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Evaristo julgava-se um sujeito feliz. E achava que a pança avantajada que cultivava era um sinal claro disso. Merecia comer bem, dizia aos amigos. E Araci, a esposa, era uma cozinheira exemplar. Seu apetite pantagruélico estava sempre muito bem satisfeito. Um glutão, enfim!

Aposentou-se antes dos sessenta e, para não morrer entediado, ou empanturrado, resolveu candidatar-se ao cargo de síndico do condomínio onde residiam. Fez campanha, mostrou propostas, mas o que acabou sendo mais decisivo para que se elegesse foi o seu jeito bonachão; sempre risonho e afável não teve dificuldades em obter os votos necessários.

Passou a cuidar do dia-a-dia e da administração dos prédios. Araci sempre o mantinha abastecido de guloseimas e outros quitutes para que não perdesse o bom humor constante.

Quando concluiu a instalação de um sofisticado sistema de antenas no alto de uns prédios, Evaristo não se conteve. Ofereceu uma festa, bancada do próprio bolso, para os condôminos em comemoração àquele feito. A partir de então, dizia, os problemas com TV's, telefonia, etc estavam findados ali. Tapinhas nas costas, cumprimentos e parabéns mantiveram-no ainda mais feliz.

Passados alguns dias da comemoração, o zelador, a quem Evaristo na intimidade compartilhada com Araci, chamava de " O Corvo", por sempre chamá-lo pelo nome por três vezes consecutivas, mais uma vez manteve a rotina: "Seu Evaristo, Seu Evaristo, Seu Evaristo". Veio comunicá-lo de que havia três urubus habitando o teto do prédio onde estava instalado o sofisticado sistema de antenas.

Indignado, o rotundo síndico, demonstrando raro mau humor subiu até o alto do edifício. Quando abriu a portinhola de acesso lá estava a ave lúgubre. Um ponto negro cravando seus pés indignos numa das hastes das antenas. Voou assim que o avistou. Maldito!, esbravejou.

Investigou em volta e descobriu um ninho muito bem construído numa reentrância que o protegia do vento e da chuva. Caminhou até ele. Dentro, bem aconchegado um enorme ovo. Ao invés de repulsa, Evaristo sentiu curiosidade em apanhá-lo. Segurou-o firme nas mãos gordas.

Riu e pensou numa estrepolia gastronômica: transformá-lo, pelas habilidosas mãos de Araci, numa suculenta omelete. Distraidamente caminhou de volta na direção da portinhola, atenção totalmente concentrada naquele ovo. Acabou tropeçando num cano e o enorme corpanzil foi ao chão num baque ensurdecedor.

Misteriosamente caiu de costas e manteve o ovo intacto entre as gordas mãos. Tentou mover-se. Nada sentiu do pescoço para baixo. Piscou os olhos para driblar a claridade. Horas se passaram e ele ainda esperava que alguém aparecesse em socorro, quando notou um ponto negro que se aproximou velozmente e com agilidade pousou em seu peito. Firmou a visão, espantado. Aterrorizado, nem teve tempo de piscar o olho direito quando um bico pontiagudo aproximou-se dele.

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 11/07/2013
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