A Floresta
Era uma manhã fria,quase tão fria como dentro de Doralice.A garota que antes brincava na neve,hoje apenas olhava pela janela com seus olhos castanhos e atordoados.
Havia passado dois anos desde o acidente em que Anne, sua irmã caçula morreu.
Doralice se lembrava do ocorrido dia após dia.Sua irmã gritando enquanto algo a puxava para dentro da floresta,do medo que a fez congelar imposssibilitanto salvar sua frágil irmã,dos pedaços de seu corpo espalhado por toda a floresta.
Ela sabia que aquilo voltaria e dessa vez seria para levá-la.
Há seis meses,domingo a noite era dia de cinema para Andrea e Léo,eles ainda estavam se recuperando da tragédia e tentando levar uma vida normal,apesar do assassinato não esclarecido.Então em meio aos cuidados com agora sua única filha,eles separavam um dia da semana para curtirem novos ares.
Já passara da hora em que a babá costumava chegar,Andrea não via problemas em deixar Doralice uns minutinhos sozinha,afinal Dona Lola em seis meses nunca havia se atrasado.Então após passarem alguns avisos para a menina, tiraram o carro da garagem e partiram.
O relógio da cozinha marcava 21:45,algo estava errado,Dona Lola nunca se atrasava, e já havia passado uma hora desde a saida de seus pais.Doralice acabou de beber seu leite e ia para o quarto se deitar,mas quando passou pela janela da cozinha,notou algo estranho.
Uma claridade na floresta chamou sua atenção,o que antes era escuro agora estava claro como o dia.Mas depois de uns dez segundos tudo voltou ao normal.
Doralice entrou no seu quarto,vestiu o pijama e se deitou.Estava com uma sensação estranha,pois desde a morte da irmã nunca havia ficado sozinha.Fechou os olhos,fez uma prece e dormiu.
Uma hora depois acordou assustada e arrepiada.Teve mais um pesadelo.Ouviu o barulho da TV e ficou aliviada,desceu as escadas devagar e chamou pela babá,tudo o que escutou foi o vento soprando lá fora.Foi até a cozinha,chamou e nada.Foi até a varanda e não viu carro algum,então foi para a sala,desligou a TV e deitou no sofá.
-Dora...Dora...
Levantou num salto,aquela voz que conhecia tão bem estava ali,bem perto.
-Dora...me ajuda,aqui é tão frio...sinto sua falta...
Doralice,esfregou os olhos mais de uma vez.''Não era possível era a voz da Anne''.Levantou-se e foi seguindo a voz que estava cada vez mais perto.A cada passo seu coração acelerava e quando chegou na porta constatou que a voz era lá de fora.Abriu a porta e continuou a ouvir:
-Dora...vem..tá doendo,eu não consigo respirar...
Ao olhar para a floresta viu que tudo estava claro novamento,parecia dia e sua irmã continuava a chamar.
Ela precisava fazer alguma coisa ,no fundo sabia que a menina estava morta,ela mesma encontrou seus pedaços,mas era como se tivesse uma segunda chance e dessa vez não deixaria nada de mau acontecer com Anne.
-Anne...Anne eu não estou te vendo..
-Dora eu to aqui,entra na floresta...vem minha irmã,eu te amo tanto...vamos brincar na neve.
Doralice sentiu as mãos formigarem,e os cabelos da nuca se arrepiarem,poderia ser mesmo Anne,ou estava ficando louca?
Não pensou em mais nada,segurou a medalha que sua avó havia trazido de Jerusalém e entrou na floresta.
-Dora...você veio brincar comigo...senti tanto a sua falta,agora ficaremos juntas para sempre,irmãzinha...
Andrea e Léo chegaram e estranharam ao ver a porta da frente aberta.O carro da babá não estava lá fora como de costume e após chamarem e olharem em todos os comodos resolveram ligar para a Dona Lola.
-Sr.Léo eu liguei mais cedo para avisar que eu estou doente e por isso não iria até aí hoje.Deixei o recado com uma garotinha que atendeu e disse ser sua outra filha.Eu achei estranho,pensava que a Doralice era a única filha de vocês...Ela até me passou o nome.Seu nome é Anne.
Léo deixou o telefone cair,não queria acreditar no que acabara de escutar.Olhou para a floresta e o desespero tomou conta do seu ser.
Ligou para a polícia da região,e aguardou em silencio.Enquanto Andrea processava o que ele tinha dito,não queria acreditar na hipótese de ter outra filha estraçalhada pela floresta.
6:30 da manhã,este é o horário que parte corpo da pequena Doralice de apenas oito anos foi encontrado.Na mãozinha ela segurava a medalha, havia sido dilacerada.Os pais não quiseram acreditar que aquilo estava acontecendo novamente,não com a sua menininha.
Outro crime na floresta a ser arquivado.
Outro crime na floresta sem solução.