O CEMITÉRIO

Ele parou na porta do seu quarto por instantes, entrou, se deitou pensando como tinha que fazer. Sentia uma ligeira pressão nas têmporas e a escuridão tremulava ao redor no ritmo das batidas do coração. Depois do terrível pesadelo que teve durante a noite. Mais do que tudo precisava desvendar aquele mistério. Mirela não saía do pensamento.
Não entendia porque depois de tanto tempo foi sonhar com ela cravando os dentes no seu pescoço e sugando o sangue com violência. Queria acabar com aquela maluquice. Há muitos anos atrás eles eram vizinhos, estudaram juntos e ela era uma menina linda, tinha apenas 12 anos e ele 14, eram inseparáveis e tiveram o primeiro namoro na adolescência. Um dia a família dela teve que mudar-se para o interior. Depois disso, nunca mais se viram. Passou o tempo, as primeiras cartas e não houve mais respostas. A distância se encarregou do resto. Ele teve a ideia que poderia responder as dúvidas, começou a procurá-la nas redes sociais. Localizou-a e foi adicionado. Ela estava mais linda do que ele imaginava, cursando o 4° ano de medicina. Ele se lembrou que era o sonho dela desde menina. Ricardo era solteiro, advogado, sócio de um conceituado escritório de advocacia, teve saudades dos tempos que eram vizinhos e resolveu viajar para a cidade dela, marcando o dia e o lugar do encontro. O pesadelo foi o sinal que possibilitou essa busca. 

Ricardo detestava andar de avião, mas não teve jeito, pegou o avião da tarde e chegaria à tempo na cidade que ela cursava a faculdade. De lá seguiria de táxi para a cidadezinha que ela morava. O encontro estava marcado na única casa noturna do lugar. E assim foi.

Ele chegou, hospedou-se no hotel, logo seguiu para a boate. Era
noite gelada. Sentiu-se um estranho no lugar, cidade pequena onde todo mundo se conhece, percebeu como as pessoas olhavam... como se ele fosse de outro planeta.
 Não bastava o frio, tinha a garoa. Relembrou-se do pesadelo, achando algo aterrador. De repente, Mirela surgiu linda usando um vestido de seda vermelho, estava mais bela que nas fotos que tinha visto na internet. Vendo Mirela sem blusa, ele tirou a jaqueta de couro  colocando sobre  os  ombros  daquela  beldade.  Se abraçaram, beijaram-se no rosto e Mirela pode sentir o calor do rosto barbeado e quente de Ricardo.
_Nossa Ric, há quanto tempo, você mudou nada, continua o gatinho que eu conheci, muito gentil da sua parte me oferecer sua blusa, continua um gentleman...
_Que isso Mirela, faz parte, você que tá mais linda...eu tava com saudades, até sonhei com você, não consegui te esquecer.
_ Verdade? Eu sempre pensei em você. Depois que a minha família mudou-se pra cá eu conheci uma pessoa, namorei, fiquei noiva 3 anos, mas não deu certo, estou livre agora. Não vejo a hora de me formar em medicina, quero ter meu consultório.
_Pois é Mi, eu to solteiro até hoje também, não encontrei a pessoa certa ainda, entende ?
Depois de conversarem do lado de fora entraram na boate. Beberam, dançaram se abraçaram e se beijaram como se estivessem vivendo o passado. Ric imaginava o recomeço da história dos dois. Era madrugada e Mirela disse estar na sua hora. Saíram abraçados...
Ela morava alguns minutos dali, foram caminhando como dois namorados. Ric não estava acreditando, seu coração batendo forte ele estava feliz revivendo seu primeiro amor.

A casa de Mirela ficava afastada da vizinhança, tinha o quintal na frente e o jardim, a iluminação era fraca. Pararam em frente e Ric notou alguém na janela espionando. Mirela se despediu e quando ia devolver a jaqueta ele insistiu que ela ficasse por causa do frio. Pegaria no dia seguinte. Marcaram no mesmo lugar o segundo encontro...Mirela deu um beijo sensual nele e entrou...Ric voltou sorrindo para o hotel rapidamente. Pensou tempo todo nela deitado na cama, dormiu e foi mais uma vez perseguido pelo pesadelo. Acordou depois do horário do almoço. Sem fome fez um lanche e resolveu dar uma volta na cidade. Nos lugares que foi notou o jeito estranho das pessoas. Não entendia como Mirela vivia num lugar daqueles. Ele não suportou a espera, foi até a casa de Mirela, queria vê-la de qualquer jeito. Comprou flores no caminho, faria uma grande surpresa. Tocou a campainha, ninguém apareceu, insistiu e nada. Seguiu alguns metros de volta à cidade, viu o vizinho e perguntou:
_Boa tarde senhor...por acaso conhece a Mirela que mora na casa no fim dessa rua?
_Moço, a casa que você fala não mora ninguém há muitos anos, você não viu o mato na frente?
_Como assim, eu levei a Mirela ontem na casa dela, eu vi, alguém na janela atrás da cortina observando...
_Acho que você ta enganado moço, deve ter errado de rua, aquela casa é abandonada, como é mesmo o nome da moça?
_Mirela, nos encontramos na boate e eu a trouxe pra casa de madrugada, ela até ficou com a minha jaqueta por causa da garoa, vai me devolver hoje à noite.
_Olha, lá tinha uma Mirela sim, mas a família toda foi assassinada com golpes de machado e facas. Isso tem uns 5 anos atrás, o comentário que se espalhou é que eles adoravam o demônio, depois de muito tempo foi invadida por um casal, infelizmente, o marido e a mulher foram assassinados dentro da casa e encontrados três dias depois devido ao forte cheiro dos corpos em decomposição.
_Não é possível, não acredito no que ta me falando, o senhor deve estar enganado.
_ To não moço, se quiser, pode ir no cemitério, fica na entrada da cidade, mas vai logo que tá escurecendo, vai encontrar lá as sepulturas da família...são sete pessoas enterradas, inclusive ela. estão na mesma quadra. O sobrenome era estranho...
esquisito mesmo...pera...deixa ver se me lembro...era..Wal...
_ Por acaso é...Waldrich ? -Disse Ricardo.
_Isso mesmo moço, pode conferir que to falando a verdade, ninguém entra no cemitério à noite nem chega perto, o prefeito na época proibiu divulgar a notícia com medo de assustar visitantes que chegariam pra Festa do Figo. Depois da matança a cidade nunca mais foi a mesma.
_Olha, vou ter que conferir o que ta me falando, vou ao cemitério, tenho certeza que eu não estou louco...não é possível o que está me falando, de qualquer forma, agradeço, boa tarde...

Ric seguiu apressado para o cemitério, mas não acreditava em nada do que aquele senhor havia falado, parecia mais uma lenda do interior, seu avô contava tantas que ele não sabia discernir o que era mentira e o era verdade. Ele se aproximou do cemitério e viu o homem saindo, era o coveiro apressado, eram quase 17H58.
Perguntou dos túmulos da família Waldrich, o coveiro indicou, eram os últimos, os que estavam encobertos pelo mato. Ric se aproximou e não acreditou no que viu...chegou mais perto para ter certeza...nunca tinha visto algo igual. Sua jaqueta estava sobre um dos túmulos. Com cuidado ele tirou a jaqueta do lugar e viu de quem era, na sepultura estava escrito, Mirela Waldrich, a data de nascimento 20/01/1985,
falecimento, 13/08/2008. Ric foi tomado de tanto pavor e medo,  saiu em disparada largando a jaqueta no lugar, a mente confusa, a noite chegando e o pânico se instalou.

Foi direto para o hotel, entrou no quarto trancou a porta sentindo o pavor de perto. Foi ejetado da terra, arrancado de qualquer noção de ordem sendo lançado no caos. Sentiu-se varrido da própria vida, nada fazia sentido. As trevas pareciam despedaçá-lo aos poucos, a morte não podia ser tão cruel daquele jeito...Ric viu tudo girar...lutou contra a força do sono que nunca tinha sentido igual, ele não conseguiu vencer...

Ricardo despertou no escuro somente com a luz da rua batendo na janela do seu quarto no hotel, ao seu lado Mirela ofegante e o seu perfume de âmbar, os olhos num misto de cinza brilhantes, Ric tentou lutar contra o medo, tremendo conseguiu pronunciar..."você..."
Mirela sussurrou no seu ouvido:
_Meu amor, você faltou ao nosso segundo encontro na boate, não poderia ficar com a sua jaqueta, vim devolvê-la...e Mirela cravou os pontiagudos dentes no pescoço de Ricardo sugando o seu sangue, o desejo de muitos anos que lhe causaram o verdadeiro êxtase.

O corpo de Ricardo foi levado para a cidade mais próxima onde havia IML, ao lado da faculdade de medicina. Seus familiares chegaram no dia seguinte para fazer o reconhecimento. Ao abrir a gaveta o funcionário viu que o cadáver que passou a noite no necrotério tinha desaparecido.





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Alberto SL
Enviado por Alberto SL em 24/08/2013
Reeditado em 26/03/2021
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