EVA - demonstração

Projeto EVA - Victor Kerayle e Emylly Caldas

Capitulo 4 do conto "Bruxas em Roma"

Madrugada em Trastevere

- Prédio secundário da Basílica -

A velha basílica de Santa Maria em Trastevere é um dos monumentos afirmativos da belíssima arquitetura da cidade de Roma. A grandiosa costa da estrutura, rodeada pela estreita passagem Via Della Paglia no Largo Maria Dominica Fumasoni Biondi, ocupa um enorme espaço. Estende-se à frente dela a Praça da Basílica. Ao lado da estrutura principal há um prédio secundário com uma série de janelas em simetria. A sólida redoma de pedra, desenhada com uma nítida inspiração Bizantina estava mergulhada na atmosfera áspera, escura, fria e erma das duas horas da madrugada. Silêncio mortal só quebrado por um vento fantasmagórico, batendo insistentemente em uma das janelas do prédio secundário da igreja.

As batidas abafadas na janela malmente fechada não incomodavam o sono de pedra do padre Thomas Palolo: jogado numa cama de solteiro com um roupão cinzento cobrindo o homenzarrão ruivo e corpulento, o religioso estava imobilizado, dando esporádicos roncos guturais. Para todos os efeitos, entrando na nave principal, seguindo à esquerda, subindo escadas discretas, atrás do coro e adentrando os corredores longíssimos, numa das portas do segundo andar, estava a humilde moradia do Padre.

Era como uma casa paroquial interna, dois compartimentos pequenos, escuros, aconchegantes, quentinhos, repleto de tudo que se precisa para um padre sobreviver: Cama, Comida, banheiro aquecedor e uma boa galeria de terços e Bíblias para não deixar dúvida alguma sobre seus afazeres noturnos. E, apesar do tempo ser o ano de 2012, Thomas Palolo se encontrava Imerso no século XII, numa eterna missão evangelizadora. Quem o conhecia não o imaginava em outra situação: Celebrando missas, cuidando da administração da igreja, visitando doentes, atendendo as confissões mais cabeludas que alguém pudesse ouvir. Inclusive o padre fora, há um tempo, prova chave de um assassinato em outra igreja; um ladrão o confessara a participação. Porém, fervoroso com os dogmas Católicos apostólicos Romanos, Thomas Palolo nem sequer pestanejou: nunca quebraria o sigilo do confessionário. "A lei dos homens não é superior a de Deus" explicara ao Delegado.

O padre era conhecidíssimo por seu empenho para com a Basílica Santa Maria, contudo muito mais rígido era com os "infiéis". Havia inclusive ganhado um codinome: "Le inquisitore". Suas terríveis pregações eram famosas por deixar qualquer um triste com sua própria existência.

Eram duas horas da madrugada quando Palolo saltou da cama com o barulho estridente do telefone. Ainda assustado, levantou-se e tateou em busca da origem do barulho. Atendeu:

- Alô... - bocejando o padre. Espertou-se imediatamente assim que percebeu quem estava na linha. A voz era inconfundível, depois de tantos anos de convivência. Ouviu tudo e respondeu finalmente com um: "Irei averiguar". E desligou. "Como isso pode estar acontecendo na minha Basílica de novo?". O Padre procurou nervosamente o interruptor, mas as luzes não estavam ascendendo. Abriu a janela deixando entrar a luz Bruxuleante do poste logo à frente na estreita passagem Della Paglia. Um vento frio o fez arrepiar-se completamente. Conseguiu encontrar os óculos, pôs a batina, saindo do quarto velozmente, empunhando um pequeno cajadinho nada assustador.

Nave principal de Santa Maria in Trastevere

Iria resolver por si só. A polícia já sujara demais o nome daquela Basílica com suas invasões com fins investigativos. Seguiu o corredor longo, seus passos ecoando profundamente. Adentrou o coro e desceu as escadas, já ofegante, abrindo longas portas que davam caminho para a nave principal. No mesmo segundo, parou. "O que foi isso". Pensou ter visto algo nos bancos da assembleia, mas tudo estava escuro demais. À frente estava a enorme estrutura emparedando o Presbitério: uma parede côncava em forma de meio cilindro elevado, no alto dele, até uma semiesfera adornada de desenhos da abóbada. Vários arcos seguiam pelas alturas, sustentados por colunas detalhadas em ouro. O silêncio era absolutamente assustador, Palola admitiu. Estava acostumado com aquela escuridão da igreja, mas havia algum detalhe diferente hoje. Atravessou, afastando de sua mente a estranha sensação de companhia. “Apenas Deus está comigo, não deixarei mais ninguém entrar".

Sarcófago do Leão, Interior da Basílica

Padre Thomas Palola seguiu pela igreja da esquerda para a direita, alcançando os pilares enormes do lado oposto. No espaço retangular à direita da abóbada jazia, no altar lateral, solitário, rente a parede um sarcófago com um desenho de perfil de um leão em alto relevo feito em um retângulo de pedra. Tateou até encontrar uma chave encaixada num vão muito discreto atrás da pedra. Seguiu para a parede que separava o altar de um salão fantasmagórico. Havia um dos três salões grandes existentes na igreja. Espalhadas, esculturas mortuárias, quadros de diferentes épocas. Colunas de granito seguiam organizadas na sala. Caminhou até uma pequena porta no fundo do salão, abrindo-a. Era uma saleta como um armário de vassouras. Ele tirou um tapete do solo da saleta revelando a entrada para um porão. Passou a chave e desceu rapidamente pela longa escada no vão escuro.

O religioso andou cego pelo abafado hall de entrada dos corredores subterrâneos a procura de alguma vela. A inquietação cada vez mais aumentava. "Como eles podem tentar entrar de novo na minha Basílica?". Palola estava cansado de ladrões tentando invadir as igrejas nos noticiários. Já era a segunda vez que Santa Maria em Trastevere era alvo de tentativa de arrombamento. Procuravam, os ladrões, coisas valiosas do inicio do século IV, quando a igreja fora construída. Relíquias como cruzes, cordas, tecidos, escrituras, coroas, cálices de ouro e outros tesouros inestimáveis. Padre Thomas Palola fora avisado por telefone que essa noite um grupo de assaltantes estaria tentando entrar pela minúscula janela que dava para os corredores subterrâneos. Queriam violar novamente o solo sagrado. "Que absurdo".

Finalmente encontrou uma vela. Pegando uma caixa de fósforos sempre presente em seu bolso, ascendeu-a, iluminando o hall cheio de estantes empoeiradas. Entretanto, uma rajada de vento imediatamente apagou o fogo. O vento vinha da porta aberta que dava para os corredores subterrâneos. "Não é possível...". Acendeu a vela, cobrindo a chama com as mãos trêmulas, segurou o cajadinho com mais força e seguiu corajosamente. Havia várias portas, mas Thomas sabia que só uma era realmente importante. "A última".

O vento frio estava cada vez mais próximo quanto mais o padre se aproximava da ultima porta. "Eles já abriram a portinhola", um tanto arrependido de não ter avisado a ninguém. Sob a precária luz de uma vela, Palola encontrou uma porta muito envelhecida entreaberta. Olhou pela fresta, cuidadosamente, rezando para não ser ouvido. "Deus me ajude". O quarto estava quase que totalmente coberto de teias de aranhas, casulos de outros insetos e poeiras acumuladas. As velharias valiosas, todas espalhadas, ofereciam brilho de ouro fraco, por causa da portinhola: uma portinha no teto, escancarada, mostrando o céu negro cortado por um poste de luz. Mas a fresta da porta não oferecia uma visão completa da sala das relíquias. Palola respirou fundo e abriu a porta, o cajadinho em guarda.

Vazio.

A luz da vela dançava nos reflexos das joias de ouro empoeiradas. Entrou para ter certeza da sua solidão, por que algo muito dentro de si gritava totalmente o contrário. O local o fez arrepiar-se novamente. Ninguém entrava ali pelo menos há uns dez anos. Deu um passo cuidadoso, e então ouviu um ruído.

Iron Maiden, a Dama de Ferro

Virou-se lentamente para ver o que havia rangido e lá estava ela...

A Iron Maiden.

Era uma espécie de sarcófago de ferro, com o rosto de uma mulher sorrindo. O caixão tinha duas portas, estavam abertas e rangiam com o vento vindo da portinhola. Havia espinhos ameaçadores por dentro dela. A Iron Maiden era um instrumento de tortura da santa inquisição, muito usado por volta do século XIV. Estava guardado em Santa Maria em Trastevere por muitos anos, como uma lembrança do fanatismo religioso. Apesar dos espinhos cruéis, a Iron Maiden nem sempre matava, mas obrigava os prisioneiros a ficarem imóveis ou então receberem dolorosas agulhadas caso se moverem. O Padre Palola estava também paralisado sem saber explicar o porquê. A Porta da Iron Maiden rangia, mas apenas isso. Ainda assim, alguma coisa o perturbava... Algo no fundo do seu âmago. Thomas fechou a portinhola, trancando-a e seguiu de costas para a Maiden, dizendo para si mesmo: "Alarme falso". Seguiu para a porta de saída da sala das relíquias. A Iron Maiden Rangeu novamente, porém não havia vento algum.

Thomas olhou lentamente para trás, o coração palpitando loucamente. Ela estava escancarada, mas nada novo. Estava silenciosa. Respirou e virou-se novamente para porta. Num estante estava voando violentamente para trás em direção à ela.

"Não! Meu Deus!"

Um som nítido de perfurações cruéis cortou o silêncio.

Então a Iron maiden trancou-se, sorrindo.

Aos seus pés vazava um rio de sangue.

Capitulo 5 do conto "Bruxas em Roma"

Bela como a noite

Laila Eva acenou para um taxi branco rechonchudo, abriu sua porta e sentou-se muito rapidamente no banco traseiro.

- Buona sera– Disse educadamente o motorista –sinori... - Viu uma mão pálida se estender do banco de trás para o lado de seu rosto.

- Para a Praça Santa Maria in Trastevere, rápido – Mostrando o distintivo de agente da PdS a Policia do Estado. A voz era dura, mas ao mesmo tempo muito doce. O motorista a olhou pelo retrovisor e depois se virou completamente, como se não acreditasse.

Ela parecia não ter mais que vinte e cinco anos de idade, mas seu olhar frio e ríspido era de uma velha solteirona de mais de setenta. Uma expressão incompatível com uma moça muito jovem e linda. Branca, cabelos negros avermelhados que não passavam da altura do pescoço, escorridos, cobrindo um dos olhos. E o outro era azul, profundamente azul, dono de uma forte olheira. Como se percebesse sua cara apalermada, o homem saiu do transe, arrancando com o carro. Seguiu a Via Del Corso e em pouco tempo já estava atravessando a Ponte Garibaldi.

Ponte Garibaldi

Laila Eva olhou pela janela de trás do veículo o céu noturno quase sem nuvens e sem estrelas de Roma. Uma enorme lua rivalizava o céu negro com os altos monumentos da cidade, sendo riscada por eles com a velocidade do taxi. Mais abaixo a água do rio refletia a paisagem brilhante e colorida dos prédios, que viajava para trás rapidamente pela ponte sobre o Rio Tibre. Pôs em vista seu relógio Rolex prateado, marcavam oito e doze da noite. A moça ajeitou o cabelo liso para trás da orelha libertando o outro olho azul que junto ao seu par, focalizaram numa lembrança. Acontecera a pouco antes de ela pegar o táxi...

Eram quase oito daquela mesma noite. Laila chegou a seu apartamento num prédio moderno do bairro San Silvestro, no centro de Roma. Quando se preparava para abrir a porta, recebeu um toque no celular: Sauro Betti, o chefe do núcleo investigativo de Roma, um subprograma da PdS Policia Della Stato. Destrancando a porta, atendeu:

- Capo Betti... Estou ouvindo. – disse Laila. Uma voz muito forte respondeu:

- Eva... Aconteceu de novo. Um de seus casos. Agora em Trastevere...

- O Padre desaparecido da Basílica Maria em Trastevere foi encontrado? – Completou Laila. Com o celular pregado à orelha, entrou no apartamento escurecido. Já sabia do que se tratava. – Estarei aí dentro de... – Olhou para o relógio marcando oito e cinco, ligou as luzes – trinta minutos.

- Isso mesmo. E preciso de ajuda- Riu-se Sauro – A Noite vai ser bem longa... – E desligou.

A investigadora entrou na sala. Era um espaço amplo e moderno. Sua irmã não estava, notou assim que viu a capa do sofá perfeitamente arrumada e não havia sinal algum de refrigerantes na mesa de centro. Cendyl Eva saíra e só podia estar com uma pessoa. “Ao menos aquele pirralho serviu para alguma coisa” sorriu lembrando-se da cara nojenta de Henri Hirase, o melhor amigo de sua irmã. Hoje era “a noite do filme caseiro”, quando todos os amigos de Cendyl se reuniam na casa de Henry as quintas para assistirem filmes, séries, programas idiotas... “Sinceramente...”. Ao menos Cend não estaria em casa, pois dormiria na mansão de sua nonna, Zorah Eva, depois do evento na casa do Hirase. Assim, não poderia bisbilhotar seus afazeres. “Minhas responsabilidades”, disse para si mesma, enquanto movia-se rapidamente pelo corredor curto do apartamento, destrancando a porta de seu quarto. Entrou, ligando a luz.

Era um quarto grande quadrado, pintado de cor de salmão. Havia uma estante enorme tomando toda a parede esquerda, cheia de livros antigos e estranhos. Correu para a parede da direita. Destacava-se nela um quadro de mulher vestida de feiticeira, Fata Morgana. Laila mexeu em algum mecanismo discretíssimo ao lado do quadro. “Click”, ele abriu-se como uma porta. Atrás dele, um cofre de aço. Girou várias vezes, para direita, para a esquerda... Então abriu o cofre, revelando, dentre outras coisas, uma maleta preta.

Fata Morgana

Tirou sua GunVault, uma segura caixa com leitor de digitais para guardar armas. Depois de abri-la, revelou-se dentro dela, duas pistolas desert eagle, pequenas. Elas estavam sem cartuchos e sem munições nas agulhas. Escolheu uma das armas e largou apressadamente a maleta aberta com a outra arma, em cima da cama semirredonda. Laila pegou o seu notebook da escrivaninha ao lado do quadro, o deixou iniciando ao lado da maleta. Enquanto isso tateou no fundo do cofre da parede, onde encontrou outra caixinha trancada e protegida. Abriu-a e retirou três cartuchos muito peculiares. Desabotoou o blazer, revelando uma camisa roxa e encaixou um dos cartuchos na sua pistola, guardando-a no coldre preso a um cinto grosso na calça jeans. Pôs o segundo cartucho no mesmo cinto.

A outra arma continuava descarregada, descansando na GunVault em cima da cama. “Melhor eu repor na pistola reserva” e encaixou na arma o terceiro cartucho. Voltou para a tela do notebook afastando a maleta e deitando de bruços na cama.

Neste momento a arma saltou para fora da GunVault, deslizando num baque silencioso para o tapete rente ao pé da cama. Laila fechou a GunVault sem sequer olhar para seu conteúdo vazio, distraída digitando no notebook o nome da igreja como chave “Santa Maria in Trastevere” num site de pesquisas. Leu rapidamente as informações sobre ela: “Inicio do século IV... Linda arquitetura inspirada... Trastevere... Século XV... Inquisição...”. Fechou-o e o repôs despreocupadamente na escrivaninha.

Correndo, Laila trancou o quadro e saiu de seus aposentos. Com os pensamentos viajando para Trastevere, a moça mal fechou a porta. Ela desceu as escadas de emergência com saltos perigosos, aterrissando fortemente com botas de couro pretas. Olhou para o relógio: oito e oito. Na Rua Via Della Mercede, movimentada, acenou para o primeiro taxista que passou já tirando seu distintivo do bolso do blazer preto esvoaçante.

Agora, Laila Eva estava no taxi, viajando pela Via Del Moro em Trastevere. Uma rua cheia de prédios de arquitetura muito tradicional de Roma, moldando a via com seus paredões residenciais. O taxista notou um movimento de policiais, enquanto se aproximava do pátio pra Praça Santa Maria em Trastevere. Várias viaturas da PdS estavam por perto, com seus oficiais fora do carro, encostados nas portas dos veículos, falando algo no Walkie Talkie ou simplesmente rondando. O Taxista parou muito antes de alcançar as viaturas, por ordem de Laila. Mas quis arriscar:

- Aconteceu algo por aqui, senorita? – Olhando pelo retrovisor, com curiosidade gulosa nos olhos. Laila disse rapidamente:

- Aqui está bom, Grazie Mille. – Quando chegaram ao pátio grandioso. O taxista calou-se quando recebeu uma gorda quantia. – Gostaria que o senhor não informasse nada disso, fique com o troco.

Laila saiu do carro, olhando para o relógio: “oito e vinte e oito”. Atravessou a praça, sem olhar para ninguém. Era um espaço amplo ladrilhado, delimitado por casas belíssimas, donas de inúmeras janelas altas. A frente da igreja em si jazia por trás de uma fonte mediana, com suas águas paradas. O barulho de alguns oficiais das redondezas alcançou Laila. Chegando à fronte, um policial a interceptou:

Praça de Santa Maria em Trastevere

Abóboda da basílica

- Agente Eva... Capo Betti a espera dentro da Basílica. – Disse o homem. Laila seguiu para frente da enorme Igreja iluminada em amarelo, formando sombras medonhas. Havia algumas estátuas de santos observando Laila pela sacada do segundo andar da basílica. A altura do prédio se estendia num teto triangular e numa torre do sino. A moça passou pela entrada central entre uma das cinco colunas gradeadas sustentadoras dos arcos da marquise. Atravessou as fitas de isolamento policial. Ela empurrou um portão não tão pesado, passando por um pátio. E adentrou na nave principal da igreja.

Impressionou-se primariamente com os desenhos do teto, totalmente iluminado. Era muito grandioso, lindo, detalhado. O altar era coberto por uma espécie de casa alta, com pilares rodeando a mesa brilhante da eucaristia. A Abóboda muito acima era maravilhosamente alta, adornada de desenhos de santos católicos. Jesus Cristo e Maria De Nazaré destacavam-se, soberanos.

- Ah, Eva. – uma voz forte ecoou pela igreja. Laila, seguindo-a, aproximou-se do Chefe do núcleo investigativo de Roma, Sauro Betti. Um senhor louro, bonito para a idade, vestindo-se impecavelmente com um conjunto social negro – Que bom que você chegou...

Ao lado direito do presbitério, estava o capo Betti, junto dois oficiais. Ele fez sinal para eles se afastarem, recebendo Laila. Ela disse num tom profissional:

- Então... Outro acontecimento Capo?

- Ah, exatamente. O padre que cuidava da administração... Um coroinha o encontrou no subsolo que tem ali... – Sauro apontou para trás do altar.

- E por que seria um caso para mim, senhor? – Quis saber Laila, já se dirigindo para trás da parede do altar aonde o chefe apontou. Capo Betti a acompanhou. Havia uma sala enormemente alta, bonita, com algumas estátuas, quadros e portas. A mais modesta delas estava aberta. Uma saleta que possuía no chão um buraco com uma escada dando acesso a um andar subterrâneo revelou-se;

- Ele estava só na basílica, e tudo estava trancado por dentro... Ninguém saiu ou entrou, não há sinais de arrombamentos ou luta – explicou Betti, sério – É Como em Santa Pudenziana... Sem sentido algum – Capo balançou a cabeça, como se afastasse um pensamento, depois continuou, retornando a si - ...Segundo a freira Marie Gonatti, que mora nas redondezas, deve ter acontecido por volta das três horas da manhã de hoje. É possível pensar que ele tenha tropeçado, mas soa muito errado, você vai entender quando ver...

- Capo, sobre o caso de ontem, Pudenziana... A sobrevivente, Agatha Rodda...

- Logo que soubemos da morte do Padre Palolo procuramos Agatha. Ela está muito abalada, não se pode tirar quase nenhuma informação dela, a não ser...

- A não ser? – Laila quis saber. Capo Sauro continuou:

- A não ser o fato de ela repetir a palavra “Livro” sem parar. Não conseguimos saber do que se trata.

Laila ficou um pouco silenciosa.

- De que forma ele morreu? – Indagou repentinamente, tirando o cabelo de cima de um dos olhos.

- Venha – Disse Capo Sauro olhando para Laila - Cuidem das coisas por aqui, irei acompanhar a agente Eva – Falando desta vez com os dois oficiais afastados. Capo Betti mostrou o caminho para o subsolo – Primeiro as damas. – E Laila desceu pela escadinha, com uma lanterna que tirara do bolso e colocara na boca. Sauro foi em seguida.

Laila Eva era muito respeitada no núcleo investigativo da policia de Roma. Os casos mais impossíveis eram quase sempre resolvidos por ela. Era como se uma espécie de magia a auxiliasse. Em pouco tempo de trabalho Laila já tinha a total confiança de Sauro Betti, um rígido Chefe dos investigadores da PdS. Essa artimanha era invejada por muitos dentro da sede da policia em Roma. Sempre séria, a agente Eva passava um ar de “tudo sobre controle” aonde chegava, além de deixar os policiais marmanjos, inclusive o próprio Sauro, babando por sua beleza. Assim que a policia tomou conhecimento do caso em Trastevere, o capo Betti tratou imediatamente de acionar Eva. “Ela é um gênio”. O boato era que Sauro Betti não tinha uma queda, mas sim um despencar por Laila Eva.

Sauro e Laila caminharam pelo corredor do subsolo, pontuado por estátuas medonhas nas paredes, até chegarem ao quarto das relíquias. Abriu-o.

Ela deu uma rápida visão do quarto com sua lanterna. Quadros, cálices, móveis de ouro, coroas de reis... No centro, rodeada de muitos outros artefatos antigos, estava deitada no chão uma espécie de sarcófago de ferro. A Iron Maiden estava molhada algo vermelho nos lados, Laila não podia ver muito bem daquele ângulo. O caixão estava sem as portas, estas jogadas ao lado do sarcófago, com nítidos sinais de arrombamento. Laila olhou para Betti, como se perguntasse.

- Ah, sim... Ela estava trancada – explicou Sauro Betti - tivemos que derreter as fechaduras... Lá está o padre Palolo... –Apontou. Laila se posicionou melhor, então pode ver.

A cena era de embrulhar o estômago.

O sangue formava uma pequena poça por trás do caixão de ferro. O Padre estava deitado dentro da Iron Maiden, silencioso. Tinha a cabeça coberta pela mascara mortuária do caixão. Do seu peito nasciam espinhos de ferro ensanguentados, atravessando a batina antes branca, agora embebida em sangue. As portas da Iron maiden que jogadas também tinham espinhos na altura do peito... Vermelhos.

Laila Agachou-se para ver melhor o corpo do padre numa frieza impressionante. Ela tocou no solo com sua luva, constatando ao olhar de novo para o corpo.

- Algo, Agente Eva? – Perguntou o Capo, tentando acompanhar o pensamento de Laila.

- Nada sólido... Preciso da perícia. Faria esse favor, Capo Betti?

O chefe fez que sim com a cabeça.

- Vou chamá-los. Tenho que receber uns telefonemas, tratar da mídia, você sabe... – Sauro Betti virou-se e saiu da sala.

Laila esperou até não ouvir mais passo algum e puxou o telefone do bolso, se levantado. Digitou letras “Z...o...”... Imediatamente apareceu na tela um nome: “Zora Eva”. Ligou para esse numero.

- Alô,nonna...- disse Laila num tom mais baixo e cuidadoso, olhando para o caixão - ... Sim nonna. Aconteceu de novo, mas em Trastevere. Foi como a nonna desconfiou, há alguma ligação entre a idade das igrejas, todas do inicio do IV. Dessa vez foi um padre... Morto na Dama de Ferro ontem à noite... Tenho quase certeza que foi um dos nossos. – outra resposta do telefone. Laila continuou um pouco impaciente - Isso não foi um acidente... – Afirmou – Ele foi empurrado. A força que os espinhos... Impossível isso ter sido um acidente. – Laila olhou para o chão próximo ao sarcófago – Além disso, se tivesse caído, haveria marcas no chão... Ele foi ‘colocado’ – ficou calada durante um longo tempo, ouvindo. Finalmente falou: - Sim nonna. Virei sozinha aqui mais tarde... Não, ela não vai dar falta, está com um amigo... Não, é amigo mesmo... Não é um namorado... Ela irá para a sua casa mais tarde, sim? Sim, eu sei nonna. Grazie... Buona sera. – E desligou. Olhou concentrada para o caixão de ferro.

“São quase 9 horas, voltarei aqui pelas três da madrugada...” planejou Laila. Agora que estava sozinha na sala das relíquias sentiu na pele o clima mortuário dali. Há metros abaixo do solo, uma moça presa num local abafado, frio e junto a um corpo dilacerado por espinhos. A Iron Maiden sorria, maquiada com sangue. Corpos? Escuro? Silêncio? Não era isso... Laila Eva estava acostumada demais com coisas piores... Com certeza era outra coisa... Algo impregnado nas paredes subterrâneas estava a incomodando...

Ouviu um farfalhar no fundo dos corredores.

Laila roçou a pistola de leve. No momento seguinte a arma estava nas mãos, atentas a qualquer movimento...

Ouviu um barulho.

Eram os oficiais da PS, polizia scientifica, para auxiliarem na pericia. Todos vestidos de uma bata branca, bordada com o símbolo da PS. Uma moça de cabelos encaracolados riu:

- O que você pensou que era, Laila?

Eva baixou a pistola e a guardou no coldre atrás do blazer.

- Vera... – Disse Laila – Que bom que você chegou – Disfarçando o momento constrangedor - Queria seu auxilio. Preciso ser informada sobre os detalhes da morte: força com a qual a vitima foi atravessada, hora da morte, etc. Verifique a fechadura do caixão, como ela foi feita. Há algo que não se encaixa... Mande para o meu e-mail os resultados.

A moça de cabelos encaracolados olhou para o caixão. Entortou os lábios.

- Esses policiais civis e seus arrombamentos... Como puderam quebrar a fechadura do caixão? Aposto que destruíram uma dúzia de provas com esse exagero – falou tudo muito rápido. Sua tranquilidade diante aquele corpo ensanguentado era espantosa. Vera suspirou- Mas tudo bem, Laila, pode deixar. Você acha que foi assassinato, não é? – riu-se – vou verificar se há digitais...

“Acho que a coisa que fez isso não costuma deixar digitais.” pensou Laila. Ela pediu emprestado um instrumento com luz negra e focou no solo perto do sarcófago. Nenhuma marca de sangue. Aproximou uma lente e com uma lanterna constatou que não havia sinais de tropeção. “Ele não caiu simplesmente”. Laila pensou durante uns segundos. Algo estava faltando... Olhou para cima... Então entendeu.

- Mais uma coisa, Vera... Aquela portinhola ali em cima, trancada. Quero que dê uma olhada... – Apontou Laila para uma minúscula porta no teto da sala.

- Está bem... – Respondeu Vera, um pouco confusa. “Queria saber como ela tem essas ideias tão rápidas” – Dois incidentes em igrejas logo daqui, Roma... – comentou Vera em voz alta – Já estou cansada...

Saindo as pressas da sala das relíquias, Laila deixou os oficiais vasculhando ao redor, a procura de evidências. A agente Eva saiu do subsolo, dirigindo-se a Sauro Betti, que estava no telefone próximo ao desenho de um leão. Quando ele avistou Laila, disse “um momento” para quem estava conversando no telefone.

- Agente Eva? – Sauro queria saber das novidades de Laila.

- Estou certa de que não foi um acidente. E... Preciso conversar com a irmã Marie Gonatti. – disse Laila, num tom misterioso. Sauro falou respondeu:

-Ela foi levada para a delegacia enquanto você estava lá em baixo...

- Irei para lá. É realmente importante...

- Certo... Não ficaremos por muito tempo aqui, acho que não há muito que fazer – Disse levemente decepcionado. Ele esperava uma resposta milagrosa de Laila Eva, mas hoje era diferente... Porém, ele sabia que ela não desistira. Sauro chamou um policial para levar Laila até a delegacia próxima de Trastevere

Ela saiu da basílica Santa Maria. Fora, um policial a indicou:

- Aquela viatura a levará, sinorita Eva. - Apontou para um carro azulado com sirenes estacionado na via Del Moro. A moça atravessou a praça da basílica, que estava um pouco mais calma e escurecida que antes. Entrou na viatura.

O rádio barulhento quebrava o silêncio entre Laila e o policial, mudo. Então carro começou a correr. Enquanto isso, Laila maquinava em sua cabeça sobre os fatos anteriores...

Havia acontecido um fato semelhante, porém na Basílica Santa Pudenziana, há uns dias atrás. Três de quatro ladrões arrombadores foram encontrados mortos por afogamento, apesar de não haver água suficiente para aquilo na igreja, além de ela estar totalmente trancada. Uma Sobrevivente havia fugido, se entregando pouco tempo depois, alegando fatos fantásticos envolvendo coisas sobrenaturais. Esse caso não teve muita repercussão na mídia, porém o de Trastevere seria diferente. O padre Palolo era uma figura conhecida publicamente... Sua família era muito tradicional em Roma. Laila acompanhara de perto o caso em Santa Pudenziana, porém ele ficou com muitos vácuos. No fim, tiveram que arquivá-lo. O caso de Trastevere – Laila sabia de algum modo – seria a chave que faltava para o em Pudenziana. Descobriria essa chave às três horas da madrugada. Sozinha, poderia agir. Antes disso precisava fazer algumas perguntas à irmã Marie Gonatti.

Já eram por volta das nove e meia da noite quando Laila desceu da viatura policial e se dirigiu a uma Delegacia modesta próxima à Trastevere. O clima noctívago e silencioso aumentava com o entardecer das horas. O silêncio da rua tornava tudo um tanto ermo, somado as luzes amareladas do poste de iluminação. A delegacia era de desenho moderno, com paredes altas e poucas janelas. Laila atravessou o portão, fechando o blazer quando foi assolada por um sopro frio.

A delegacia por dentro era muito branca, iluminada. Laila tratou de mostrar o distintivo para uma moça no balcão. Passou do hall para um lugar mais amplos, cheio de cabines de atendentes. Recebiam algumas poucas ligações e havia um raro entra e sai de oficiais. Aproximou-se de um homem engravatado que parecia ser de autoridade maior na delegacia.

- Sou Laila Eva, investigadora – mostrou o distintivo – estou no caso da basílica de Trastevere, por ordem de Sauro Betti...

O homem de cabelos marrons apertou as mãos de Laila olhando em seus olhos.

- Ah, sim, senorita Eva – sorrindo exageradamente - sou Fernando Senna, inspetor local. Betti avisou da sua visita... – Senna coçou o nariz – Você iria falar com a testemunha, não? Temo que não seja possível. Ela foi liberada... A freira Marie estava muito chocada e não falava coisa com coisa...

- Sim, entendo... – Laila pensou um pouco. – Senhore Senna, o senhore disse que a irmã Marie Gonatti... Poderia me dizer o que ela falou?

Senna a fitou, num dilema pessoal visível. Finalmente falou:

- Veja, senorita, a irmã estava chocada demais para...

- Senhore, gostaria de saber assim mesmo – num tom duro, Laila insistiu. Fernando Senna cedeu:

- A irmã Gonnatti dizia a todo momento sobre um tipo de “livro”. E dizia que alguma coisa estava impregnada no subsolo de Santa Maria... E que haveria mais vitimas. Claro, senorita Eva, que nós não iriamos acreditar em...

- Grazie, senhor Senna. Buena Sera – Laila virou-se, saindo da delegacia.

Caminhando pela Rua Agostino Bertani, um pouco mais a frente avistou um prédio muito largo, o Hotel Trastevere. Muito elegante, era coberto de tijolos alaranjados com janelas grandes espaçadas organizadamente. “Preciso descansar um pouco até às três horas”. Entrou por uma porta retangular de vidro. Por dentro era mais elegante ainda, com móveis clássicos e lustrosos, completando a arquitetura formal de Roma. A recepcionista mostrou os quartos disponíveis. Laila escolheu um discreto do ultimo andar, que tinha poucos vizinhos. Pagou adiantado. Utilizando o elevador, chegou a seus aposentos. Encontrou a sua porta, destrancando-a com a chave que a recepcionista a entregou. O Quarto era amplo, ventilado e iluminadamente aconchegante. As cores eram finas, combinando com o clima do local. Ela seguiu para uma longa janela retangular.

O céu estava lindo, negro perfurado pela lua cheia. A paisagem era magnífica das casas até o fim do horizonte. Laila pegou o celular, programou um alarme para acordá-la às duas e trinta. Em seguida pôs para tocar “Dust in the wind” em cima do criado-mudo, num volume baixo. Deitou-se.

Ela teria que acordar mais tarde tentar descobrir o que realmente estava acontecendo naquelas igrejas. Sua nonna Zora a incumbira dessa nova tarefa. Laila não podia decepcioná-la. Por que não podia...? Pensando em sua mãe... Cabelos e olhos negros, linda... Seu pai, Ruivo, olhos muito azuis. “Laila, Cendyl... Vocês são especiais... Vocês tem um grande futuro...” Um grito... Sua mãe gritava alto...

Despertou sobressaltada com o som do alarme do celular apitando. Levantou-se e desligou-o, fazendo careta para a luz fortíssima do teto. Duas e trinta: Já estava na hora de ir. “Vamos ver o que anda vagando por aquela basílica”

Victor Yomika e Emylly Caldas
Enviado por Victor Yomika em 25/05/2013
Código do texto: T4308670
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