A menina na beira da estrada

Essa história que vou contar me aconteceu quando eu ainda era um adolescente, não pretendo contá-la com o máximo de detalhes, pois a narrativa já me é o bastante.

Tudo me ocorreu quando tinha apenas dezessete anos, era um fim de tarde outonal, eu e minha mãe voltávamos do centro da cidade, que dista uns cinquenta quilômetros de nossa humilde chácara, onde havíamos participado de um pequeno festival que sempre acontecia nessa época do ano.

Já começava a anoitecer quando atingimos a metade da nossa pequena jornada, percebi que minha mãe estava ficando ligeiramente agitada, pois, apesar de aparentar ter quarenta anos, ela já possuía quarenta e oito e sua vista já era um tanto debilitada causando-lhe um grande temor para dirigir de noite.

E eu, com uma atitude típica de um adolescente rebelde, estava sentado no banco do carro onde ensaiava uma falsa raiva do mundo, talvez, para mim, havia realmente algo para se indignar, mas foram passando os anos e percebi que minha revolta era apenas um estado passageiro de euforia, de qualquer modo, logo notei o desconforto em que minha mãe se encontrava, e, resolvendo incomodá-la sem causa aparente, lançava algumas frases no ar que poderia aumentar sua angústia.

- Olhe mãe, parece que hoje fará uma noite muito bela!

Ela olhou de soslaio para mim e nada respondeu, eu, porém, dei uma pequena risadinha, como se esta atitude torpe fosse sinal de orgulho, e voltei o meu rosto para a janela onde fiquei vendo as pequenas estrelas que começavam a cintilar no céu.

Foi quando notei algo no fim da estrada, no princípio pensei que fosse algum animal parado, mas logo vi que era uma estranha garotinha, ela estava sentada com os braços em torno dos joelhos e, pelo movimento ritmado de suas costas, chorando.

Não consegui perceber mais coisa alguma, passamos por ela rapidamente e só pude acompanhá-la com um brusco movimento de cabeça.

- Mãe! O que você está fazendo? Por que não encostou para ajudar aquela garota?

- O que você está falando, menino? Que garota?

Vi que minha mãe estava falando a verdade, apesar de ter fama de brincalhona ela não brincaria com um assunto tão serio e logo entrei em um profundo estado de reflexão.

Já havia passado cinco minutos, a noite reinava no céu e minha mãe se inclinava para o volante, parecendo uma velhinha em seus primeiros meses de direção, eu, entretanto, me encontrava em um estado real de raiva, e também um pouco amedrontado, o que me impossibilitava de fazer qualquer tipo de piada, então, me recostei no banco e tentei tirar um cochilo para ver se a imagem da menina sumia da minha mente.

Quando estava quase adormecendo, ouvi minha mãe dizer baixinho.

- Mas o que será aquilo?

Abri os olhos com medo do que poderia ver, e logo um calafrio subiu por minha espinha, era a mesma menina que tínhamos passado a pouco, mas era totalmente impossível ela ter percorrido uma distância em tão curto espaço de tempo.

Minha mãe começou a reduzir a velocidade e virar lentamente o volante, eu me encontrava muito aterrorizado com tudo isso e não consegui dizer nenhuma palavra para irmos embora.

Ela parou o carro ao lado da menina, que se encontrava do mesmo modo em que eu a tinha visto pela primeira vez, e começou abaixar o meu lado da janela.

- Ei, garota, você está precisando de alguma ajuda?

- V-vamos embora, m-mãe – Eu falei com minha voz absurdamente dissonante e aterrorizada, mas minha mãe fingiu que não me escutava.

- Ei, garota, você está me ouvindo?

Foi quando a menina parou de chorar e começou a se levantar calmamente, ficando em pé de costas para o carro. Ela estava vestindo um longo vestido branco que lhe ia até o joelho e, nos seus pés pequenos, não possuía nenhum tipo de calçado.

Ficamos olhando sem qualquer reação, em um instante a menina virou bruscamente o rosto em nossa direção, foi uma das piores coisas que vi na vida, ela estava com o rosto totalmente deformado, metade do lado direito da cabeça estava amassado chegando a comprometer a sua visão do olho direito, e seu maxilar parecia deslocado. Nunca poderei esquecer aquela cena, apesar de ser profundamente amedrontadora, havia algo que me entristecia também.

Minha mãe logo acelerou com o carro, deixando a menina novamente sozinha.

Chegamos em casa e resolvemos nunca mais tocar no assunto, mas eu não podia ficar com esse ponto de interrogação na cabeça.

Fui, depois de passar uma semana, à biblioteca da cidade com esperança de que achasse alguma coisa sobre o assunto, para minha surpresa encontrei uma notícia velha que mostrava exatamente a mesma menina da estrada.

De acordo com a notícia, uma pequena garotinha voltava com a família de uma viagem por aquela estrada, quando o pai, que estava ligeiramente embriagado, perdeu o controle do carro e se chocou contra uma árvore.

A garota foi a única vítima fatal do acidente, e o pai, que não conseguiu aguentar a culpa da morte da menina, acabou tirando sua própria vida depois de uma semana.

Não sei o que fez a garota aparecer para a gente, mas finalmente percebi qual era a motivo da tristeza da garotinha, era de ter vivido tão pouco e de ainda ver seu pai tirando sua vida por ela.

Vinicius Marques
Enviado por Vinicius Marques em 18/09/2013
Reeditado em 18/09/2013
Código do texto: T4487540
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