Colina Esquecida

Caminhando solitário sobre um triste crepúsculo, escuto o fúnebre canto de alguns corvos no cume da colina. Pareço cansado, talvez caminhasse demais por hoje. Sinto-me de alguma forma esquecido, presumo ter nascido só há algumas semanas. Não sei. Sinto-me vazio.

Meu sapato velho parece corroer meus calejados pés. Aqui na colina, tudo está sombrio, uma névoa paira sobre as poucas lápides restantes, até o cercado velho de madeira parece está apodrecendo aos poucos. Recordo-me deste lôbrego lugar.

Por algum motivo, me sinto atraído a este local. Gostava de vir aqui quando o sol ainda dava seu resplandecente sorriso.

Abro o portão todo inclinado, velho, de madeira. No meio a vasta névoa, consigo distinguir uma senhora sentada sobre um velho tronco de cipreste.

Sinto um frio doloroso, tento me abraçar, mas é em vão. O frio continua penetrar minha pele, como se fosse uma afiada navalha. Bem antes da minha reação de ir de encontro com a velha senhora, ouço.

- Afonso, Afonso!

Ela está me chamando, me aproximo e vejo sua mão trêmula, usava uma vestimenta um pouco estranha, um vestido branco e longo. Não me recordo de ver alguma senhora usando aquele tipo de vestido.

- Sim, Como você está?

Minha pergunta foi um pouco formal, poderia ter sido acrescentada por várias outras em minha mente. O que aquela velha senhora fazia ali, àquela hora, solitária e que ainda por cima, me conhece.

- Estou com frio... Nossa, fazia tempo que não me sentia meus ossos tremerem assim. Acho que você o trouxe aqui.

Ela deu um suave sorriso, aparentemente me conhecia de algum lugar.

- Tenho certeza que não senhora....

- Vera, pode me chamar de Vera. Percebo que continua com o mesmo problema de memória não é Afonso?

- Na verdade não me recordo de nada. Sinto-me um pouco envergonhado até.

- Já me acostumei Afonso, não se preocupe.

Ela falava com uma voz baixa, encantadora até. Eu baixei a cabeça, coloquei a mão na minha testa e fechei os olhos, tentando recordar de onde a conheço, Mas nada me vinha a memória. Ela começou a falar sobre como eu estava o mesmo Afonso de sempre. Como assim? Por que estaria diferente?

Um sopro gélido pareceu perfurar meus ouvidos. O arrepio foi instantâneo. Junto ao sopro escutei um grito desesperador, distante.

Aaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

E aquela voz aterrorizante foi cessando, como um eco abismal.

Questão de segundos. Vi-me completamente assustado, sentia um frio mórbido. Levantei a cabeça rapidamente e quando olhei pra Vera; ela não estava mais lá. Submergiu como minhas lembranças. Estava completamente parado, como uma estátua. O Medo cobriu todos meus pensamentos, meu corpo. Olhava pra todos os lados e não via mais nada. Só a lúgubre paisagem a qual eu me encontrava. Um spectro? Um fantasma? Não sei. Estou em pânico. Aquele grito parece está dentro de minha alma. Não consigo nem fechar os olhos. O que aconteceu aqui?

Levantei e caminhei ao meio do recinto, estava completamente trêmulo.

Quem era a Vera? A conhecia? Talvez, mas não me recordava. Só conseguia me lembrar daquele grito, o gélido sopro.

Na minha angustia, tropecei em um túmulo velho. Ao cair, senti um dor leve em meu braço esquerdo. Mas aquele pavor estava me anestesiando. Ao olhar rápido a o epitáfio da lápide naquela tênue escuridão. Afonso Vale Figueiredo, 1866-1895 “A vida é um sonho e a morte é o despertar”.

Enlouqueci no momento em que conseguir ler. Levantei-me rapidamente e quase me jogando em outras lápides lia as outras lápides. Alberto Toledo; 1895-1949, Miguel Cavalcante Lima; 1912-1983, Vera Camargo Vidal; 1916-2003, Ítalo Almeida Soares; 1899-1966. Minha cabeça estava repleta de perguntas, desespero. Como assim? Estou morto? Sou um fantasma? Não faz sentido. Mas era a realidade, meu nome estava ali escrito claramente, me joguei ao chão enlouquecido e em lágrimas. Eu gritava como um recém-nascido, com as mãos sobre a cabeça, não conseguia pensar em absolutamente nada. Fechei os olhos, pensamentos vieram a minha mente. Curtas memórias da minha infância, adolescência, trens, bosques.. Muitas lembranças. Será meu passado? Não sentia meu corpo mais, só gritava e chorava. Desespero e mais desespero.

Quando abri meus olhos ao invés de ver o noturno céu estrelado. Vi vários rostos cadavéricos me olhando e todos com um pútrido sorriso. Pálidas faces, bem próximo ao meu rosto, quase de encontro com o meu. Assistiam minha agonia. E as gargalhadas ecoavam em meio a noite. Hahahahha, haaaaahahahahaha, hahahahah, hahaaaaaaaaahahah.

L K Santos
Enviado por L K Santos em 26/08/2013
Reeditado em 26/08/2013
Código do texto: T4451751
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