ENTRE A VIDA E A MORTE DTRL
Vera chorava em frente ao espelho. As grossas lágrimas molhavam o rosto moreno e pintava um quadro de dor na imagem refletida. Desde aquela noite, sentia-se invadida, suja, perdida. Ainda tinha aquele cheiro em suas narinas. O cheiro de mato. De terra. De morte.
Não! Não queria mais lembrar. Pôs as mãos no rosto. Não! De novo não! Mas, ainda que sem querer, voltava àquela noite de verão, caminhando pela estrada depois de mais um dia de trabalho e uma noite de aulas. Só queria chegar a casa, tomar um bom banho e dormir. Até que um carro parou. Alguém falou alguma coisa que ela não quis entender. Até que sentiu, braços fortes agarrarem seu corpo. Tentou, mas não pôde evitar. Foi arrastada para o matagal. Suas roupas rasgadas, seu corpo barbaramente invadido, por horas... “Não!” gritou... “Não!” repetiu ao lembrar do beijo final do “monstro” que depois disparou um, dois, três tiros. Foi encontrada na manhã seguinte quase morta. Levada para hospital, ficou quinze dias entre a vida e a morte até que acordou do coma e em seguida recebeu a noticia: “Você está grávida. As leis amparam o aborto, mas você tem que decidir”. Mais um choque! Chorou o momento, mas preferiu não decidir no hospital. Foi pra casa e agora sentia a dor de escolher entre a vida e a morte de outro ser. “Meu Deus, o que fazer?” Não se sentia mãe, mas não era uma assassina. Vera sentia todo o corpo doer... Num repente, foi até a cozinha. Pegou uma faca e, num grito de terror, sem hesitar... Golpeou a barriga! Uma, duas, três vezes... Sentiu o sangue quente correr pelo corpo, se misturar com as lágrimas... “Se você não pode viver, eu também não posso mais...” Disse entre os dentes antes de ser, mais uma vez, encontrada... Desta vez, sem vida, abraçada ao ventre aberto num corte mortal que vazou todo o sangue do corpo.