Chamou Meu Nome - DTRL

Terça-feira, 03:48 da manhã, Ricardo estava dormindo profundamente. Seu sono foi interrompido por uma voz feminina, familiar, mas sombria, que invocou seu nome:

— Ricardo!!!

O timbre seco ecoou pelo quarto, chegando aos seus tímpanos e entrando no seu ser, atormentando seu psique, despertando-o com uma tremedeira pelo corpo, respiração ofegante e calafrios. Levantou-se rápido e assentou na cama. Olhou para sua porta, a luz do quarto permanecia apagada, percebeu uma irradiação luminosa que provinha das frestas da porta e janela, intensa. Mirou por todos os cantos de seu aposento e nada encontrou, sentia uma presença, mas seu estado meio sonolento não deixava raciocinar com precisão.

O enigmático espelho de seu guarda-roupa, estava a sua frente, um móvel antigo e de madeira nobre, seus olhos começaram a assimilar melhor a pouca luz daquele local, pode assim ver a silhueta do seu rosto e o brilho fraco de suas vistas. Seus olhos vitrificados pela sua imagem reverbera, obtiveram a visão mais pavorosa jamais vista até então, um ser horrendo emanou de fumaças cinzas e densas atrás de sua imagem refletida. Olhos amarelos iguais a labaredas de fogo, olhar feroz, orelhas pontudas, e copiosa boca ao qual brotavam pontiagudos e serrados dentes, braços fortes, com garras negras brilhantes e recobertos de pelos escuros agarraram Ricardo.

O desfortunado rapaz tentava se desvencilhar do abraço malévolo que o espremia, atrapalhando até seu respirar, não conseguia gritar por socorro, a força brutal exercida sobre seu corpo era enorme. Ricardo olhou para trás e nada viu, mas ao voltar sua atenção para o cristal refletivo, enxergava com clareza seu atormentador demoníaco. Sentiu suas forças serem drenadas, viu a horrenda entidade abrir a bocarra e drenar sua força vital, a sorvendo pela entrada da boca e narinas, das vistas e do nariz de Ricardo escapavam fumaças luminosas na cor dourada, que iam descansar no demônio, satisfazendo-o prazerosamente.

O Rapaz caiu no tapete vermelho de seu quarto, pálido, espremido, boca e olhos medonhamente abertos, morto.

Logo pela manhã sentiram falta dele no serviço, uma ligação para sua casa e seus pais o encontraram caído quando o procuravam, pensavam que ele havia ido ao trabalho.

Muitos familiares e amigos compareceram em seu enterro no cemitério Jardim Santo Antônio em Osasco, lá foi enterrado próximo a alguns entes que já haviam partido, como sua avó e um tio ao qual prezava muito. Seus pais choravam muito, muito mais ainda era seu espanto por entender oque ocorreu com seu filho. O laudo do legista atestou insuficiência respiratória e profunda desnutrição para causa mortis, inconcebível, visto que era sabida e notória a saúde de Ricardo, no auge de seus 36 anos.

Três semanas antes...

Ricardo dirigiu-se até a casa de um amigo que morava em São Paulo, no bairro de Pirituba, zona oeste da cidade. Lá ajudou com a mudança do amigo, carregando móveis e pertences para o caminhão estacionado na frente da residência. Quase tudo havia sido depositado no baú do veiculo, porem um móvel grande permanecia em um quarto desativado, que servia apenas para guardar quinquilharias sem uso, estava recoberto por um pano que um dia foi da cor branca, surrado e carcomido pelo tempo e pó.

Matheus foi logo dizendo a Ricardo:

— Não quer ficar com isso? – Disse puxando o manto do móvel, levantando uma grande quantidade de poeira, mas também revelando um objeto imponente.

Madeira maciça, escura e entalhada a mão, dois e meio metros de altura, seis portas, e em suas aberturas centrais existiam dois grandes espelhos bisotês, perfeitos.

— Porra! Claro que aceito. – Disse Ricardo com admiração, ao ver a beleza do guarda-roupa.

Os dois sofreram e transpiraram muito para transportar o pesado móvel até o caminhão. No meio do itinerário da mudança de Matheus, descarregaram o guarda-roupa na casa de Ricardo.

Chegando a noite, Ricardo fez uma limpeza geral no imponente móvel, passou lustrador na madeira e limpador de vidros no espelho, voltou a ser novo novamente, com um brilho difuso na madeira e incrível reflexo dos espelhos de cristal, com cuidado foi acomodando suas roupas e alguns pertences no grande armário.

Naquela mesma noite, enquanto dormia por volta das 4 da manhã, uma voz feminina rasgou o silencio de seu quarto, provocando seu despertar. Acordou suando frio, o local estava gelado, olhar assustado, ainda sem saber se estava acordado ou dormindo, levantou com uma moleza no corpo e foi até o interruptor e ligou a luz.

Sentou na cadeira estofada que comprou junto com a mesa de seu PC, respirou fundo e fitou o espelho, estava todo embaçado, que foi diminuindo até permanecer em um ponto especifico do cristal metalizado, no canto direito do espelho na segunda porta central. O homem levantou e admirou uma figura formada, parecia feita com dedos, mas bem precisa, na parte que sobrou do embaçado. Um semicírculo atravessado por uma cruz invertida e uma meia-lua pontiaguda no centro do semicírculo.

Aquilo muito intrigou Ricardo, porem gostou da aparência e dos traçados do símbolo, copiou aquele desenho em um papel e por aquela semana ficou pensando no ocorrido. O símbolo, que não representava nenhum significado aparente, ficou cravado em sua mente por dias, e um desejo impetuoso de eterniza-lo em sua pele cresceu em seu coração, turvando a sua mente.

Marcou uma hora em um tatuador famoso na cidade, conhecido por seus belos trabalhos. Mostrou o desenho feito de próprio punho ao artista e lá já ficou sabendo o preço e o tempo. Impulsivo, Ricardo não perdeu tempo e tatuou aquele símbolo na mesma hora, no braço esquerdo perto da altura do ombro.

Seus amigos acharam sua nova tattoo muito bonita e misteriosa em contrapartida, questionado sobre o significado, Ricardo apenas respondia que havia sonhado com aqueles traços enigmáticos.

Três dias depois de marcar seu corpo com o estigma da maldição, O homem deitou para acordar nos braços da morte, sendo tragado por forças além da pífia compreensão humana. Não se enganem, as trevas tem poder!

Cinco anos mais tarde, o corpo de Ricardo foi exumado para extraírem os ossos e os colocarem em uma gaveta. Para surpresa dos funcionários do cemitério e de seu pai presente, seu corpo havia entrado em estado de mumificação, horrível, pois parecia ter tido seus fluidos sugados, com pele cinza e dentes a mostra. Fato inusitado, visto que desde a inauguração do cemitério, nunca houve caso parecido. Uma parte de sua pele e carne estavam bastante conservados, o local da tatuagem, este estava intacto.

O grande armário foi doado a uma instituição de caridade, ao qual está a venda, esperando apenas um novo dono... quem sabe este novo proprietário do guarda-roupa pode ser você.