Fúnebre

Contemplo a foice prateada da morte. Ela talha minhas costas e me faz tremer, me faz sorrir em desgraça, sem me arrepender do que fui um dia.

Pouco sei de mim, pouco sei da vida de outrora. Trago em minha face enfeitada de flores a pesada maquiagem. Ela esconde de meus entes queridos toda a tortura que a vida me fez sofrer.

Não a mais volta... Esta tudo acabado. A morte não se apieda nem dos fracos nem dos fortes.

As lagrimas que respingam em meu corpo nada podem dizer sobre o que fui. Deixo saudades sim, mas eles esqueceram. Sempre se esquecem.

Viver lutando por uma cura não foi meu plano. Não existem esperanças para um homem em fase terminal. A proeza de viver cada ultima momento me consumiu, me seduziu, me conduziu e me modelou. Me preparou para o encontro fatal.

Sempre fui um mascarado, a doença me corrompeu mas eu tentei ser forte. Caminhei com os saudáveis e me senti tal qual eles. Podre por dentro, sorrindo por fora, era assim todos os dias.

A morte me veio em um dia de verão. O sol escaldante, a água turva do copo, a face esquelética... A foice prateada decepou os meus sentidos. Eu tombei sorrindo, ciente do que fui, ciente do que sou.

A tampa do caixão se fecha. Se pudessem enxergar minha alma... Se pudessem naufragar em meus sentidos... Se vissem alem de meu corpo frio, enxergariam meu sorriso de satisfação. Veriam então que a morte não é tão ruim e nem tão cruel assim...

"Às vezes parecia

Que de tanto acreditar

Em tudo que achávamos

Tão certo...

Teríamos o mundo inteiro

E até um pouco mais

Faríamos floresta do deserto

E diamantes de pedaços

De vidro...

Mas percebo agora

Que o teu sorriso

Vem diferente

Quase parecendo te ferir...

Não queria te ver assim

Quero a tua força

Como era antes

O que tens é só teu

E de nada vale fugir

E não sentir mais nada...

Às vezes parecia

Que era só improvisar

E o mundo então seria

Um livro aberto...

Até chegar o dia

Em que tentamos ter demais

Vendendo fácil

O que não tinha preço...

Eu sei é tudo sem sentido

Quero ter alguém

Com quem conversar

Alguém que depois

Não use o que eu disse

Contra mim...

Nada mais vai me ferir

É que eu já me acostumei

Com a estrada errada

Que eu segui

E com a minha própria lei...

Tenho o que ficou

E tenho sorte até demais

Como sei que tens também..."

Legião Urbana, Andrea Doria

Julio Dosan e letra de Renato Russo
Enviado por Julio Dosan em 04/07/2013
Reeditado em 04/07/2013
Código do texto: T4371694
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