Brasil – 15 de agosto de 2013
Estou aqui sentado na calçada, sentado enquanto todos correm; crianças assustadas, mães desesperadas atrás de seus filhos, homens empunham armas e pedras, balas se perdem entre pele e ossos, policiais são bandidos, homens são heróis, heróis mortos, isso tudo acontece porque um gigante despertou.
Um gigante despertou quando muitos filhos acordaram e outros se puseram a dormir.
Nunca pensei que tudo isso fosse acontecer, ninguém esperava que os fatos trouxessem tanto caos. Agora estou tentando entender por que dói tanto, dói absurdamente e o pior é que eu nem queria estar aqui.
...
- Oi filho, bom dia! – sempre que acordava meu pai já estava pronto, fardado e sentado a mesa do café enquanto minha mãe fritava omeletes para nós.
- Bom dia, pai – eu lhe respondi antes de beijar-lhe a face e abraçá-lo.
- Como sempre atrasado, Claudio – mamãe pestanejou.
- Ainda faltam dez minutos para van passar mamãe, da tempo de comer esse maravilhoso omelete – tentei ganha-la com um elogio.
- Dez minutos? Se esqueceu que hoje não tem van filho, as manifestações hoje começaram na praça logo de manhã, não é Alberto? – Perguntou ao meu pai.
- É – respondeu enquanto mastigava um pedaço de omelete com a boca cheia de queijo derretido – Luiz me disse que já estão queimando pneus e o transito está fechado – Luiz era um colega de trabalho de meu pai, um policial gordo e carrancudo, mas como era parceiro de meu pai ambos viviam conversando. A diferença é que meu pai só virava um idiota quando vestia a farda, já seu amigo era um tremendo otário com ou sem aqueles trajes.
A conversa seguiu, falamos sobre o quanto aqueles manifestos impactavam em nossa rotina. Papai estava preocupado, fiquei duas semanas sem ir à escola, mas por fim ele achou melhor que eu continuasse indo.
...
Meu pai se despediu de mim, me abraçou e pediu novamente para que eu cortasse volta, passasse longe da manifestação, Luiz parou a frente de casa, ele entrou no carro e seguiram para delegacia.
Beijei minha mãe e olhamos para rua, minha rua era a divisa entre os dois principais bairros da cidade, eu estava bem próximo a manifestação, peguei minha mochila e atravessei a porta certo de que o meu caminho não era o caminho de meu pai.
É verdade, eu nunca quis participar disso, eu nem queria estar ali, eu queria que o Brasil fosse um país honesto, que políticos não ganhassem rios de dinheiros, mas que tratassem de nossos rios da maneira correta para que todos nós pudéssemos beber dessa mesma fonte de maneira proporcional.
Eu nunca pedi uma bolsa para carregar minha família, afinal o povo brasileiro não é da família dos cangurus, não, eu queria dignidade, o salário mínimo não precisava obedecer tão severamente ao seu nome, eu queria que a educação e a saúde, que esses dois pilares para que a sociedade realmente conheça o mínimo e por que não uma oportunidade de melhora no seu padrão de qualidade de vida, eu queria que a vida valesse o preço que nós pagamos por ela, o preço dos impostos, o preço da comida, o preço da passagem de ônibus, eu queria um padrão FIFA de vida para o meu Brasil.
Foi aí que percebi que eu não conseguiria nada disso sentado, não, eu não conseguiria isso apenas exercendo meu poder de voto, elegendo prefeitos, senadores e presidentes, eu precisava mergulhar na lama, ir para as ruas e reivindicar atitudes e não promessas.
Papai nunca poderia saber disso, ele estava cumprindo seu dever e o filho dele não podia ser um revolucionário a essa altura do campeonato, afinal em breve ele planejara que eu estaria trajando as mesmas cores que ele, e carregando um revólver à cintura, um revólver e um maldito cassetete.
...
Assim que a porta se fechou segui em direção a uma rua deserta, encontrei alguns amigos e lá pintamos nossas caras, afinal não podíamos ser reconhecidos, nossos pais eram membros importantes da política e policia.
Troquei de roupa. Há muito tempo já não carregava mais cadernos em minha mochila, estávamos lutando uma guerra.
A policia da cidade não era violenta, não com exceção de Luiz, aquele ordinário de uma figa, mas ele e papai não eram designados para conter os manifestos, ficavam fazendo rondas, procurando baderneiros, ladrões que se aproveitavam da situação para saquear casas e lojas.
Quando cheguei com os amigos, gritávamos e empunhávamos nossas armas, que nada mais eram que as placas e cartazes reivindicando nossas exigências, empunhávamos nossa voz feito espadas, mas o sangue infelizmente estava cada vez cheirando mais forte, e a iminente guerra civil se aproximava.
Nossas roupas eram pichadas com as reivindicações que fazíamos; “Passe livre” “Saúde” “Educação”... Queríamos tantas coisas, cada um queria algo, éramos uma nação insatisfeita.
Em meio à manifestação algo aconteceu, um garoto de cerca de quatorze anos apareceu com uma metralhadora e gritou.
- Morte a Dilma e aos policiais corruptos!!! – e atirou, disparou contra os policiais, disparou contra nós mesmos, pois mal tinha controle da arma pesada que carregava.
Começamos a correr feito baratas tontas, uns pisando sobre outros, outros
sendo esmagados, enquanto o garoto atirava e os policiais revidavam sem ter como mirar em um garoto no meio da multidão.
Eles miravam em todo mundo.
Viaturas começaram a chegar, bombas de efeito moral eram lançadas, ouvi o barulho de vidro quebrando, homens e mulheres saltavam para dentro das lojas que nos cercavam, quebrando as vitrines e procurando se esconder de alguma forma das balas de borracha e da verdadeira baderna que acontecia.
Um de meus amigos foi atingido, uma bala de borracha acertou no seu olho esquerdo e um líquido remoso escorreu por sua face.
- Merdaaa!!! Ahhaa! Essa porra dói! – ele chorava e gritava enquanto eu tentava carregá-lo. Foi quando vi um policial batendo com o cassetete na cabeça de meu outro amigo, ele batia com força como se estivesse sacrificando um cão doente, ele queria matá-lo.
Num impulso, tamanho meu ódio apanhei uma pedra no chão e corri na direção dele, acertei com a pedra na nuca dele segurando-a ainda em minha mão. Senti o sangue respingar em minha face e ele caiu. Só aí vi meu pai.
Luiz sangrava no chão, eu o havia acertado. Papai olhou em minha direção, eu ainda tinha a pedra nas mãos, estava assustado e confuso, um amigo com o olho em estado degradável, o outro certamente estava tendo um ataque quase epilético deitado ao solo. Sangue saia da boca dele, sua cabeça parecia ter sido moída pelas pancadas que recebera.
Papai me olhou como nunca olhou na vida, me olhou como um marginal, não viu meu rosto. Acho que ele nunca havia puxado a arma na vida, sequer atirou em alguém, meu pai era um homem pacifico, mas até mesmo bons homens em um momento desse acabam fazendo coisas idiotas.
Ele apontou a arma e disparou.
...
Estou aqui sentado na calçada, sentado enquanto todos correm; crianças assustadas, mães desesperadas atrás de seus filhos, homens empunham armas e pedras, balas se perdem entre pele e ossos, policiais são bandidos, homens são heróis, heróis mortos, isso tudo acontece porque um gigante despertou.
Nunca pensei que tudo isso fosse acontecer, ninguém esperava que os fatos trouxessem tanto caos. Agora estou tentando entender por que dói tanto, dói absurdamente e o pior é que eu nem queria estar aqui.
Queria estar em casa com meu pai, ainda tomando café, ainda comendo a omelete que minha mãe preparava. Queria ouvir aquele maldito pronunciamento onde nossa presidenta desse ao povo mais que promessas e sim fatos. Queria ver o povo sabendo se manifestar de forma correta, sem essa maldita violência desmedida. Eu só queria um Brasil melhor.
Mas agora que me arrastei até aqui, agora que estou sentado no meio fio sentindo meu estomago revirar, e o gosto de sangue se aproximar cada vez mais de minha língua. Estou sentindo a maior dor de minha vida.
Estou pensando em uma enormidade de imagens, de fatos, de acontecimentos de minha existência. E o ultimo deles foi ver meu pai me acertar um tiro na barriga e em seguida se ajoelhar ao lado do homem que matou meu amigo e chorar por ele sem saber que será o responsável pela morte de seu próprio filho.
Mas esse é só o começo, em breve, muito em breve virá algo pior, isso porque o gigante acordou, ele acordou e eu preciso dormir.
Estou aqui sentado na calçada, sentado enquanto todos correm; crianças assustadas, mães desesperadas atrás de seus filhos, homens empunham armas e pedras, balas se perdem entre pele e ossos, policiais são bandidos, homens são heróis, heróis mortos, isso tudo acontece porque um gigante despertou.
Um gigante despertou quando muitos filhos acordaram e outros se puseram a dormir.
Nunca pensei que tudo isso fosse acontecer, ninguém esperava que os fatos trouxessem tanto caos. Agora estou tentando entender por que dói tanto, dói absurdamente e o pior é que eu nem queria estar aqui.
...
- Oi filho, bom dia! – sempre que acordava meu pai já estava pronto, fardado e sentado a mesa do café enquanto minha mãe fritava omeletes para nós.
- Bom dia, pai – eu lhe respondi antes de beijar-lhe a face e abraçá-lo.
- Como sempre atrasado, Claudio – mamãe pestanejou.
- Ainda faltam dez minutos para van passar mamãe, da tempo de comer esse maravilhoso omelete – tentei ganha-la com um elogio.
- Dez minutos? Se esqueceu que hoje não tem van filho, as manifestações hoje começaram na praça logo de manhã, não é Alberto? – Perguntou ao meu pai.
- É – respondeu enquanto mastigava um pedaço de omelete com a boca cheia de queijo derretido – Luiz me disse que já estão queimando pneus e o transito está fechado – Luiz era um colega de trabalho de meu pai, um policial gordo e carrancudo, mas como era parceiro de meu pai ambos viviam conversando. A diferença é que meu pai só virava um idiota quando vestia a farda, já seu amigo era um tremendo otário com ou sem aqueles trajes.
A conversa seguiu, falamos sobre o quanto aqueles manifestos impactavam em nossa rotina. Papai estava preocupado, fiquei duas semanas sem ir à escola, mas por fim ele achou melhor que eu continuasse indo.
...
Meu pai se despediu de mim, me abraçou e pediu novamente para que eu cortasse volta, passasse longe da manifestação, Luiz parou a frente de casa, ele entrou no carro e seguiram para delegacia.
Beijei minha mãe e olhamos para rua, minha rua era a divisa entre os dois principais bairros da cidade, eu estava bem próximo a manifestação, peguei minha mochila e atravessei a porta certo de que o meu caminho não era o caminho de meu pai.
É verdade, eu nunca quis participar disso, eu nem queria estar ali, eu queria que o Brasil fosse um país honesto, que políticos não ganhassem rios de dinheiros, mas que tratassem de nossos rios da maneira correta para que todos nós pudéssemos beber dessa mesma fonte de maneira proporcional.
Eu nunca pedi uma bolsa para carregar minha família, afinal o povo brasileiro não é da família dos cangurus, não, eu queria dignidade, o salário mínimo não precisava obedecer tão severamente ao seu nome, eu queria que a educação e a saúde, que esses dois pilares para que a sociedade realmente conheça o mínimo e por que não uma oportunidade de melhora no seu padrão de qualidade de vida, eu queria que a vida valesse o preço que nós pagamos por ela, o preço dos impostos, o preço da comida, o preço da passagem de ônibus, eu queria um padrão FIFA de vida para o meu Brasil.
Foi aí que percebi que eu não conseguiria nada disso sentado, não, eu não conseguiria isso apenas exercendo meu poder de voto, elegendo prefeitos, senadores e presidentes, eu precisava mergulhar na lama, ir para as ruas e reivindicar atitudes e não promessas.
Papai nunca poderia saber disso, ele estava cumprindo seu dever e o filho dele não podia ser um revolucionário a essa altura do campeonato, afinal em breve ele planejara que eu estaria trajando as mesmas cores que ele, e carregando um revólver à cintura, um revólver e um maldito cassetete.
...
Assim que a porta se fechou segui em direção a uma rua deserta, encontrei alguns amigos e lá pintamos nossas caras, afinal não podíamos ser reconhecidos, nossos pais eram membros importantes da política e policia.
Troquei de roupa. Há muito tempo já não carregava mais cadernos em minha mochila, estávamos lutando uma guerra.
A policia da cidade não era violenta, não com exceção de Luiz, aquele ordinário de uma figa, mas ele e papai não eram designados para conter os manifestos, ficavam fazendo rondas, procurando baderneiros, ladrões que se aproveitavam da situação para saquear casas e lojas.
Quando cheguei com os amigos, gritávamos e empunhávamos nossas armas, que nada mais eram que as placas e cartazes reivindicando nossas exigências, empunhávamos nossa voz feito espadas, mas o sangue infelizmente estava cada vez cheirando mais forte, e a iminente guerra civil se aproximava.
Nossas roupas eram pichadas com as reivindicações que fazíamos; “Passe livre” “Saúde” “Educação”... Queríamos tantas coisas, cada um queria algo, éramos uma nação insatisfeita.
Em meio à manifestação algo aconteceu, um garoto de cerca de quatorze anos apareceu com uma metralhadora e gritou.
- Morte a Dilma e aos policiais corruptos!!! – e atirou, disparou contra os policiais, disparou contra nós mesmos, pois mal tinha controle da arma pesada que carregava.
Começamos a correr feito baratas tontas, uns pisando sobre outros, outros
sendo esmagados, enquanto o garoto atirava e os policiais revidavam sem ter como mirar em um garoto no meio da multidão.
Eles miravam em todo mundo.
Viaturas começaram a chegar, bombas de efeito moral eram lançadas, ouvi o barulho de vidro quebrando, homens e mulheres saltavam para dentro das lojas que nos cercavam, quebrando as vitrines e procurando se esconder de alguma forma das balas de borracha e da verdadeira baderna que acontecia.
Um de meus amigos foi atingido, uma bala de borracha acertou no seu olho esquerdo e um líquido remoso escorreu por sua face.
- Merdaaa!!! Ahhaa! Essa porra dói! – ele chorava e gritava enquanto eu tentava carregá-lo. Foi quando vi um policial batendo com o cassetete na cabeça de meu outro amigo, ele batia com força como se estivesse sacrificando um cão doente, ele queria matá-lo.
Num impulso, tamanho meu ódio apanhei uma pedra no chão e corri na direção dele, acertei com a pedra na nuca dele segurando-a ainda em minha mão. Senti o sangue respingar em minha face e ele caiu. Só aí vi meu pai.
Luiz sangrava no chão, eu o havia acertado. Papai olhou em minha direção, eu ainda tinha a pedra nas mãos, estava assustado e confuso, um amigo com o olho em estado degradável, o outro certamente estava tendo um ataque quase epilético deitado ao solo. Sangue saia da boca dele, sua cabeça parecia ter sido moída pelas pancadas que recebera.
Papai me olhou como nunca olhou na vida, me olhou como um marginal, não viu meu rosto. Acho que ele nunca havia puxado a arma na vida, sequer atirou em alguém, meu pai era um homem pacifico, mas até mesmo bons homens em um momento desse acabam fazendo coisas idiotas.
Ele apontou a arma e disparou.
...
Estou aqui sentado na calçada, sentado enquanto todos correm; crianças assustadas, mães desesperadas atrás de seus filhos, homens empunham armas e pedras, balas se perdem entre pele e ossos, policiais são bandidos, homens são heróis, heróis mortos, isso tudo acontece porque um gigante despertou.
Nunca pensei que tudo isso fosse acontecer, ninguém esperava que os fatos trouxessem tanto caos. Agora estou tentando entender por que dói tanto, dói absurdamente e o pior é que eu nem queria estar aqui.
Queria estar em casa com meu pai, ainda tomando café, ainda comendo a omelete que minha mãe preparava. Queria ouvir aquele maldito pronunciamento onde nossa presidenta desse ao povo mais que promessas e sim fatos. Queria ver o povo sabendo se manifestar de forma correta, sem essa maldita violência desmedida. Eu só queria um Brasil melhor.
Mas agora que me arrastei até aqui, agora que estou sentado no meio fio sentindo meu estomago revirar, e o gosto de sangue se aproximar cada vez mais de minha língua. Estou sentindo a maior dor de minha vida.
Estou pensando em uma enormidade de imagens, de fatos, de acontecimentos de minha existência. E o ultimo deles foi ver meu pai me acertar um tiro na barriga e em seguida se ajoelhar ao lado do homem que matou meu amigo e chorar por ele sem saber que será o responsável pela morte de seu próprio filho.
Mas esse é só o começo, em breve, muito em breve virá algo pior, isso porque o gigante acordou, ele acordou e eu preciso dormir.