O Maldito Canibal

Cortaram meus braços

Cortaram minhas mãos

Cortaram minhas pernas

Num dia de verão

MAIO DE 2.011

Lukas acordou encharcado de sangue. Levantou-se ainda empunhando a machadinha com pedaços de carne humana. Só então se deu conta de toda sua desgraça infame. Sorriu olhando a ferramenta e os corpos decepados espalhados pelo chão. Sim, sorriu nefasto e satisfeito, testemunhando a carnificina no beco escuro.

Seis corpos destroçados e espalhados aos pedaços no chão imundo, e ele, intacto e forte, havia dormido após tenra satisfação. O infeliz comeu pedaços das vitimas... Roeu seus ossos e aparou na boca o sangue quente... Certamente era um amaldiçoado que tinha que ser impedido.

Era tão perfeito e insano... Tão genial e tão desgraçado! Há, sim...Era épico! Épico e forte, orgulhoso de si mesmo e de seus feitos hediondos!

Nada o superava, ninguém conseguia pega-lo! A policia em esforço sobre-humano dobrava e se desdobrava preparando armadilhas, fazendo blitz e vistorias, tudo para encontrar o imponente e maldito serial killer que trazia nas costas um mar de corpos mutilados e corroídos pelos seus dentes.

Sentado na poltrona almofadada em seu apartamento bonito estava Lukas, contemplando bestificado o grande vidro de conservas. Tinha no vidro olhos de suas vitimas. No rosto um riso macabro e insano, enquanto o velho toca disco rodava a musica do Cartola, lhe dizendo:

Preste atenção, querida

Embora eu saiba que estás resolvida

Em cada esquina cai um pouco a tua vida

Em pouco tempo não serás mais o que és

Ilusão... Pura ilusão... Matar e devorar tornou-se um vicio bobo e cansativo. Lukas só queria ser impedido! Só queria ser parado, mas não queria se entregar. Não iria dar o braço a torcer para um bando de investigadores fracassados que não tinham competência para apanha-lo.

Sonhava com o dia em que aparecesse um cara fodão, um cara de escopeta e carranca, um ser inteligente e calculista, que decifrasse sua identidade e lhe metesse um balaço mortal bem no meio do peito. Sem dó nem piedade, assim como ele próprio fazia com suas vitimas.

Mas que bobagem... Sabia que isto jamais aconteceria... Abriu seu vinho preferido e encheu a taça de cristal, ouvindo outro disco, desta vez do Queem, que também lhe dizia:

Não me pare agora,

Eu estou me divertindo

Estou aproveitando,

Não me pare agora

Se você quiser se divertir, é só me ligar

Não me pare agora

(porque eu estou me divertindo)

Não me pare agora

(sim, eu estou me divertindo)

Eu não quero parar de jeito nenhum

Há, mas ele queria ser parado sim… Queria que impedissem a monstruosidade que ecoava em sua cabeça. Cuspiu no chão de mármore o vinho enquanto se deu conta:

— Só existe uma pessoa que pode me parar: Eu mesmo!

Em suprema demência, vasculhou a estante de revistas velhas, até encontrar uma em especial... Aquela revista antiga e em preto e branco... Revista cientifica, que sarreava um brilhante cientista e inventor que se perdeu em idéias absurdas. Sim. O nome dele era Valdemar Poeja e ele realmente se perdeu em tolices mentais. A matéria curta dizia em linhas de sarcasmo que ele investiu toda a pequena fortuna da família em duas estranhas invenções que jamais dariam certo: Um tanque de clonagem e uma maquina do tempo.

Pronto. Virou piada entre os amigos do meio e se isolou em um buraco. Um laboratório subterrâneo.

Ora... Uma mente genial reconhece outra de longe! Embora focasse seu belo exemplar de cérebro em matar e se alimentar de carne crua, o maldito canibal era um gênio! Um gênio muito bem sucedido em suas proezas, bem realizado no caminho que escolheu.

O satânico Lukas decidiu fazer o que ninguém fez: acreditar no cientista maluco que tinha duas perfeitas invenções para seu plano limpo.

Não foi nenhum pouco difícil encontrar o promissor doutor Poeja. Embora não mais freqüentasse a comunidade cientifica, Poeja ainda mantinha o antigo habito de colher amoras silvestres no condado de Viridiana. E foi bem em meio à plantação de amoras que Lukas o encontrou de cesto cheio das frutinhas sem graça.

Um soco certeiro atingiu a boca do estomago do doutor maluco. O segundo golpe lhe veio no lado esquerdo do rosto, o fazendo tombar. Lukas não era muito de conversar, e o doutor Poeja teria que se acostumar com isto.

Já no laboratório subterrâneo, um pedaço da cocha direita foi arrancado com a faca afiada. O doutor gritou de dor e medo, enquanto o canibal devorava sagaz sua carne:

— Sem gracinhas e sem tentar revidar doutor. – dizia Lukas calmo, apreciando a carne quente do cientista – Quero saber de suas duas belas criações: A maquina do tempo e o tanque de clonagem. Elas funcionam?

— Sim! – Gritou em dor e medo o doutor mutilado! – Funcionam sim! Meu Deus! Quem diabos é você seu maldito?!

— Sou alguém que acredita devotamente em seu potencial como inventor e cientista. Estou muito interessado em suas duas parafernálias. Pretendo fazer muito bom uso delas.

E o cientista louco mesmo decepado riu impiedoso da “ridicules” do canibal. Chorou de tanto rir do homem com a boca lambuzada de sangue. O canibal com a faca afiada na mão á cravou no ombro do cientista nefasto... Ele gritou em desordem mental, prestes a atender as ordens do maldito canibal.

O plano: Um estilete surdo retalhou um pedaço do tecido muscular de Lukas. Ele sorriu ao ver escorrer pela pele quente o próprio sangue... O cientista e inventor com a lamina afiada recolhia amostras de tecidos do canibal enquanto dizia:

— Preciso de amostras de pele, sangue, cabelo e raspagem do osso. Pretendo ter enorme sucesso ao gerar um feto, um exemplar seu.

E o tanque borbulhante girava representando um útero mecânico. Lukas diante do computador principal dava as características que queria que seu exemplar tivesse:

— Quero que ele seja insano, no entanto, justo. Quero que o principal objetivo dele seja me caçar, me aniquilar. Quero que seja evolutivo e talentoso, assim como eu... Preciso que ele me persiga e me destrua!

O doutor meticuloso orientado pelo maldito modelava as características psicológicas a serem implantadas no cérebro do feto em formação no útero mecânico.

Em devaneio e realização, Lukas, o maldito Canibal, contemplou seu clone se formar dentro do tanque:

— Deu certo! – gritou triunfante o doutor Valdemar Poeja. – Ele esta pronto!

Lukas sorriu quando o doutor arrancou o pequeno bebê do útero mecânico. Estava quase tudo pronto... Lukas executava com perfeição seu plano, graças às maquinações do doutor Poeja.

A maquina do tempo parecia mais uma gigantesca torradeira do que uma espetacular invenção. Os cabos grossos de eletricidade cruzavam os quatro cantos do laboratório subterrâneo. As alavancas de madeira próximas ao computador quase desencorajavam os planos do canibal... Era impossível acreditar que aquela geringonça desengonçada funcionaria!

O cientista concentrado calibrava o motor da maquina, enquanto dizia:

— As chances dela não funcionar são fortes, graves e preocupantes. Temos energia e potencia suficiente para te “cuspir” no passado... Com o cálculo correto, posso te colocar no dia, hora e data que planeja, isto tudo com extraordinária precisão! No entanto, se der certo, você precisa deixar seu pequeno logo e adentrar novamente na maquina... Ela possivelmente pode ir ao passado, mas não pode ficar por lá muito tempo, pois pode se tornar parte dele, impossibilitando seu retorno:

— Pois bem. Estou pronto. – anunciou Lukas segurando o bebê clonado, seu exemplar.

— Claro que esta Lukas. Mas existem complicações. A maquina embora robusta e promissora, pode não suportar e explodir no meio do caminho. Pode te levar a um futuro hostil ou a um passado modificado... Ou quem sabe até a um universo paralelo... Pode acontecer tanta coisa sem ser a planejada... Mas o pior de tudo, é que colocando um ser vivente a mais no passado, você pode alterar o futuro de toda a humanidade... Ele pode influenciar pessoas e ser influenciado por elas... Você pode chegar aqui e ver um mundo novo e bom, ou um mundo caótico e já condenado.

Lukas entendia todos os riscos. Entrou na maquina com o bebê e ordenou.

— 25 de Maio de 1965. Quero que programe o retorno pra hoje ainda. Vou deixar o bebê lá e quando eu retornar, ele terá 46 anos.

— Sim. E possivelmente estará sedento, te caçando, vigiando seus paços... Ao voltar, certamente encontrará sua morte!

Lukas sorriu, pois era este seu plano... Ser caçado e aniquilado por alguém melhor que ele mesmo.

Para tal, precisava de sorte e precisão. O doutor ligou os ponteiros do relógio e redimensionou o trajeto da maquina. Desceu seis das oito alavancas principais e a eletricidade forte fez os cabos grossos vibrarem. Lukas trancado dentro da maquina sorriu, enquanto o doutor dedicado o enviou para 1965.

Dentro da maquina Lukas se sentiu dentro de um elevador sendo batido num gigantesco liquidificador. Caiu de joelhos com forte tontura, enquanto seu pequeno clone vomitava.

A tortura aumentava o canibal em insana desgraça vomitava dentro da maquina. Tamanha era sua aflição que deixou o bebê cair de seus braços.

MAIO DE 1.965

A tortura finalmente cessou e a maquina se abriu, mostrando uma terrível tempestade lá fora. De imediato Lukas socorreu o pequeno clone. O bebê sangrava com um grande corte na testa. O canibal desesperado correu com ele em meio a cidade, em busca de socorro. Cruzou em meio aos carros antigos, olhando a todo tempo para a as pessoas da época. Se deu conta de que mais uma vez o inventor teve sucesso, estava no passado,como foi planejado.

Lembrou-se dos dizeres do cientista, teria que agir rápido, ou então ficaria preso no passado. Deixou o bebê quase morto em uma esquina, no meio da tempestade. Não havia escolha... Precisava ousar e voltar para a maquina.

Tinha certeza do seu fracasso... Estava ciente de que o pequeno clone morreria.

Mais que depressa entrou na maquina do tempo e fechou a porta. A desgraça novamente teve inicio, o fazendo gritar de agonia. A maquina girava em alta velocidade, o condenando a uma horrenda tortura no caminho de volta para o futuro.

MAIO DE 2.011

Finalmente chegou. Ele em desespero no chão, viu a porta se abrir e se deu conta de que estava no laboratório do doutor Valdemar Poeja.

Ainda tonto e febril, se arrastou pelo laboratório, notando que muita coisa ali havia mudado. Estava tão arrebentado que parecia que havia levado uma surra de dentro para fora. Realmente viajar no tempo não era tão fascinante como se esperava.

Levantou-se cambaleando, recuperando aos poucos as forças. Só então conseguiu ouvir os gemidos de dor e agonia. Caminhou pelo laboratório e finalmente o encontrou.

Estava o doutor Poeja amarrado em sua cadeira, sem os dois braços e as duas pernas.sangrava em abundancio com quase metade da carne do rosto arrancada. Olhou para Lukas e balbuciou:

— Ele esteve aqui... Seu clone perfeito esteve aqui!

Lukas atento caminhou até o doutor. Sorrindo, perguntou:

— Então ele esta vivo?

— Sim... E bem sabe do seu retorno... Ele veio até aqui assim que você partiu... Me mutilou e saboreou da minha carne, assim como você fez. O maldito é impiedoso e implacável, te busca certo de que vai te encontrar... Ele é a sua morte... Fuja! Fuja, pois não poderá derruba-lo!

Fugir... Diante do brilhantismo Lukas sorriu. Finalmente estava sendo caçado por alguém competente!

Ele bem sabia onde seu clone estava. Era inteligente o bastante para não ser caçado, e sim caça-lo. Correu para seu luxuoso apartamento, certo de que lá encontraria seu “eu” de meia idade. O ser criado a sua imagem e semelhança. Criado para destruí-lo.

Ao abrir a porta, ouviu o velho toca disco. Sentado em sua confortável poltrona, bebendo de seu melhor vinho, estava ele, seu clone, ouvindo uma certa musica do Legião Urbana, em meio a escuridão:

Um outro agora vive a minha vida

Sei o que ele sonha pensa e sente

Não é por incidência

Minha indiferença

Sou uma cópia do que faço

O que temos é o que nos resta

E estamos querendo demais

Acendeu a luz e o viu, e era como se visse a si mesmo bem mais velho. Uma enorme cicatriz cobria a testa do clone, feita graças à queda que sofreu quando bebê. O clone lhe sorriu severo e lhe disse:

— Olá, Lukas... Acho que já sabe quem sou.

Lukas o encarou e respondeu com obviedade infantil:

— Sim. Você é meu clone.

O clone cuspiu o vinho no chão de mármore e gargalhou. Gargalhou em tom de deboche, levantando-se da poltrona com a machadinha em mãos, dizendo ao empunha-la:

— Não sou só seu clone. Sou também a tua morte!

Lukas de imediato também alcançou na cintura sua machadinha. Sorriu para o clone confiante e respondeu:

— Não te criei para me matar. Te criei para “tentar” me matar! Pois tente!

O ser de meia idade avançou contra sua matriz, sedento por seu sangue. Era como se a sua natureza o governasse... Foi criado e enviado para aquele único momento, e teria que ter sucesso em seu destino.

E se Lukas não entregou os pontos em sua jornada de mortes, não entregaria agora. Ousando de toda sua demência, atingiu o ombro de sua velha cópia, fazendo a machadinha afiada quebrar sua clavícula e entrar em sua carne.

O clone riu do feito de Lukas. Atrevendo-se em toda sua ira, o atacou voraz e sádico.

Em um bem sucedido golpe, a machainha do clone dilacerou o peito de Lukas. Cambaleou prestes a entregar os pontos, aparando o sangue que escorria do peito.

Encarou seu algoz. Sim, o clone bem amparado pela determinação, destruiria finalmente seu inimigo. Lukas mesmo acuado, encontrou uma única chance... Um único espaço para um golpe que poderia salva-lo. Nas mãos da própria sorte, bateu com a machadinha na cabeça do clone, fazendo a lamina estalar em uma espécie de metal no crânio do inimigo:

— É titânio. A única coisa que faz parte de mim desde que me entendo por gente. Até atingir o tamanho correto, tive que trocar seis vezes esta placa na cabeça. Foi uma infância muito difícil, e tenho motivos pra acreditar que este me foi seu único presente.

Apertou o pescoço de sua matriz, o levantando quase até a altura do teto. Lukas desfalecendo e perdendo suas forças, desmaio, ciente de que cumpriu com seu objetivo.

Acordou amarrado na mesa de jantar, enquanto seu clone paciente esperava sentado na poltrona, comendo os olhos em conserva dentro do vidro

Quando percebeu que Lukas acordou, aproximou-se dele com a machadinha amolada, para assim finalizar á que veio:

— Aperitivo. – disse mostrando o vidro de olhos para Lukas – Minha refeição farei agora!

Diante de sua morte, Lukas sorriu gritando de dor e medo, enquanto o clone devorava com bom vinho pedaço por pedaço de sua carne quente.

Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado

Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:

Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?

Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais...

Julio Dosan, com letras musicais de Renato Russo Freddie Mercury e Cartola e Raul Seixas
Enviado por Julio Dosan em 10/07/2013
Reeditado em 10/07/2013
Código do texto: T4380901
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