O anjo da morte

- Eu vou morrer essa noite...

Quando ouvi meu avô dizer isso, fiquei muito assustado.

- Como assim? perguntei.

- Eu a vi hoje. Em frente à porta do meu quarto.

Ela ficou ali parada e me sorriu.

- Ela quem vovô?

- A moça bonita vestida de preto.

- Não vô, não há moças de preto aqui. Só moças de branco, as moças da enfermagem.

- Mas eu a vi. Na verdade não só hoje, outros dias também. Mas hoje ela sorriu para mim.

E ela disse que vai me levar. Ela é muito bonita. Me dê um abraço. O último.

Lágrimas correram de seus olhos e eu o abracei.

Vovô morreu naquela noite. Calmo e serenamente.

Ela o levou. Ele realmente havia visto alguém.

Mas quem? Ou o que?

Fiquei meditando sobre o que teria ocorrido.

Conversei com a enfermagem sobre o assunto.

Na verdade todos tentaram evitar falar sobre isso.

Algum tempo se passou desde a morte de meu avô, e acabei precisando passar algumas noites no hospital como acompanhante de um tio que havia pasado por uma cirurgia.

Então, como ele já estava bem e precisava apenas de companhia, quando ele dormia eu sai para andar pelos corredores. Era estranho, o silêncio, o branco das paredes, passos nos corredores.

E em uma noite, uma coisa me chamou a atenção.

Uma moça estava parada em frente a porta de um quarto. Ficou ali alguns minutos e depois saiu sem perceber que eu a estava observando.

Percebi essa cena outras vezes, a mesma moça, a mesma atitude. Estranho.

Comecei a pensar se aqueles pacientes que estavam naqueles quartos também não haviam falecido após a visita da tal moça.

Tive medo de questionar o pessoal da enfermagem sobre isso, mas como já tinah feito amizade com eles, acabei perguntando.

- Por que quer saber isso?? Foi a resposta que obtive.

- Mera curiosidade. Respondi

- Para matar ou aumentar sua curiosidade, posso te dizer que sim, os pacientes dos quartos que você está querendo saber, faleceram sim.

Eu sabia que essa seria a resposta, mas ainda assim levei um choque.

Quem era ela? Qual a ligação com as mortes?

Se ela era a morte por que eu a via e continuava vivo?

Essas perguntas precisavam de respostas. E respostas rápidas, pois meu tio iria ter alta dentro de 2 dias no máximo.

À noite, na madrugada a vi novamente. Ela estava lá, na porta de um quarto.

Não resisti e a chamei.

Ela se virou muito assustada, mas nem tanto quanto eu.

Suas vestes olhando por trás eram brancas, mas pela frente eram negras, e ela era realmente muito bonita, apesar de ser de uma palidez mórbida. Seu olhar era frio e suas mão finas de dedos longos.

Ela ficou ali parada enquanto eu me aproximava. Tive medo ao sentir que conforme me aproximava da tal moça, o ar ficava mais gelado. Senti de alguma forma que ela era mesmo a morte ou algo parecido.

- Você levou meu avô. Falei.

- Sim. É minha função. Minha triste sina. Acha que gosto disso?

Notei que seus olhos estavam tristes e frio. Apesar do medo senti pena daquela moça.

Continuei olhando para ela. Agora ela olhava para o chão.

Virou-se de costas para mim e ergueu a blusa deixando as costas nuas.

Bem abaixo na nuca havia duas cicatrizes bem feias, dava para perceber que algo havia sido arrancado dali.

Eu não queria acreditar no estava pensando que fosse. Mas como se ela lesse meus pensamentos, ela me disse, já abaixando a blusa e se virando para mim.

- Sim, asas. Foram arrancadas. Eram brancas e lindas. A dor foi insuportável.

Eu era um anjo. Minha função era consolar os doentes e aflitos. Minhas vestes era alvas como a neve e eu emitia uma luz de paz e consolo.

Até que um dia, há muito tempo atrás, eu não resisti ao ver uma criança sofrendo tanto de um mal incurável, que

por piedade, eliminei sua dor e sofrimento, cuidando para que ela se fosse desse mundo.

Mas essa não era minha função e fui duramente castigada.

MInhas asas me foram tiradas, minha roupa branca foi trocada por essa, negra pela frente e branca nas costas.

Agora passo meus dias e noites avisando às pessoas quando a hora delas chegou.

É meu castigo eterno.

Você vai me perguntar como está me vendo, ou porque? Não sei. Simplesmente não sei te dizer.

Só sei dizer que sua hora não chegou ainda.

Após me falar essas coisas, se virou e foi caminhando até o final do corredor, se virou à direita e desaapreceu.

Acordei num sobressalto da cadeira onde me sentei para descansar e acabei dormindo.

Meu tio acordou assustado e me perguntou o que estava havendo.

Pedi desculpas, pedi para que voltasse a dormir.

Me levantei, fui até o corredor, mas não vi ninguém. Só a solidão e as paredes frias.

Meu tio teve alta e viveu muitos anos ainda depois desse acontecimento.

Esse fato todo ocorreu há muito tempo atrás, e só estou recordando isso porque hoje estou bem velho já.

Estou bastante doente e estou em um leito de hospital.

E estou ditando essas palavras para que meu neto as escreva.

Na verdade estou aqui a alguns dias. Eu a vi várias vezes na porta de meu quarto.

Mas em nenhumas das vezes ela sorriu para mim. Acho que ela me reconheceu daquela vez que a vi.

Mas agora é diferente. A minha hora chegou. Ela está esperando a hora de me olhar e sorrir para mim.

- Eu vou morrer essa noite...

- Eu a vi hoje. Em frente à porta do meu quarto.

Ela ficou ali parada e me sorriu.

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Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 28/07/2013
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