NINGUÉM ME ACOMPANHA EM MEU DELÍRIO

Agora sou o último dos humanos. E ninguém me acompanha em meu Delírio. Cheguei ao limiar dos limiares e vejo a Morte. Jamais me esquecerei daquele beijo doce e fatal que Ela deixou em meus lábios quando nasci. Jamais me esquecerei daquele selo roxo e imortal que Ela deixou em minha testa enquanto vivi. Agora sim sou eu. E como era belo aquele anjo, que beleza fantástica e sublime! E como eram negras as vestes daquele anjo, que treva profunda o envolvia... E que luz partia de seus olhos. Tranqüila luz violeta de celestiais tristezas... E como era belo aquele anjo... e que sopro frio partia de suas asas quando ele as batia. Um aroma de incensos de rosas invadia minhas narinas, e naquele perfume estava inscrita a palavra “Destino” em trágicas letras. Como eu poderia esquecer...

Estou só. Cosmicamente só. E ninguém me acompanha em meu Delírio. Porque não há nada mais a ser feito. Em breve todos saberão qual a minha última esperança e o meu último desejo... Uma noite larga, fria, escura e imensa envolve-me por todos os sonhos de minha alma. Que asas possuem meu sonho, como voam longe agora. Longe... Meu Deus! Tão longe...

Aquele ser lá no alto, sob o sangue da lua, é meu sonho. É tão estranho, tão esquisito, tão distante... Ninguém nunca o viu. Tem olhos de coruja, vôo de corvo e canto de cisne. Meu sonho está só, ninguém nunca o viu.

Ninguém ao meu lado. Não há ninguém ao meu redor. Ninguém me acompanha em meu Delírio. Quem toca o violino é uma louca. Quem canto o poema é uma bruxa. Quem me olha no olho é uma diaba. Quem me olha é uma diaba... Vejo sangue por todos os lados, é o sangue da lua, é o preço que devo pagar... Ela menstrua... O sol se pôs e chorando goteja no horizonte. Havia tanta tristeza no sol, havia tanta tragédia, meu Deus! Havia tanta desgraça!

Havia tanta Saudade, tanta... E eu sei que é tarde. É tarde. É muito tarde. Sopra na noite o furacão do incêndio da minha inspiração e o choro do sol foi funesto demais. Já não posso te amar. Uma coisa subiu dos mares naquela hora aziaga, e brotava uma doença em seus olhos. Acenou-me com a mão, parecia uma caveira, mas não era caveira. Tudo o que é lúgubre então voou nos céus, e de seu rosto medonho valsaram os maus-presságios...

Em breve saberão de minha última esperança e de meu último desejo... Nas margens do lago noturno apareceram os vultos tristonhos. Olhavam e choravam. Fantasmas de tempos tão idos, canhestramente longínquos. Havia um sofrimento insuportável em seus olhares, queriam dizer-me algo em desespero. Então compreendi: não havia ninguém ao meu lado. Foi quando “um urubu pousou na minha sorte”, foi o que disse Augusto dos Anjos. Dos Anjos... Isso me recorda de algo...

Ouço o lamento dos sapos, grunhidos de funda morbidez. Meu Deus, eu preciso dormir, dormir e descansar-me, e deixar que o Esquecimento tome lúgubre conta de mim. Vou deitar sobre minha paixão até asfixiá-la. Por que devo existir? Que deixem os sapos cantarem, eles também simbolizam a Morte.

Aqueles fantasmas no lago são os vultos da desilusão. Enquanto murmuram cantigas de velório, os fúnebres sinais da tempestade em trovoadas e relâmpagos gemem ao longe. A noite torna-se um breu. Um cavalo espia pela janela. Ouço um tropel cabalístico que se aproxima rápido. Há alguma espécie agourentamente rápida de marcha mortuária cavalgando em minha direção. E eu devo recebê-la. Pois não há ninguém ao meu lado e ninguém me acompanha em meu Delírio. A tensão sobrenatural cresce e recresce trágica pelos ares densos e carregados. Nevoeiros e neblinas de fatalidade perpassam etericamente...

Pelas atmosferas animicamente febris e carregadas pairam corvos e abutres trazendo cartas no bico. Caem pombas mortas das tenebrosas nuvens. A tensão do ambiente intensifica-se de uma forma alarmante e num galope insano aproxima-se A Tempestade! Um irônico gargalhar de defunto violina ao longe. Alguns seres solitários e estranhos tocam trombetas. E ninguém me acompanha em meu Delírio. A marcha em loucura recresce seu som e brada mais perto, mais perto... Não sei que som é este, mas é uma sentença terrível. Um cavalo em pesadelo espia pela porta. Eu não queria escrever isto que escrevo. Mas devo cumprir as ordens do Destino. Flutua no ar denso e antigo uma ária desolada de flauta...

Um medo em temor cósmico domina todo o ambiente. Um clima de ameaça e pesar em beijos sangrentos enfebrece os espaços lutulentos. Uma doentia e insalubre luz escarlate refulgiu ao longe. Uma grave voz em crise soou meu nome pelo pesadelo dos meus sonhos desesperados. Meus sonhos suicidam-me. Meu último desejo e minha última esperança estão no Além do Fim.

Alessandro Reiffer
Enviado por Alessandro Reiffer em 29/03/2007
Código do texto: T429643