Carozy

As ruas eram escuras e alimentavam o ar com um odor de urina misturado em um caldeirão de sensações perversas e egoístas. Pessoas caminhavam de um lado para outro, apressadas e com os olhos fixos como se fossem controladas por cordas que as puxavam em direção a vidas monótonas e sem emoção.

Viviam apenas por viver.

No meio daquela correria sob a luz do luar, um homem escondia-se de todos. Na frente de suas pernas frágeis e sujas um pequeno boné encontrava-se com a abertura virada para cima. Esperava conseguir algum dinheiro para fazer a primeira refeição do dia.

Apenas algumas moedas descansavam sob o algodão e, foi no badalar da meia noite que o mendigo resolveu tentar se levantar. Não conseguiu.

O corpo sujo e fraco já não tinha mais força para realizar nenhuma ação. Resolveu deixar de lutar e esperar pelo corte da foice.

A morte com certeza não tardaria a chegar.

A chuva começou fraca, mas foi se intensificando com o passar do tempo ele abriu a boca e sentiu as gotas de água descerem por sua garganta seca. A sensação era de que pedras de fogo rolavam por dentro de seu corpo. Por Deus, como ardem!

Deus? Não acreditava naquilo. Achava que os Ateus estavam certos em afirmar que Deus não era nada mais do que o maior conto de fadas já criado pelo homem. Foi só depois que a ardência já havia passado que ele escutou alguns passos. O som foi se tornando cada vez mais próximo e logo palavras foram proferidas.

-Está com fome, João? Perguntou uma voz masculina.

O mendigo não respondeu, não tinha mais forças para falar. Foi só depois que o homem agachou ao seu lado que a sua boca emitiu uma resposta.

-Como sabe meu nome?

-Ah, eu conheço você há muito tempo, sei de cada detalhe de sua história. O famoso corretor acabou cedendo ao vicio e jogos e virou morador de rua. Bem típico...

-Se veio me humilhar saiba que já não tenho mais orgulho para ser ferido.

-Não, meu caro, não vim lhe humilhar. Vim para lhe dar uma oportunidade, uma oportunidade de se vingar todos aqueles que lhe enganaram nas partidas.

-Como assim? Perguntou o homem, curioso.

-Estou lhe dando a chance de se vingar de todos aqueles que você tem raiva. Mas antes você deve me dar uma coisa.

-O quê?

-Sua alma.

-O que você é, um Demônio? A ironia podia ser notada no tom de voz.

-Eu já tive muitos nomes, Anjo, Deus. .mas o da moda é demônio mesmo.

A gargalhada de João ecoou por toda a rua, fazia anos que não tinha sentido tanta graça em uma única frase.

-Do que está rindo?

-Está chovendo e um louco veio me dizer que é um demônio. Vá para casa e me deixe morrer em paz!

-Se não acredita que sou o que digo que sou.. Vá em frente, faça o trato! Sua alma pela morte daqueles que lhe fizeram mau.

-Se eu disser sim, você vai embora?

-E nunca mais voltarei.

-Sim.

-Está feito. Disse o ser, enquanto levantava-se e era envolvido por uma nuvem negra desaparecendo logo em seguida.

Antes que o humano esboçasse qualquer reação, foi tomado por uma dor exorbitante. Seus ossos iniciaram um crescimento acelerado ao passo de que seus músculos esticavam-se como se fossem feitos de borracha.

Em questão de segundos o pelo havia recoberto seu corpo e as feições caninas estavam formadas. Agora já não pensava, apenas sentia.

O sabor de seu próprio sangue misturava-se com a saliva e desciam por sua garganta, alimentando o estômago. Mas ele queria mais, muito mais!

Naquela noite saciaria sua fome.

Rayan Fernandes
Enviado por Rayan Fernandes em 18/05/2013
Código do texto: T4297184
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.