Calafrio

A bruma preenchia todo espaço visível, uma leve garoa completava o cenário sombrio, não se via o brilho do sol, apenas fachos de luzes esparsas. Árvores altas com folhagens escuras estavam ao redor e a minha frente guardavam em paralelo um caminho, convidei-me a mim mesmo a palmilhar por esta vereda medonha que estava avante, doravante não concebia oque me aguardava no final.

À medida que a névoa se dissipava, pude enxergar um vulto, quase um borrão de uma pessoa, minha visão também estava turva, assim como meus pensamentos que não discerniam claramente os presentes acontecimentos. Claridade agora predominava, movimento de muitas outras pessoas e veículos ao derredor, aquele borrão tomou forma e aspecto familiar: Era André.

A visão límpida ajudou meu raciocínio a recordar, se relembrar é viver... Então me lembrei de minha morte... Sim, eu estava morto.

Inveja, ciúmes, uma forte pancada na cabeça e meu corpo desguarnecido, rolou como uma avalanche, barranco abaixo. Jogado, frio e molhado permaneci na lama por um dia inteiro, um verme tem tratamento melhor que o meu.

Pouco antes, uns seis meses, André tinha terminado um relacionamento com Maria, ou melhor, foi ela quem pôs um fim. Os três eram amigos de infância, estudaram juntos sempre nos mesmos colégios e escolas, até que a faculdade os separou, cada um na sua especialização, todavia, sempre quando havia tempo, se reuniam para rejuvenescer os laços de amizade, banhados em muita bebida, risadas esculachadas e conversa fiada.

Eu sempre tive uma queda por Maria, mas nunca tive a ousadia de declarar a ela. Depois que eles terminaram eu fui o confidente dela, sempre prestativo, assim nasceu, naturalmente, um sentimento lindo que estava sendo correspondido por ambas as partes.

André ficou sabendo, por terceiros semeadores de intrigas, do romance e ficou furioso, sentiu-se traído e ambicionava vingança, porem sorrateiro, fingiu estar tudo bem.

Uma caminhada no parque do Jaraguá, essa funesta trilha foi a minha ultima. Eu e minha inseparável mochila munida de energéticos, vodka e pasmem, um ou dois livros, fomos alegres para o meu derradeiro fim.

Maria em dado momento pediu para descansar, a subida íngreme consumiu suas forças, ela viria a seguir, André e eu continuamos mais um pouco, mais para o alto numa trilha proibida, foi tudo que ele queria, poucos metros acima, no topo de uma grande pedra, se aproveitou do momento que eu estava a admirar a beleza da paisagem, com um galho velho, contudo rígido, golpeou minha nuca com vigor, caiu na base da pedra e com a planta de seu pé direito ele me empurrou monte abaixo, em seguida gritou desesperadamente por Maria e por socorro.

Essas claras lembranças inflamaram meu ser, transformaram meus nobres sentimentos em uma nebulosa de ira e furor por uma retaliação.

— Vai morrer hoje!!!

Gritei com todas as minhas forças com um vigor jamais sentido, explodindo em fúria e ressoava por todas as direções, todavia ninguém me ouvia, se meu coração ainda batesse, ele estaria realizando um concerto no inferno com o ritmo mais extremo. A cólera é o sentimento mais foda do ser humano, ela não move montanhas... As destrói por completo.

Um segundo e percebi que ele talvez tenha me notado, virou sutilmente seu pescoço e mirou por detrás procurando algo no mundo. Ali me alimentei de esperança de que poderia realizar algum ato hostil contra ele.

Segui-o.

Uma sensação boa era passar por dentro das pessoas as causando arrepios, isso me deu idéias no meio do caminho.

Prédio Veredas do Destino, número 166, 18º andar, ultima parada: VINDITA!

André estava siando do trabalho, apertou o botão para chamar o elevador, as luzes vermelhas davam a localização do andar em que o mesmo se encontrava, 15... 16... 17... 18.

As grandes portas de aço inox escovado se abriram, mas para a surpresa do Assassino André, não havia elevador, apenas o precipício escuro.

— Chegou sua hora maldito!!! - Disse sussurrando minha voz rancorosa ao sopé do ouvido do meu ex-amigo.

André estremeceu, chegou a flexionar os joelhos, um calafrio tenebroso percorreu sua espinha dorsal, fazendo trancar seu ânus, reconheceu a voz do amigo de infância. Viro lentamente seu corpo e pode contemplar a visão macabra de uma aparição, um espectro de meio corpo apenas, translúcido, emanado uma áurea de brilho negativo, fazendo aflorar toda maldade que cometeu a tona novamente.

— Marcelo???!!! Me perdoe irmão... Desculpa...

O homem chorava e suplicava pelo perdão. Irredutível, Marcelo avançou feroz contra André, que tentou correr, o pé do homicida vacilou, fazendo seu peso tombar em direção ao elevador, caindo no fosso aos berros apavorados. Lá em cima Marcelo admirava satisfeito por seu feito.

— Te espero aqui meu amigo. Para sempre seremos malditos, porem eu gostei de ser!