A Bela da Noite
“Senti então o trêmulo e macio toque dos lábios molhados
sobre a supersensível pele de minha garganta...”
Bram Stoker
Naquela agradável noite de começo de outono o movimento estava fraco para Belinha. Era assim que suas colegas de trabalho conheciam aquela moça que há dez anos tinha a mesma carinha de menina, cachinhos dourados bem cuidados, corpinho de adolescente e olhos verdes ofuscados por uma sombra.
Já tentaram dar um pórre nela para amolecer sua língua na esperança de que contasse tudo, mas foram elas que contaram, sem freios na língua, todas as amarguras de jovens enganadas, chantageadas, maltratadas, abusadas e sem esperança.
Para os clientes fixos ela era “A Bela da Noite, que te faz subir pelas paredes” e para os esporádicos ela dizia:
— Esqueça-me! Adoro ser esquecida!
Soprava uma deliciosa e carinhosa brisa que fazia Belinha voltar ao passado e lembrar das noites gostosas de menina sonhadora quando ficava vendo os vaga-lumes e as estrelas antes de chegar o sono. Sonhava acordada com o príncipe encantado que faria dela a mulher mais feliz do mundo e agora ela era a mais infeliz por causa dele.
Duas horas de pé e nada de aparecer alguém requisitando seus serviços. Aquela lembrança deixou-a muito angustiada e a espera só fazia o tormento pesar mais.
Um rapaz alto e robusto, de camisa vermelha, que disfarçava sua palidez, se aproximou e Belinha sentiu um amargo na boca. Tinha certeza de que ele seria o primeiro da noite. Sentiu um frio na espinha e as mãos ficaram frias ao ver o rapaz com os olhos maldosos fixos no seu pescoço.
Estava há muito tempo na profissão mas alguns homens ainda lhe causavam uma sensação desconfortável. A experiência e o instinto de auto-preservação ensinaram-lhe a escanear as pessoas e antecipar seus movimentos no jogo de xadrez do cotidiano, mas ainda era de carne e osso.
Belinha estava de braços cruzados, realçando a generosidade exagerada do decote, ele chegou perto e ela virou o rosto, ele deu a volta e se mostrou; queria sua imagem gravada na retina dela.
— Boa noite, moça bonita.
— Depende!
— Do quê?
— De você!
Ele andava em volta dela como um lobo em volta de uma lebre ferida. Belinha esperava sua vez de movimentar o jogo e ele aspirava seu perfume.
— Hum! Perfume de rosas...
— Mas não é pra qualquer um!
— Não sou qualquer um!
— A não, é? Parece um vira lata cortejando uma cadela. Igual a todos!
— Posso te provar que sou diferente.
— E como pretende fazer isso?
Belinha já estava zonza e ele andava mais rápido em volta dela. Sabia que podia lidar com ele, mas estava tensa. Nunca se acostumou com aquele tipo de olhar maldoso, tão comum.
— Posso te fazer subir pelas paredes! — e Belinha sentiu a respiração dele no seu pescoço.
— Se você não tem mais nada pra fazer...
— Posso fazer com você o que nenhum outro homem pode! — e Belinha sentiu outro arrepio desconfortável quando ele encostou a mão na sua cintura.
— E você pode pagar o preço?
— Dinheiro não é problema!
— Nem tudo se paga com dinheiro! — e sorriu para ele.
Dirigiram-se para o quarto de pensão ali perto onde Belinha morava. Ele deixava boiar nos lábios seu sorriso maldoso e Belinha achava graça daquilo. Com o tempo deixou de sentir raiva e agora sentia algo pior: vontade de rir.
O que um tipo daqueles fazia vestido assim? Por que parecia tão diferente? Despreocupado, romântico, até encantador, enquanto os outros eram desesperados, arrogantes e violentos. Mas era igual à todos, com certeza!
— Então é aqui que a moça bonita se esconde?
— Eu nunca me escondo. — e abriu a blusa na frente do espelho.
Belinha andou na direção do rapaz que ficou junto à porta, longe do espelho. Ele olhava a pele branquinha do seu pescoço fino.
“Por que eles precisam ser assim? Por que tanta maldade, tanto ódio?” Esses pensamentos trovejavam na mente dela desde sempre.
Ele agarrou-a por trás, aspirava seu perfume de rosas e passava a língua no pescoço liso de Belinha.
— Hum! Parece pétala de rosa!
Lá fora os cachorros começaram a uivar debaixo da janela, caiu uma repentina chuva forte, uma cortina de água cobria a janela, o vento frio rodopiava pelo quarto. Um trovão ensurdeceu a noite e um raio caiu ali perto. O momento de subir pelas paredes estava próximo para os dois!
Belinha sentiu os lábios úmidos dele grudados na pele do seu pescoço, as pernas ficaram bambas, sentiu aquele tesão medonho e irreprimível, a mente não respondia mais, a dor era assustadora, um pesadelo.
Duas agulhas grossas perfurarem seu pescoço rasgando a carne. Era como sentir uma faca cortar a barriga de um lado ao outro! Primeiro a dor da lâmina entrando na carne, depois a dor do corte, depois a dor latejante, depois o sangue correndo pela pele.
Ele parecia gozar com as presas enterradas no pescoço fresco de Belinha. Dois filetes de um líquido escuro escorriam e ela também parecia gozar, gritando, cravando as unhas nos braços dele, de olhos revirados, boca aberta e cenho franzido.
Ele saltou para trás: olhos vermelhos, músculos retesados, pele cheia de manchas roxas, não respirava e estava convulso. Belinha deixou-se cair na cama, se debatia de olhos revirados, gritos de mulher que goza, rosto contorcido. Dor e prazer em harmonia.
Ele secava, estava enrugado e saía fumaça do seu corpo.
— Ai! Estou subindo pelas paredes!
— O que você fez comigo, sua puta?
— Também fiz você subir pelas paredes, amor!
— Quem é você, maldita?
— A Bela da Noite, que te faz subir pelas paredes!
Um rugido de fera ferida mortalmente estremeceu o quarto e ele se desfez em pó que o vento levou para fora.
Belinha continuou deitada, ofegante. A mordida daquele ser nojento tinha o poder de hipnotizar, atordoar, de fazer a mulher mais pura se entregar despudorada. Nunca conseguiu resistir ao terrível prazer da mordida de um vampiro, o enigmático momento da mudança de lado. Logo caía sobre ela o pesado véu da solidão, do rancor, da confusão.
Belinha foi até o espelho:
— Quando você vai me libertar?
— Calma, Anabella! Tempo para você não é problema!
— A morte do seu filho ainda não foi vingada?
— Você não sabe como é perder um filho, menina!
— E você não sabe como é viver duzentos e trinta anos com saudade do único amor de sua da sua vida!
— Criança! Você deveria me agradecer!
— Por envenenar meu sangue ou por me privar da morte?
— Por te dar a oportunidade de acabar com tudo isso!
No ano de 1.777, numa aldeia do interior da França, na véspera do casamento de Anabella com Felipe, uma tragédia mudou para sempre o que eles eram. Felipe foi mordido por uma vampira na sua despedida de solteiro e sua mãe, uma das bruxas mais temidas da época, culpou Anabella, ninguém sabe exatamente por que.
Para fazê-la pagar pela perda do filho, condenou-a à imortalidade e envenenou seu sangue. Veneno capaz de matar vampiros e deveria matar todos que encontrasse.
Belinha foi até a janela, estava tudo quieto, parou de chover e a brisa carinhosa percorria seu corpo nu. Chorava desejando morrer, coisa impossível para ela. Sentia Felipe por perto; era hora de fazer as malas.