A caminhada
O anúncio da trombeta o desperta. Seus olhos abertos são o próprio sol nascente envolto em nuvens pesadas.
Agora ele sabe o que aconteceu. Seu sono o jogou para um estranho lugar entre fronteiras. Não lhe resta outra coisa a não ser decidir qual dos trajetos fazer.
O passo lhe parece pesado e incerto. Suas pernas estão um pouco bambas e o caminho pode ser longo.
Os passos são dados. Meio sem jeito e com dificuldade ele anda. Seu rumo é incerto. E se tivesse escolhido o outro lado? A essa altura tudo é igual. Todos os caminhos levarão àquele velho país.
Pode andar um pouco melhor agora. Os membros aos poucos estão desatrofiando. O passo está um pouco mais rápido, entretanto um tipo de chumbo interno bloqueia sua vista. Outra visão é pintada para ele e tudo o que vê agora são muros imensos que desaguam numa tampa cinzenta. Uma linha é traçada e um longo e estreito corredor é esboçado, passando a ter várias ramificações.
O silêncio se corporifica em terríveis imagens que são verdades edificadas numa data incerta e por uma velha sabedoria esclerosada que veste uma roupa toda desbotada e suja.
Os sons que o pensamento dele emitem são incorporados ao silêncio estrangulador, com suas imagens terríveis, que evocam vários torturadores que o jogam sempre para a frente.
A caminhada tem um peso imenso. Cada passo é um mundo de torturas e imagens atrofiadas que sua própria realidade condensa, criando uma redoma ondulante e espinhosa de estranhas criaturas que vieram de seu interior mais secreto, aquele estranho lugar que ele sempre cobriu com cortinas pesadas.
Ele se depara agora com infinitos eles que vieram dele e todos o ridicularizam e o agridem. Mas há um estranho prazer em sua face. A tortura e a dor são explícitas, entretanto alguns movimentos de seus lábios e o fundo de seus olhos revelam um tipo de prazer oculto. E assim a caminhada continua...