Um frio terrível invadiu o quarto. Algo invisível andava por ali. A idosa abriu os olhos e olhou na direção da cama de sua companheira. A outra mulher roncava baixinho indiferente a qualquer coisa. A idosa sentiu que aquela noite seria sua despedida da vida. Pensou em apertar a campainha e pedir ajuda, mas suas mãos estavam amarradas para que ela não arrancasse o tubo de soro. Abriu a boca para gritar, mas tudo o que conseguiu foi grunhir baixinho. Lágrimas de frustação escorreram por seu rosto e ela desejou que um dos filhos estivesse ali, para se despedir. Fazia duas semanas que ela estava internada, e só recebera visita uma única vez. Os filhos estavam em outra cidade cuidando de suas vidas. Fez uma prece silenciosa pedindo perdão por seus erros e se preparou para a grande partida. Uma mão gelada cobriu lhe o nariz e a boca sufocando-a lentamente. Seus olhos arregalados tentaram em vão enxergar o rosto da ceifadora, mas uma nevoa a envolveu e então chegou o fim.                               O homem andava apressado. Não podia perder o próximo ônibus, senão chegaria muito tarde a casa e o filho já estaria dormindo. A criança era a grande alegria da sua vida. Chegara quando ele e a esposa começavam a desistir da ideia de serem pais. Era gratificante ser recebido depois de um longo dia de trabalho com o abraço afetuoso da esposa, e pelo sorriso doce do garoto. O sinal estava vermelho, mas acreditando que daria tempo para atravessar, o homem arriscou. Não viu, apenas sentiu o impacto e foi arremessado para o alto. Ouviu gritos e exclamações das pessoas. Tentou abrir os olhos sem sucesso. Tudo estava escuro. Sua língua parecia colada no céu da boca, impedindo que ele falasse. Ouviu zumbidos no ouvido como se por ali voassem mil abelhas. De repente ele sentiu a presença gélida e soube que chegara a hora. Chorou em silencio diante da terrível realidade. Quis se apegar a vida e tentou se erguer, mas uma mão poderosa o deteve imóvel e dedos como garras apertaram lentamente seu coração. Os batimentos foram se tornando cada vez mais fracos e por fim silenciaram.                                                  Três tiros ecoaram na madrugada. Um vulto correu pela noite escura tendo em seu encalce uma figura sinistra, enquanto alguém gemia estendido na sarjeta.  Janelas foram abertas e logo uma pequena multidão se formava em volta do ferido. Minutos depois o som de uma ambulância se fez ouvir e a vítima dos disparos foi conduzida para o hospital mais próximo.                              Por sua vez, o ladrão que atirara covardemente na vítima chegava exausto no beco onde morava. Estava com o pressentimento de estar sendo seguido, e dera diversas voltas no quarteirão no intuito de escapar do seu perseguidor. Na verdade não vira ninguém, mas sentira a presença cada vez mais perto. Entrou no mísero barraco, fechou a porta e ficou de arma em punho escutando. Quem quer que o estivesse seguindo ia pagar caro pela ousadia. Os segundos se passaram. O homem olhou para a rua através de um buraco na janela. Tudo estava quieto. Não havia uma viva alma andando por ali. Sorrindo aliviado o bandido pegou uma lata de cerveja e ligou a televisão. Estranhou, pois apenas um canal que ele nunca assistira antes, estava sintonizado. Na tela uma jovem chorava convulsivamente segurando nas mãos um revolver. Hipnotizado o ladrão esqueceu a cerveja e pegou em cima da mesa a sua arma. Os olhos verdes da moça o encaravam do outro lado. De repente ela ergueu o revolver, abriu a boca e fez um gesto para que ele a imitasse. Inconscientemente o homem a imitou. O estrondo do tiro acordou os moradores que moravam nas proximidades, mas ninguém se prontificou a ver o que era. Disparos era coisa normal por ali. No chão do barraco o ladrão estrebuchou por algum tempo e depois acalmou. A figura negra que o seguira atravessou a porta e seguiu em direção á um asilo perto dali. Ia apressada. Afinal a morte nunca descansa.    ( Para Sheila Vallis. Espero que goste.)


vânia lopes
Enviado por vânia lopes em 27/05/2013
Código do texto: T4312041
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