e o computador ligado. Você se comunicou com aquela outra pessoa por meses. Um amigo virtual, uma amante, apenas um passa tempo, alguém que você simplesmente confiou, mas não esperava que “ela” visse aquilo, não mesmo.
A mensagem que estava no bate papo do Facebook, enviada segundos atrás, quando que por acidente ao tentar acessar o face dela do seu PC, sua senha, a sua senha havia sido memorizada. Um desleixo compreensível devido à entrega do momento. Mas “ela” ainda não entendia, ah, não mesmo.
Uma pergunta (Quem é “ela”? Sua mãe? Seu pai? Seu filho? Seu amor? Pobrezinha!)
- Oi, estou aqui na sua cidade, peguei o endereço no face,(outro erro! Não acredito que tenha colocado o seu endereço real mesmo!) Nossa, como estou feliz em poder te conhecer pessoalmente. (Mas você nunca a conheceria, nunca, aquilo realmente foi à maior burrada que fez na vida).
Os dedos “dela” encontraram o teclado para responder aquilo.
- Quem é você? – aquela pergunta teria resposta?
- rsrsrsrs – era fácil perceber a ironia daquelas consoantes minúsculas e traiçoeiras – sou eu, estive a sua procura por tanto tempo – a resposta soou tão confusa quanto à indagação anterior.
- Ah é? – jogou curiosa – e veio para me ver? – arriscou.
- Não! – o exclamação a confundiu.
- Para que então? – perguntou.
- Vim te encontrar – respondeu.
- Sei – era estranho aquele tom, o rumo que a conversa estava tomando.
- Achei bonita a sua casa – a mensagem chegou num tom alarmante.
Ás vezes nossas escolhas nos levam a lugares, atitudes, comportamentos, ou na pior das hipóteses encruzilhadas onde precisamos decidir, seguir em frente, desviar ou recuar, talvez você não tenha recuado. O mundo lhe dá opções, uma entidade maior lhe da um arbítrio, sua consciência certamente lhe alertou, que seja suavemente, num sussurro comedido, mas sim, te pediu para parar.
- Como você viu a minha casa? – perguntou assustada, “ela” perguntou. ( imagine o coração “dela” acelerado, a mente confusa, os dedos trêmulos e o olhar vidrado na tela, aguardando uma resposta enquanto no bate papo para deixar ainda mais confusa aparece:
“Amiguinho virtual” está digitando uma nova mensagem...
A vida é um labirinto de dominó, devemos tomar muito cuidado com o caminho que seguimos, onde esbarramos, pois tudo está conectado hoje em dia, é uma rede emaranhada de fios invisíveis e ás vezes pouco perceptíveis, mas eles sempre estão ali, prontos para farejar nosso rasto. Como foi fácil ele te achar não foi? Mas é fácil, muito mais fácil do que pode imaginar.
- Estou na frente de sua casa, baby – a resposta veio certeira.
Você agora está vendo “ela” tirar as mãos do teclado, os dedos suspensos á centímetros das teclas, parados, vacilantes no ar. Os olhos estáticos, presos num misto de dúvidas, e certeza do medo que resfria a espinha. O órgão pulsante que se aconchega no peito parece ter parado por alguns segundos, os sons chegam cada vez mais audíveis. “Ela” pode sentir o odor do próprio suor que começa a expelir-se pelos poros.
Ainda imóvel percebe os pensamentos surgirem à mente. Afinal, quem era essa pessoa? O que você e ela tem juntos? Como você foi tão tolo de se envolver com alguém que pouco conhecia por um site de relacionamento, e o pior, agora essa pessoa dizia estar à frente de sua casa.
Aquilo só poderia ser uma brincadeira de mau gosto, era isso. “Ela” respirou fundo, soltou o ar num suspiro que buscava a calma, tomou coragem, os dedos moveram-se no ar, ainda receosos, e por fim digitou.
- Não gosto desse tipo de brincadeira! Vá se ferrar idiota! Acha que vou acreditar que está aqui? Imbecil! – e num um tolo impulso de confiança, sorriu, afinal, enquanto as pontas dos dedos tocavam o plástico negro, como num passe de mágica transmitia os pensamentos para tela do computador, a coragem cresceu – Ufa! – Suspirou recostando as costas no encosto da cadeira. O pescoço pendeu para trás, as mãos se aliviaram da tensão percebida há pouco, os ombros relaxaram e durante cerca de três minutos não houve resposta, apenas o silêncio de sua casa.
Você a vê, ela está bem, parece mais segura, quer poder abraçá-la, afinal você queria ser mais carinhoso com ela. Todos queremos nos entregar mais aos nossos amores, sejam aos pais, aos filhos, aos nossos amantes, mas sempre recuamos, sempre hesitamos quando devíamos demonstrar com todas nossas forças o quanto nos importamos com eles.
Veja essa pessoa, você colocou a vida dela em risco. Uma ação sempre tem uma reação. O que você fez para tê-la deixado assim? Quem é essa pessoa? Quem é você afinal? Ela parece segura para você agora? Será que o que você fez, sua atitude não terá um fim pior, acha mesmo que simplesmente acaba assim, que tudo é uma brincadeira? Você devia pensar melhor quando toma suas decisões, quando se arrisca por aí. Tudo na vida tem seu preço, tudo.
A taciturnidade foi desfragmentada pelo emitir sonoro de um bip agudo. “Ela” despertou dos devaneios, aqueles três minutos pareciam ter lhe dado força, entretanto aquela energia iria acabar em breve.
“Ela” lê a resposta, o espanto derroca-lhe a súbita bravura. As letras surgiram aglutinadas, num piscar brotaram do nada, e cá estão, veja por si só:
- Não acredita? Está insinuando que eu minto? Só te pergunto uma coisa, por que mentiu sobre a aparência, estou te observando já faz meia hora, te vi pela janela, não é a mesma pessoa da foto, não é! Odeio mentiras, me desculpe, mas não posso te perdoar – ao terminar de ler aquilo “ela” olha para mensagem.
Atônita pensa em como responder aquilo, olha uma ultima vez, quando abruptamente os tímpanos são invadidos pelo som mais fúnebre que poderia perturbá-la naquele macabro instante, era “a toada do silêncio”. Quando o choque nostálgico da ausência de som a alerta, repentinamente se vê em meio à escuridão, as luzes se apagam e “ela”, “ela” está sozinha.
Então lhe pergunto, agora, ainda acha que o que você faz não afeta ninguém?
É uma pena que tenha pensado isso, pois eu te avisei, você devia mesmo ter ouvido sua consciência. Deixe-me te contar mais sobre mim, sobre minha doença.
Capítulo V – Infectado
Ser enganado, traído, se descobrir um ser mortal e vulnerável. Como pode algo diminuto tornar-se maior do que o próprio hospedeiro?
Tudo porque respirei o ódio, senti ele se assentar em meus pulmões, a dor lancinante que me atingiu, a possível febre que me fez delirar, enlouquecer em cerca de segundos, como se todo meu ser fosse acometido por uma doença viral.
Sim, essa é a definição que posso explicitar, foi uma doença, que se multiplicou em meu imo, talvez estivesse inerte, fora de meu coração, mas em pouco tempo tudo veio tão claramente, tudo, eu fiquei cego, não ouvia mais minha consciência, eu fiquei surdo, é, eu não queria mais conversar, eu estava mudo, agora só me restava encontrar a cura, eu precisava coibir a propagação dessa epidemia. Mas como?
Capítulo VI – Escuridão
Medo, terror, insegurança, essa terceira com certeza é a que mais te responsabiliza, você violou a segurança dela, deixou-a ali, num beco sem saída. E se isso estiver acontecendo agora? Pense nisso, afinal pode acontecer com qualquer um.
Creio que ainda está aí, esperando poder ajudar “ela”, talvez antes você conseguisse, antes de covardemente tê-la entregado, antes. Essa leitura pode parecer confusa ás vezes, e é, tudo é confuso, tudo, mas vamos continuar, pois como em um filme 3D, é preciso embaçar sua visão para que enxergue com clareza, para que sinta verdadeiramente.
Paramos bem aqui: Quando o choque nostálgico do silêncio a alerta, repentinamente se vê em meio à escuridão, as luzes se apagam e “ela”, “ela” está sozinha.
Agora se levanta, em meio à penumbra, tateando o ar, encontra o braço da cadeira. Está assustada. Afinal, o que está acontecendo? Seria uma brincadeira sua? Logo houve o barulho, passos, ela tropeça em algo ao se mover. O barulho de certo a denunciou. Senti-se um rato sendo encurralado, aproveita a porta aberta e assim que encontra o vão sai andando receosa por entre os alisares, enquanto começa a ouvir um assobio quase fúnebre, alguém está em sua casa, alguém que acha que “ela” é você.
A vontade é de correr, mas sente-se acuada. E como correria nessa escuridão, continua tentando se localizar, vence o corredor e chega até a sala, agora infelizmente tropeça em algo, o barulho é denunciador e o tombo, ah, esse é certeiro.
Imagine que agora as mãos dela tocam a cerâmica fria, está aí, amedrontada, e você continua vendo tudo sem poder fazer nada. “Ela” houve passos, se aproximando, sente um perfume diferente no ar, não é o seu, nem o dela, é de outra pessoa, aquela que certamente a fará mal. Entretanto ainda ali em meio à escuridão ouve o som dos passos se distanciar. Simplesmente o estranho parece ter passado direto.
Cautelosos, os passos se arriscam por caminhos desconhecidos, mas sua amiguinha ou amiguinho já estava ali há mais tempo, vigiando, pesquisando o ambiente, e agora se lembrava de ver “ela” naquele cômodo, pela janela, cortando um pedaço de mortadela e deixando a faca por sobre a pia, e foi justamente o barulho arranhado do aço cortante raspando a parede que a fez engatinhar, de quatro no chão, feito um animal, e é assim que você deve imaginá-la agora.
Você foi o guia, “ela” será a caça e seu amiguinho virtual será o caçador. Eu avisei que isso não terminaria bem.
Capítulo VII – Fernanda
Quando me vi apaixonado por Fernanda, me senti vivo como nunca, é estranho como eu envelheci tanto e ela ainda continua parecendo aquela mesma jovem.
Ela é minha companheira, foi isso que sugeri para ela quando a pedi em casamento, e foi isso que decidi viver quando ela aceitou.
Fernanda já não leciona mais. Agora que tenho meu negócio, sou um homem que pode dá-la tudo. Eu e ela somos cúmplices, amantes, somos um só. A alergia dela nunca mais voltou depois que parou de respirar aquele pó de giz, não, ela não respira mais, a saúde dela é minha prioridade.
Desde que ela veio para cá muitos querem saber quem é. Quem é a dama misteriosa que fica da janela, balançando na cadeira de balanço? Mas não posso contar, não mesmo, ela só precisa de cuidados, eu cuidarei dela, da minha amada.
Capítulo VIII – Você
Você não é uma má pessoa, é? Fez o que fez, pois desejava ter algo, algo diferente, queria aquilo e agora veja onde se meteu, onde a meteu. Acha que isso é só um conto?
Não, isso é real, e poderia estar acontecendo com essa pessoa que imaginou, talvez realmente esteja acontecendo ou prestes a acontecer. Pense nisso. Como disse, não da para protegê-la sempre, e esse é um fato que você precisa encarar.
Sabe o que denuncia a caça? É o medo, o pavor, o cheiro do suor, a respiração descompassada, acelerada e tão perceptível. Há caçadores, e sabe onde eles estão? Adivinhe! Pense.
Eles estão a nossa espreita, estão próximos demais e ao mesmo tempo tão distantes. Como gatos caminhando com o olhar astuto, imperceptíveis, não queira ter se metido com a pessoa errada. Ela pode estar há um toque, há um clique ou a uma mensagem. Estão de olhos e câmeras alertas para nós. A internet é um elo de ligação com o mundo, e o mundo, o mundo é algo que não conhecemos verdadeiramente.
Sabe onde “ela” está agora? “Ela” tenta correr, tenta, pois a presa sempre é mais lenta que o predador. Sempre é mais frágil. Como o rato ligeiro que escala paredes, se espreita em cubículos, esperto, contudo, ainda assim é pego.
Veja você mesmo, olhe para “ela”, pense “nela”, pode imaginá-la assustada? Mãos e pés se movendo, arrastando-se pelo chão como uma cadelinha poodle, o rabinho balançando por entre as pernas, prestes a sentir a lâmina fria penetrar-lhe a epiderme. Para onde ir?
Não há escapatória não é mesmo?
Apenas lembre-se de que você é o culpado, você é a pessoa que a colocou nessa situação e entenda que você não vai poder salvá-la, nós nunca podemos.
Capítulo IX – Nós
A primeira vez que tive acesso aquelas mensagens, recebi um choque. Era estranho enxergar minha amada como uma maldita piranha, se excitando com mensagens ilícitas de um aluno do colegial. Não podia entender aquilo, afinal ela parecia desejar-me tanto, mas seria por isso que não se entregara para mim?
As coisas foram acontecendo, dois meses de dúvidas cruéis incendiando um sentimento perturbador em meu cerne. O amor virara algo diferente, ganhava proporções maiores, e logo eu soube que não podia admitir aquela situação, não, eu precisava fazê-la enxergar a própria cegueira.
A essa altura eu já havia comprado uma caneta espiã, deixei esquecida junto aos livros que havia lhe dado, na estante de seu quarto. E lá ela ficou uma tarde inteira, e filmou minha querida Fernanda se masturbando em frente ao espelho sussurrando o nome dele.
Nós somos tolos, sempre fomos. Lembro-me claramente desse detalhe, das cenas, afinal foi quando as vi, aquele filme infelizmente ficaria para sempre na minha cabeça. Felizmente tudo se acertou entre nós, no final há jeito para tudo na vida, e demos nosso jeitinho.
Capítulo X – Ele
Era um garoto comum, não entendo como pôde ser tão desejado. Tinha apenas dezesseis anos, era delgado, olhos castanhos e cabelos penteados de lado, lisos e negros. Havia ainda um piercing na língua, e uma tatuagem de uma serpente em “S” no ombro sestro. Odiei ver ele ali, nu a minha frente. Não podia ser verdade, como Fernanda me trocaria por um rapazote? Eu, seu escritor predileto, o amante, o futuro esposo a quem havia feito juras de amor, senti-me traído, era um corno, nos vários sentidos da palavra, um aspas, um chavelho, um maldito idiota chifrudo.
Ela havia me pedido para terminar, disse que havia desistido de tudo, que não estava pronta, mas eu a entendia, afinal, estava louca, estava completamente louca, e se esquecera que era minha, que já havia prometido ser minha para sempre.
Ainda estavam deitados à minha fronte, os dois, lado a lado. Sempre gostei de estórias de terror, mas o amor sempre foi meu forte, acho que é um sentimento único e imortal que carregamos dentro do coração. Mesmo o ódio se instalando no peito, no fim, é apenas uma camuflagem, o ódio é apenas uma resposta, já o amor é a questão.
A abracei, o sangue ainda estava ali, vivo, brotando em meio aos corpos dos dois. A arma do crime jogada ao chão. Os segui por semanas e enfim descobri que ficavam juntos em uma casa abandonada perto da escola. Estavam deitados por sobre um lençol, ele por cima dela. Segurei o metal cortante com as duas mãos enquanto as pernas dela estavam arreganhadas, o queixo pendia para trás, a língua dançava dentro da boca entreaberta e os joelhos apresentavam-se vergados, enquanto o garotão bombava com força, adentrando com sua genitália.
Ele jazia de joelhos, as mãos segurando forte a cintura da professorinha, e o celular de lado, de costas para eles, tocava um rock reconhecido por mim. O som rouco do auto-falante estourado me fez pensar no quanto ela gostava daquela musica. “Come as you are”. Ele ejaculava nela ao som de Nirvana. “Maldito seja”, pensei quando no súbito impulso cerrei os olhos e cravei o facão nas costas dele, de cima para baixo.
A grande faca, pontiaguda desceu descobrindo o imo daquele corpo, deslocando-se de ossos, rompendo as barreiras da dor e da morte, rasgando órgãos e impulsionando a carcaça do rapaz para junto do corpo dela. Ainda abri os olhos á tempo de vislumbrar a cara de surpresa de Fernanda, o olhar de assombro, de arrependimento talvez. Num silvo breve, um ultimo espasmo do garotão e a lâmina transpassou o corpo.
Fernanda tentou me dizer algo, os lábios se moveram emudecidos enquanto o ventre era atingido pelo impacto do aço cruel e já tingido do sangue cúmplice do dela, ambos estariam juntos pela eternidade.
Capítulo XI – “Ela”
“Ela”, aquela pessoa que você enganou, ou que talvez nem tenha enganado, mas a inconseqüência a deixou a mercê de um assassino. Quem é ela? Sua filha? Seu filho? Seu pai ou mãe? Esposa, namorada, marido? Amigo? Quem você imaginou? Você imaginou alguém não foi, se não, ao menos lhe fiz pensar sobre isso.
Então imagine agora! Veja por si próprio! Sinta o medo dela, sozinha, no escuro, ouvindo a morte, o som do metal se arrastando pela parede, a respiração do assassino, a boca seca, o cheiro da óbito, sinta a angústia dela. Os olhos que não enxergam o agressor, esses ardem, as lágrimas teimam em surgir, o corpo treme, se arrepia, transpira o pavor... “ela” está assustada.
Está lá, engatinhando, quando é segura pelos pés. Em resposta chuta o vazio da noite, aflita, amedrontada, insegura e por sua responsabilidade, indefesa. Tenta o chute uma segunda vez e acerta algo, a dor é pungente. A faca espeta a sola do pé e quase o atravessa de uma extremidade a outra. Ouça a zombaria, o riso de seu “amiguinho”, quase contrastando com aquele “kkkkkkk” que sempre usava pelo bate papo com você.
O sarcasmo é algo que sinceramente odeio, no entanto a ignorância e a displicência de pessoas como você, que acham que só porque não tem ninguém lhe observando podem fazer tudo, é algo ainda mais repugnante.
“Ela” grita, primeiro um grito de dor, um “A” longo e alucinante. Puxa o pé e se lança para frente, o sangue fazendo com que se livre escorregadia das mãos do assassino, que gosta da caçada, da luta “dela”.
Afinal, temos alguém menos covarde que você.
A pele se despede arduamente do metal cortante, e “ela” enfim consegue acertar um pontapé em cheio na boca do invasor, que recua em resposta ao golpe de sorte. “Ela” se levanta e sai manquitolante, uma guerreira, lutando pela própria vida.
Capítulo XII - Plano
Fiquei ajoelhado ali por um tempo, olhando para os dois, estavam do jeito que queria. Escolheram o melhor lugar para eu conseguir colocá-los dentro do saco e levá-los até o porta-malas um a um. Era um fim de rua, ermo.
Limpei todo o lugar, ainda calçava as mesmas luvas que me acompanharam desde o momento que fiquei estático dentro do carro, há metros da porta daquele lugar. Foram cerca de cinco minutos tentando me decidir, mesmo que tudo já houvesse sido decidido há muito mais tempo.
Depois de tudo limpo, esparramei as velas pela casa, muitas velas, acendi uma a uma, forrei um lençol no chão, ah, decerto eu sabia fazer aquilo melhor que aquele guri, e era um jantar saboroso.
Deixei a bolsa de documentos dela e a carteira dele no carro da minha Fernanda, que estava estacionado ao lado da casa, em um beco escondido dos olhos alheios. Troquei os corpos por dois outros que havia roubado em um cemitério, corpos enterrados recentemente. Era fácil saber onde encontrá-los. Ora bolas, olhei em um jornal, a coisa mais comum em jornais são tragédias.
Em uma das manchetes dizia:
“Jovem morre de overdose aos dezessete anos, garoto foi encontrado na casa de amigo, e família participa de enterro “chocada”, mas admite que já tinha conhecimento do vício do garoto”
Na outra manchete:
“Mulher de apenas 22 anos sofre parada cardiorrespiratória enquanto realizava exame para conseguir passar na prova de concurso municipal, ela foi atendida no local pelos bombeiros que realizaram manobras de salvamento para reanimá-la.
Ela morreu a caminho do Hospital”
Localizá-los e desenterrar ambos foi ainda mais fácil, afinal, nem todo cemitério tem vigias, para minha sorte. Enterrei os caixões novamente e com cautela segui todo o plano, agora só restava o grande final.
Acendi o fogo em pontos específicos, cortinas velhas, forro, o mínimo de liquido inflamável possível apenas para iniciar as chamas, e em lugares que não me denunciassem. Deixei-os abraçados e despedi-me daquele cenário com a certeza que nunca mais seria o mesmo, e certamente não o sou. Aquela cidade pacata nunca explicaria tal tragédia.
Capítulo XIII - Fuga Frustrada
Pode imaginar sensação pior do que essa? A certeza de que a morte virá e de maneira brutal. Assim “ela” segue, mancando, sangrando e ingenuamente se questionando, afinal o que teria feito para que tivesse esse fim?
A resposta é muito óbvia; Muito provavelmente, nada. A culpa é sua.
O caçador continua, persegue o som da presa, o cheiro do sangue, esse é estimulante. A faca é segura com força, o sangue escorre da boca, da ferida aberta pelo pontapé. Ele anda, anda num ritmo comum, não tem pressa, afinal não quer que “ela” morra facilmente.
“Ela” está acuada, sozinha, lembre-se disso, pois você poderia estar com “ela” agora se não estivesse aqui inerte, fazendo a mesma coisa que faz sempre. Se isolando em um mundo virtual, viajando em estórias que não te levarão a lugar algum. Enquanto “ela” sangra, você assume o papel do assassino. Você que agora vai poder vê-la uma ultima vez, olhá-la de perto.
Está parada, apoiada a porta de saída de sua casa, as mãos enfim encontram a maçaneta e logo a vitima vê uma chance de fugir. A mão abraça o alumínio e “ela” gira a maçaneta. O som da porta rangendo é lamuriante.
Talvez a vida tenha te dado uma chance, quiçá Deus tenha pena de você e te perdoe pelo que fez, mas eu que escrevo esse conto não . Eu, um escritor velho e cansado que a vida e a sorte transformaram em um assassino cruel, não, eu não posso te perdoar, mas enfim, assim como eu, certamente você não se sentiu tão chocado com essa estória, com essa narrativa, sabe por quê? Porque você não tem remorso algum pelos erros cometidos, e os minimiza o tempo todo. E é disso que estamos falando durante todo o texto; de perdão, de confiança, de amor e de ódio, mas sobretudo de consciência.
A porta começa a se mover, mas “ela” sente-se puxada para trás, o pescoço se vê apertado por um antebraço, enquanto que a mesma lâmina que outrora feriu o pé, agora lhe talha a boca, aumentando a abertura da mesma horizontalmente. Deslizando pelo ângulo dos lábios, sarcasticamente. O corte a deflagra, o sangue escapa da boca e ao mesmo tempo faz o caminho inverso, adentrando pela garganta. Os olhos “dela” se arregalam, o grito acontece e logo é contido pelas mãos do caçador, que ainda não se dá por satisfeito.
“Ela” estica as mãos na direção da porta, aquela é a ultima coisa que fará, no fim “ela” pensa em você, mas e você, você em algum momento pensou “nela”?
Fim?
Capítulo XIV - Final
Mas como, se eu ainda não contei o que fiz com minha amada. Bem, ela está comigo, como vê ainda tento ser escritor. Sofri por muito tempo, ao menos foi o que as autoridades pensaram. Fui depor, e no fim fui tachado como algo inofensivo, chorei como criança enquanto fingia não acreditar naquela revelação. O júri ficou emocionado, não, não havia nada que os trouxesse até mim. Era apenas o corno traído e depois de cinco anos tudo seria arquivado.
Os corpos, bem, eles ainda estão comigo, na minha sala, ou quase. Resolvi fazer algo que me deixasse livre de suspeitas, cuidar de obras sociais, seria eu um bem feitor, o dono de um novo prédio que ajudasse aqueles como eu, que se viram abandonados pela pessoa que mais amou na vida, por aquela que havia lhe dado tudo.
Aqui estou, no meu asilo, eu e Fernanda, ela e seu garotão. Não sou nenhum egoísta, a queria perto de mim, e assim o fiz, criei minha maior obra. Ela era linda, a minha dama, a balouçar sobre a cadeira de balanço, quieta, ainda estava ali, e tinha o homem que amava perto dela, pois eu nunca fui egoísta.
Assim que saí daquele lugar, peguei o corpo deles, fui até meu porão, imagine, um homem que escreve terror dentro de um porão. Era meu escritório, meu passatempo.
Fernanda era a única que conhecia o lugar, foi a primeira vez que tentei persuadi-la, estava tão excitada, pude sentir os mamilos enrijecidos roçando meu peito, a saliva molhando minha boca, a língua abraçando a minha, mas no fim, saiu correndo, não sei o que deu nela, era assim, simplesmente fugia de mim.
Mas naquele fatídico dia não pôde fugir.Deitei ambos, lado a lado. Fiquei entre as duas macas que havia comprado em um topa tudo hospitalar, “até isso consegui encontrar na internet” bendita seja. Comprei alguns equipamentos e logo poderia ser um legista, mas não, queria ser um artista, alguém que pudesse ter o poder de tirar a vida e de imortalizar aqueles corpos, quase revivê-los por assim dizer, enfim remorso algum me impediria de viver o restante de minha vida.
Agora lá estava, estudei exaustivamente aquilo. Ela me traia, e enquanto isso eu maquinava toda minha vingança. A primeira coisa que fiz há uma semana e meia foi ir até um artista em outra cidade, levei uma foto de minha amada e pedi que fizesse uma máscara mortuária de gesso dela, obviamente disse que era para estudo em uma faculdade de medicina, e que se tratava de um cadáver. Tirei todas as medidas necessárias, eu mesmo, dizendo que ia mandar fazer o vestido de casamento, que iria fazer tudo isso. Fernanda me disse que isso dava azar, mas respondi:
“Quem precisa de sorte com uma mulher como você?”
Sorrindo, simplesmente ergueu os braços e subiu em uma cadeira enquanto eu usava a fita métrica, brincava de medir cada ponto dela, e aproveitava a oportunidade. A professorinha mal sabia o que a esperava.
Com isso o meu bem feitor pôde fazer também uma cópia do corpo numa forma de gesso. Engraçado é que o idiota só me chamava de doutor, “doutor isso”, “doutor aquilo”, mal sabia meu próprio nome.
Outro aspecto interessante era que a máscara fornecia uma imagem “tridimensional”, mais uma vez a tecnologia 3D me deixava fascinado. Novamente tirei as medidas dela, e as dele. Da circunferência do abdome, o comprimento do nariz aos pés, e do nariz aos olhos, entre outras. O passo seguinte foi usar arames para dar resistência aos corpos que precisaram ser congelados da forma e posição que decidi empalhá-los.
Logo comecei a retirada da pele, a única parte de fato aproveitada, em seguida, banhos ácidos, fiz tudo como pedia a receita, e já me considerava um autodidata, um grande empalhador. Esses banhos curtiam o couro e dissolviam os resquícios de sujeira e gordura evitando que a pele apodrecesse.
Logo após veio uma parte delicada, a retirada da endoderme, uma fina membrana interna colada a pele. Procurei executar tudo com extrema cautela, enquanto que sobre as macas o sangue minava das carcaças e se espalhava pelo piso. Meus pés grudavam naquele sangue já rançoso. Ossos e carne, nus e crus por sobre as macas não mais me lembravam os dois amantes.
Depois disso o couro novamente foi banhado por outro produto que tinha a finalidade de preservá-lo, e em seguida o engraxei para dar mais flexibilidade. Tudo parecia ir muito bem e eu estava muito seguro.
Olhos, nariz, orelhas, boca e língua foram substituídos. Próteses, mais uma de minhas peripécias. Arranjei peças perfeitas de manequins visualmente quase vivos e que atendiam perfeitamente a medida de ambos. Comprei também em um maldito topa tudo de manequins, foi tão fácil achar tudo que queria, mais uma vez a internet sendo usada de uma forma produtiva.
Afixei as próteses, no fim só restava a parte mais minuciosa; Vestir o manequim de gesso com as peles, da forma que eu pretendia premeditadamente fazer. Calculei tudo tão bem, e me surpreendeu o resultado, ah, era um gênio.
Ambos tinham a mesma altura, Fernanda era baixa e o garoto, magro, mas bem crescido. Encaixavam-se perfeitamente um no outro, senti ciúmes daquilo, certo ódio, repulsa, mas não podia parar. Com o tempo me acostumei.
O encaixei de costas, dei alguns pontos prendendo-o. E em seguida fiz o mesmo com ela, porém de frente. Pele sobre pele, da mesma forma que os encontrei. Encaixei-os e fixei com uma cola especial, depois foi só costurar. Os pontos foram dados em locais de difícil visualização para deixá-la ainda mais real. E a posição que escolhi foi a que mais me intrigou, a que mais me excitou, ver Fernanda com aqueles joelhos dobrados foi realmente incitante.
O bom é que eu podia deixá-la na cadeira de balanço e ninguém notaria. Claro que tive que esperar anos para tirá-la do porão. Mudei-me da cidade, montei esse asilo e aqui estamos, nós três.
Deixo Fernanda olhando para a janela, admirando o sol, as coisas belas das quais a traição a privou. Já o rapazote, vivo de olho nele, e ainda é fácil notar o olhar de pavor naquele rosto quando me fita. Sei que ambos ainda estão vivos, naquela pele, balançando incansavelmente. Loucos para sair dessa prisão, mas me conforta saber que não podem, afinal, queimei os corpos de ambos, fiz cinzas deles, joguei em lagos e rios, fiz isso por muito tempo, cada fatia em um lugar, para ter a certeza que nunca os encontrariam.
Enfim, hoje vivo aqui, no meu próprio asilo, vendo e vivendo meus últimos dias. Os poucos que vêem Fernanda e o Rapazote de perto, os curiosos perguntam;
- Mas que coisa horrenda! É de verdade?
Eu respondo:
- Claro que não, mas bem que parecem né?
Agora, talvez isso seja só um conto, talvez não, mas se você decidiu não ler e veio direto para o fim, fez uma boa escolha, talvez não tenha aprendido nada com uma leitura, mas certamente a vida irá lhe ensinar. Se realmente leu, espero que tenha entendido o recado, do contrário, a vida irá lhe cobrar, afinal ela sempre cobra, espero que tenha como pagar, para que ela não tire nada seu.
Fim!
Opa! Conto Dedicado a Lee Rodrigues, Thiago X Leite, Paulo Moreno e é claro a professorinha que usei de inspiração para o conto "Garota sombria"... Fernanda!
Come As You Are
Come as you are, as you were,
As I want, you to be, as a friend,
As a friend, as an old enemy
Take your time, hurry up
Choice is yours, don't be late
Take a rest, as a friend
As a old memory, memory
Memory,memory
Come dowsed in mud,
Soaked in bleach,
As I want you to be
As a trend, as friend,
As an old memory, memory,
Memory, memory,
And I swear that I don't have a gun
No I don't have a gun, no I don't have a gun
Memory, memory, memory (don't have a gun)
And I swear that I don't have a gun
No I don't have a gun, no I don't have a gun
No I don't have a gun, no I don't have a gun
Memory, memory
Venha Como Você É
Venha como você é, como você era,
Como eu quero que você seja, como um amigo,
Como um amigo, como um antigo inimigo
Venha no seu tempo, se apresse
A escolha é sua, não se atrase
Descanse um pouco, como um amigo
Como uma antiga lembrança, lembrança,
Lembrança, lembrança
Venha mergulhado na lama,
Encharcado em alvejante,
Como eu quero que você seja
Como uma tendência, como um amigo,
Como uma antiga lembrança, lembrança,
Lembrança, lembrança
E eu juro que não tenho uma arma
Não eu não tenho uma arma (2x)
Lembrança, lembrança, lembrança (não tenho uma arma)
E eu juro, eu não tenho uma arma
Não eu não tenho uma arma, Não eu não tenho uma arma
Não eu não tenho uma arma, Não eu não tenho uma arma
Lembrança, lembrança