Mistérios

10 horas e nem sinal da cidade. Deveriam ter chegado a uns 20 minutos atrás, segundo as instruções do guarda rodoviário.

"Será que pegamos o caminho errado? Nina, o mapa."

Marina e Nina estavam indo visitar uma amiga de infância que morava em uma cidadezinha bem no interior do estado. Elas, moradoras da capital, e acostumadas com os confortos da cidade grande, já começavam a se aborrecer com a quantidade de bois e vacas que vislumbravam pela janela do carro.

"Ai, que inferno! Que cheiro horrível!"

"Não reclame, Marina. Isto aqui é que é vida: ar puro, natureza, o campo..."

"Aham... e seu maravilhoso perfume de estrume."

" Ai, Marina, você não tem jeito mesmo, não é? Pense que daqui a pouco estaremos chegando a Piracema do Brejo, e reencontraremos Margarida, depois de tantos anos."

"É, você tem razão. Nossa!! Olha ali na frente! O que é aquilo??"

Bem no meio da estrada, parado, a uns cem metros, estava um homem com os braços estendidos. Parecia um Cristo Redentor perdido no meio da estrada.

"Nina, talvez ele possa nos dar alguma informação, pois acho que estamos perdidas."

Nina não respondeu prontamente. Torcia as mãos sem parar, sua boca tremia e então ela balbuciou, "A-a-a-acho melhor n-não".

Marina desconsiderou o comentário da amiga dizendo que não fazia o mínimo sentido ter medo numa hora daquelas em que estavam tão necessitadas de ajuda para encontrar o caminho. E além do mais ela tinha um 38 no porta luvas, não havia porque se preocupar.

O homem continuava com os braços estendidos.

Marina começou a desconfiar que alguma coisa estava errada... Por que ele não se mexia?

Nina estava com os olhos arregalados e fixos na figura parada no meio da estrada esburacada. Fios de suor escorriam pela testa.

Desconsiderando o descontrole ridículo da amiga, Marina parou o carro a uma distância razoável, de onde o farol podia iluminar perfeitamente o homem, que agora parecia bem mais alto do que antes, ainda na mesma posição.

"Nossa, parece uma estátua, não é Nina?" Ela não respondeu, estava catatônica.

"A não!! Droga! Outro daqueles ataques súbitos, espero que este demore menos que a última vez".

Mina sofria de ataques de catatonia, durante os quais ela ficava com os olhos arregalados e totalmente imóvel. Nunca conseguiram diagnosticar a causa destes ataques, que sempre pareciam ocorrer em momentos de muita tensão emocional. Geralmente duravam de 5 a 10 minutos, não mais que isto.

"E agora, o que eu faço?" Ela resolve sair do carro com o revólver na mão. Ao chegar bem perto do homem, ela vê algo que a deixa assustada como nunca ficara em toda a sua vida. Medo, pânico.

"Não é possível!"

Ela sai correndo em direção ao carro sem olhar pra trás. O homem continua parado, só que agora impossivelmente maior do que antes.

Marina esbaforida, abre a porta e com as mãos trêmulas tenta dar a partida no carro, que milagrosamente pega de primeira. Marina dá uma marcha ré violenta, os pneus derrapam na lama, mas ela é obrigada a parar, bruscamente. Atrás dela está parado um velhos com roupas de lavrador, chapéu de palha e uma foice nas mãos.

"Mais essa agora, meu Deus!"

Marina que sempre se orgulhara de seu sangue frio e coragem, parecia agora uma criança de dois anos de idade com medo do escuro.

Tentando encontrar pensamentos lógicos no meio do desespero por que passa, ela diz a si mesma, "Marina, você precisa recuperar a calma, respire fundo..."

Ela olha para o lado. Nina na mesma posição: catatônica e inútil.

O velho começa a se aproximar do carro. Marina segura o revólver com as mãos trêmulas. Com um sorriso desdentado, ele pergunta se pode ser útil em alguma coisa. Desconfiada, Marina pergunta onde fica Piracema do Brejo. Ele aponta, com seu dedo fino como de caveira e diz, com sotaque da roça, "Piracema do Brejo fica a uns dois quilômetros pra trás. Por aqui num tem saída não. Só o cemitério mais pra frente."

"Cemitério? Que cemitério? Ali só tem aquele homem pavoroso que não se mexe e que ainda por cima parece..."

Antes que Marina pudesse terminar a frase, o velho dá uma risada que a deixa gelada. Não parecia ter saído de um ser humano. Parecia mais o grito de um animal.

O velho diz, "Minha fia, ali só tem a velha figueira seca. Ocê deve di tê singanado. Às veiz, à noite, uzóio prega peça ni nóis. Cuntece muito disso."

Marina olha na direção do "homem" e realmente constata que ele não está mais lá, em seu lugar apareceu uma figueira, e atrás desta, o portão do cemitério. Confusa, ela retruca, "mas eu vi..." Só então ela percebe que já não existe ninguém para escutá-la.

O velho desaparecera.

Ela escuta um grunhido e rapidamente vira, assustada, o coração aos pulos.

Era Nina, que só agora voltava de seu ataque.

"Ai, aconteceu de novo? Não lembro de nada, que dor de cabeça..."

Ignorando as palavras de Nina, Marina vira o carro e sai a toda velocidade, deixando atrás de si mais um dos mistérios que povoam as estradas do interior nas noites de quaresma.

FIM