Anitta - DTRL 11

ANITTA

Luzes eram lançadas pela pista, muito calor humano, muito suor, muito movimento, um formigueiro de pessoas dançava ao som de batidas eletrônicas no parque da cidade, era o baile em comemoração à chegada do inverno, todos animados se despedindo do calor, só voltariam a se encontrar após o cair da neve.

— Anitta, o que houve? — Pergunta Jensen.

Anitta estava parada há alguns minutos, com os olhos vidrados numa única direção, não conseguia entender por que aquele pequeno grupo de homens não parava de encará-la, ela não os conhecia, nunca havia visto nenhum antes e isso a deixava nervosa.

— Não olhe agora, mas aqueles homens não param de olhar para mim, estou com medo do que eles possam estar tramando. — Confessa.

— Que homens Anitta? — Jensen questiona encarando-a.

Quando ela voltou a olhar na mesma direção, eles não estavam mais lá. Anitta sentiu um arrepio percorrer seu corpo como um choque elétrico.

— Eles estavam ali, bem ali! — Jurou.

— Ok, eu vou procurá-los. — Diz Jensen furioso.

Não era típico dela aprontar essas coisas, talvez houvesse realmente alguém seguindo Anitta, um bandido talvez, então seu namorado foi procurar por algo – ou fingir que procurava – para ela sentir-se mais segura.

Então foi aí que as coisas pioraram.

Sem a companhia do namorado em meio à multidão, sentiu-se nua, como se alguém a estivesse encarando de espreita em algum canto que ela não conseguia identificar, mas sentia que estava sendo observada.

Começou a andar, queria afastar aquela sensação, seu coração angustiado, suas mãos suando frias, ela queria poder se esconder em algum lugar, a todo instante sentia uma presença. O lugar mais reconfortante que avistou foi o banheiro das mulheres.

Ironicamente, estava vazio.

Coisa muito difícil de acontecer, afinal é dia de festa, e sempre que há festas os banheiros lotam, esse não, esse continuou vazio. Então ela entrou, o suor escorrendo pela testa, a luz pálida vacilava dando piscadas tão rápidas que eram quase imperceptíveis.

Havia uma fileira de pias perfeitamente bem colocadas em um único balcão de granito, as cabines logo atrás de Anitta, onde ela se olhava no espelho grandioso. Abaixou-se para lavar o rosto na primeira pia, mas quando abriu a torneira... Não havia água, passou para a segunda pia, sem água, terceira e quarta pia, nada de jorrar água, então na quinta e última pia, uma gota pingou no ralo.

Só uma gota.

Anitta, desesperada, entrou em uma das cabines, soltou a descarga e a água veio normalmente, então ao retornar, um barulho de encanação ecoou dos ralos das pias, houve um estalo e logo em seguida o líquido jorrou normalmente das cinco torneiras.

Mas havia uma diferença.

Não era água, era sangue.

Anitta tentou fechá-las, mas o líquido escarlate jorrava sem parar e as torneiras emperraram, ela resolveu atender ao seu instinto de sobrevivência e sair dali, mas se surpreendeu ao ver a porta trancada, ela nem sequer havia fechado a porta ao passar.

Tentou abri-la, chutá-la, mas havia uma força estranha concentrada ali, quando retornou ao espelhou, seu rosto estava desfigurado, pequenas larvas escorriam por seus orifícios, ouvidos, nariz e boca, ela abriu a boca para gritar, então vomitou sangue escuro, quase preto, com algumas partículas sólidas que ao cair no chão ela notou serem sanguessugas.

Olhou novamente para o espelho, ele se rachou em mil pedaços, e já não conseguia mais ter controle de seu próprio corpo, se sentia possuída, mas ainda estava em sã consciência. Ela foi até a bancada de granito, agora cheia de cacos, pegou um deles, o mais pontiagudo talvez e o colocou diante dos olhos.

— Não, não, não, não, não...

Suas mãos empunharam o estilhaço com tanta força que o sangue escorreu entre elas, os dedos se cortaram, suas mãos puseram o bico do estilhaço apontado para o coração de Anitta.

— NÃAAAAAAAAAAAAAAAAO!

O estilhaço perfurou seu peito, pulmões, até atingir o coração, uma dor fina e lancinante percorreu seu corpo. Seu cérebro pareceu se apertar...

— ANITTA! — Era a voz de Jensen em algum lugar no seu cérebro.

Ela deveria estar morrendo, não conseguia enxergar mais nada de tanta

dor que sentia, então sentiu o ar faltar.

A vista escureceu e a escuridão se tornou um redemoinho torturante até um ponto claro se juntar a ele e a realidade voltou.

— ANITTA? O que houve? Eu te procurei por todo o parque...

Jensen estava bem atrás dela, o espelho estava intacto, ela estava na segunda pia com o rosto molhado e a torneira estava ligada e por ela corria água normalmente.

— Mas o que? O espelho, havia sangue aqui e meu peito... —

Disse confusa, tudo estava perfeitamente normal.

Ela apertou o seio esquerdo, não havia nenhum sinal de perfuração.

Nada fora do normal, tudo na mais perfeita normalidade.

— Acho que aquele drink que você tomou no barzinho perto do palco não te fez bem, ele deve ter colocado algo ali. — Jensen comenta, enquanto parece refletir.

Era melhor acreditar que ela estava bêbada.

— Vamos embora daqui, estou me sentindo um pouco melhor. — Diz ela.

Eles saem do banheiro, a madrugada corre solta, eles passam entre as multidões, Anitta olha para trás freneticamente, ela sente olhares na sua direção, mas não vê de onde vem, sente a necessidade absurda de sair dali o mais rápido possível. Ao chegar no portão, ela dá uma última olhada para trás e vê o mesmo grupo de homens ao longe, ainda a observá-la.

— Eles estão ali Jensen! Olha lá... — Ela grita e o puxa para ver com ela.

— Não tem ninguém ali Anitta, vamos embora, chega por hoje. — Diz Jensen irritado.

Anitta olha a expressão de Jensen e volta a olhar para trás enquanto andam na direção do estacionamento, não há mais ninguém lá, apenas a multidão se esbarrando para sair.

— Eu não estou louca! — Ela grita para Jensen.

— Eu não disse isso, apenas quero que você pare com isso, vamos para casa, lá você se acalma e a gente dorme. — Ele explica, já não sorri mais, está com raiva.

— Está bem. — Ela concorda.

Eles saem pelo estacionamento até a pick-up de Jensen e saem pelas ruas quase desertas, o clima está quente, mas há uma neblina quase impenetrável em toda parte. Enquanto passavam por algumas ruas mais esquisitas, Anitta percebeu um veículo seguindo-os com os faróis apagados, sentiu novamente que estava a ser observada, arrepiou-se como se a morte tivesse lhe tocado o pescoço. Queria pedir para

Jensen correr, mas ele a acharia louca.

Ela viu o carro cada vez mais perto.

— Jen... Jensen eles estão perto demais, acelera! — Anitta diz agoniada, sem parar de olhar para trás.

— Eles quem Anitta?

— Você não está vendo? O carro vai acabar batendo. — Ela grita.

— Não tem nenhum carro Anitta. — Diz ele olhando pelo retrovisor.

Anitta olha para Jensen, e antes de se virar reza para que o carro ainda esteja lá, mas ao olhar novamente, apenas a neblina os persegue. Ela endurece, sente o lado esquerdo de seu corpo dormente, seu coração acelera, quase não consegue se mexer, vai virando o rosto lentamente para a esquerda e vê seu reflexo desfigurado soltando larvas pelos orifícios, ela tenta gritar, nunca sentiu tanto medo em sua vida, está imóvel, paralisada, como se fosse uma estátua num foço enquanto canos despejam dejetos humanos sobre ela.

O sangue escorre do nariz da coisa ao seu lado, uma sanguessuga um pouco maior que as normais sai junto, deslizando de forma escrota, até passar para o ombro de Anitta e descer pelo espaço entre seus seios, ela respira com dificuldade, sentindo o movimento gelado da sanguessuga que ao mesmo tempo parece queimar sua pele por onde passa, como urtigas, mas ela não consegue gritar, seus olhos estão arregalados, mas ela não consegue gritar.

A sanguessuga percorre seu abdômen e entra em sua virilha, se Anitta já estava com medo, quando sentiu aquela coisa gelada que queimava sua pele chegando muito perto de sua vagina, apavorou-se.

Conseguiu força então para soltar o maior grito que já soltara em toda vida, a sanguessuga adentrou-se e ela sentiu sangue escorrendo por entre suas pernas.

— O que foi agora? — Jensen grita irritado.

Anitta abre os olhos, já estão estacionados no gramado de casa, ao lado do lago enorme, olha ao redor e percebe que está sozinha no banco de trás, não há mais reflexo nem sanguessuga, mas suas pernas ainda estão molhadas, ela passa mão e a olha, é sangue.

— A sanguessuga! — Ela diz.

— Você... Você menstruou no carro, estava desprevenida? — Jensen pergunta tentando ser compreensivo.

Ela assente, devia ser só isso. Esqueceu o absorvente.

— Vamos, vamos tomar banho e dormir, tudo isso vai passar, acho que tinha alguma coisa naquela bebida, mas é só você dormir que vai passar. — Jensen garante.

Eles entraram na casa e subiram para o banho.

...

Eles estavam completando dois anos de união, nunca se casaram, mas moravam juntos há dois anos e tinham quatro anos de namoro. Eles tomaram banho juntos, depois seguiram nus para a cama, não fizeram amor, apenas se deitaram e ficaram juntinhos.

— Eu vou tomar água. — Jensen avisou e saiu do quarto.

Um relâmpago iluminou a janela, através da sombra do carvalho seco, lançando na parede as mais perturbadoras sombras.

— Jensen! — Ela gritou.

— Já vou Anitta. — Sua voz abafada ecoou de algum lugar muito longe.

Anitta olhou em volta, a escuridão intensa no quarto, exceto pelas sombras projetadas na parede branca do quarto e a réstia da porta aberta que deixava entrar uma leve luz que vinha do corredor.

Ela se enrolou no lençol fino e correu na direção da porta, ouviu passos e ao correr pelo corredor sentiu algo empurrá-la, então caiu e rolou pela escada até cair aos pés dela, deitada lá e machucada viu uma silhueta masculina em pé ao topo da escada observando-a, era Jensen, parecia sê-lo.

A silhueta empunhava um machado na mão esquerda.

— Não! Deixe-me em paz! Era você o tempo todo?! — Ela berrou.

Seus ossos doendo, rastejou com o lençol até se levantar ainda envolta a ele e correu para a porta principal, destrancou e cambaleou até a beira do lago, gritando desesperadamente por socorro, queria escapar do marido.

Mas já senti a presença maligna atrás de si, devia ser ele chegando perto, muito perto.

Sentiu um puxão em seu longo cabelo, o que a fez tropeçar nos próprios passos e cair rolando para o lado, caindo diretamente no escuro lago banhado pela neblina da madrugada. O lençol molhado a sufocou por alguns instantes, mas ela conseguiu desvencilhar-se e nadar para o mais longe possível da margem, no centro do lago não enxergava muito, a neblina era muito pesada, não conseguia enxergar mais que um metro a sua frente, exceto pela luz de sua casa, agora distante.

— Anitta... — Ela ouviu Jensen chamar de algum lugar, mas sua voz parecia estar vindo de todos os lados num sussurro, a água gelada fazendo-a tremer.

Os dentes batendo um no outro, algo puxa seu pé e ela se vê sendo tragada para as profundezas do lago. Sem ar, sem forças, pensa que vai morrer, mas dá um último chute no escuro e acerta algo, talvez a cabeça do perseguidor. O que a puxava lhe solta e ela emerge resfolegando, bate os pés com a urgência de uma grávida indo para o parto, nada com todas as suas últimas reservas de força, toca a margem, finalmente, e não evita olhar para trás enquanto sobe pela barreira. A silhueta escura toca seu pé a puxa para dentro novamente, mas na margem estava o machado, Anitta o pega antes de cair novamente na água e enquanto cai, numa última tentativa de se salvar, ergue o machado com as duas mãos e, de olhos fechados, o choca contra algo muito sólido, já dentro d’água, mas ainda consegue ouvir o crack de ossos se partindo, se sente livre, não sente mais os olhares, nem a presença. Ela conseguiu.

Exausta, sobe até a superfície e novamente escala a barreira da margem, dessa vez sem imprevistos, e em terra firme se deita, observando a forma como a neblina escapa do sol que já começara a surgir no horizonte, está amanhecendo.

— Estou salva... — Sussurra.

Anitta olha para o lago, agora que o sol já surgiu, devia ser cinco horas da manhã. Há um grande borrão vermelho na água antes negra. Ela corre então para casa, vai à cozinha, o último lugar onde Jensen estivera, lá se surpreende ao ver um banquete sobre a mesa, castiçais com velas gastas, um vinho caro, pétalas de rosas no chão, e uma carta presa ao ímã de geladeira.

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Anitta,

Hoje faz quatro anos que namoramos e dois que estamos aqui, lamento não estar com você hoje de manhã por conta do trabalho, mas quando voltar faremos amor como nunca fizemos antes, eu fingi que ia tomar água para preparar esse banquete para você, a mulher mais merecedora do mundo. Com todo meu amor.

Jensen.

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Lágrimas escorriam por seus olhos, Anitta começou a fazer uma retrospectiva e percebeu como tudo estava errado.

Ela estava louca, só podia ser isso, matara o marido, mas ele nunca esteve perseguindo-a. na última madrugada, Jensen a viu correr para o lago e correu em seguida para salvá-la, pensou que ela talvez estivesse tentando se matar, mas na verdade ela estava sendo perseguida por algo/alguém que só ela via.

...

Anitta voltou ao lago correndo, despida com o coração martelando, sua cabeça revirada em culpa, não sabia por que o matara. Mergulhou no lago e vasculhou os arredores da margem até encontrar algo sólido, que ela havia quebrado, era o corpo do marido, o puxou para a margem consigo e quando emergiu da água lambida pelo sangue, trouxe consigo um corpo com o cérebro à mostra, já mordiscado pelos peixes e um martelo bem no meio do crânio, prezo aos miolos e aos ossos.

— NÃAAAAAAAAAAAAAAAAAAO!!!

FIM.

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É UMA HONRA ESTAR DE VOLTA, DEPOIS DE TANTO TEMPO INATIVO. VEJO QUE TUDO MUDOU POR AQUI, MAS ESTOU DE VOLTA PARA ME JUNTAR AOS MEUS VELHOS E BONS AMIGOS: SIDNEY, DONNEFAR E JULIO DOSAN :) Grandes mestres.

E N Andrade
Enviado por E N Andrade em 02/08/2013
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