O Feto da Bruxa
Impelido pelo frio cortante, Ronald estalou o chicote no dorso de seu cavalo. O animal apertou o passo na grossa camada de neve.
Ronald já viajava a três dias e seus pensamentos eram sombrios. Recebera um telegrama na taberna onde estava instalado que pouco explicava o que tinha acontecido com sua família. As letras ainda martelavam em sua cabeça.
VENHA URGENTE. SUA FAMILIA CORRE GRANDE PERIGO
Mil coisas passavam por sua cabeça. Talvez os índios tenham invadido a cidade de Salem e fizeram sua família de prisioneiros.
Saiu da cidade de Salem deixando sua esposa Elizabeth e seus dois filhos, Jonathan de nove anos e Joana de seis. Rasgou a sorte para resolver problemas de sua pequena empresa de barcos.
O cansaço era visível, temia pelo animal, mais não podia parar mais que o necessário.
Entrou na cidade no final daquele mesmo dia e foi direto até sua casa, mas a encontrou fechada. Resolveu contornar pelos fundos e forçou uma janela que sabia que não era muito segura.
A casa estava em perfeita ordem, em cima da mesa uma fornada de pão de centeio que dava mostras de mofo. Depois de certificar-se que não tinha ninguém na casa, deu a volta e saiu a procura de noticias.
A cidade já estava as escuras, ao longe avistou a luz dos lampiões que iluminavam a taberna de Josué, seu compadre e amigo que lhe enviou o telegrama.
Mais uma vez castigou seu cavalo, prometendo ao mesmo que logo ele teria seu descanso merecido.
A taberna estava quase vazia, ao fundo por traz do balcão ele avistou seu amigo limpando uma sujeira imaginaria em um copo, que ao velo, soltou em cima do balcão e veio ao seu encontro.
- O que há de errado? - Perguntou Ronald receoso da resposta enquanto abraçava seu amigo.
- Coisas horríveis vem acontecendo em Salem, a divina providencia quase não o traz a tempo, estava aflito que chegasse tarde!
- Algo errado com meus filhos?! – Indagou assustado
- Não, não são as crianças, eles estão a salvo. É sua esposa, Elizabeth. Ela esta presa a mais de cinco meses acusada de bruxaria. Peço que me perdoe por ser o portador de tão mal noticia...
- Bruxaria? Isso é um absurdo! Elizabeth não é nenhuma bruxa!
- Sei disso, mas há um verdadeiro furor de bruxaria nesta cidade, desde que você saiu em viagem. Quase quarenta pessoas foram acusadas. Já houve até uma execução.
- Mas o que causou isso?
- Algumas mulheres, em sua maioria jovens, vem sofrendo de forma muito penosa.
- Você já presenciou algum desses ataques?
- Sim, a cidade inteira já viu. Na verdade é triste de se ver...
- E Elizabeth? Também teve esse ataque em publico?
- Pior meu amigo, muito pior, mais sobre isso eu gostaria que você ouvisse da própria Elizabeth, a excursão dela estar marcada para amanhã a tarde, conseguir com o Juiz uma visita sua para hoje a noite, por isso temia que não chegasse a tempo.
No topo da escadaria de pedras, o cárcere acendeu uma vela e começaram a descida para a pior área da prisão. O fedor era insuportável, os muitos prisioneiros estavam acorrentados a ganchos que cercava todas as paredes frias.
A luz de vela quase não conseguiu reconhecer sua esposa.
- Que bom que você voltou! - Disse uma Elizabeth que aparentemente tinha envelhecido uns 20 anos nesses últimos seis meses - Agora não preciso mais me preocupar com as crianças...
- Escute meu amor, falarei com quem necessário for, mais tirarei você daqui, diz amor! Porque te acusam de bruxaria?
Quase sem forças, ela simplesmente alcançou sua mão e disse.
- Vai Ronald, vai e cuida das crianças, já não há mais esperanças para mim.
- Vou sim! Vou agora, mais volto o mais rápido para lhe tirar daqui!
Saiu dali disposto a provar que sua esposa não era nenhuma bruxa, montando em seu cavalo foi direto a casa do juiz.
Depois dos cumprimentos de rotina foi direto ao assunto.
- Meritíssimo, o senhor não pode julgar minha esposa como bruxa baseado em testemunhos de algumas beatas que não tem o que fazer.
- Sinto muito Sr. Ronald, mais sua esposa foi condenada não por testemunhos de algumas pessoas e sim por ter sido encontrado em sua casa, provas de que ela pratica bruxaria e pior, tem uma intimidade direta com o tinhoso.
- Mais que provas são essas?
- Procure dona Marina, a esposa do medico, ela vai saber lhe explicar tudo.
Ronald sabia que não podia perder tempo, ele provava a inocência de Elizabeth ou a excursão seria proferida no dia seguinte.
Dona Marina já o esperava, sabia que o juiz não ia ter coragem de contar a verdade sobre as provas. Depois de recebê-lo em sua sala ao lado do esposo, começou seu relato.
- Fui fazer uma visita a Elizabeth uma tarde logo depois que o senhor viajou, sabia que ela estava sozinha com as crianças então resolvi tomar um chá com ela. Quando cheguei, ela me recebeu com alegria e ficamos a conversar. Até que percebi que suas crianças brincavam com uma tigela com agua e alguns ovos, quando perguntei o que faziam, ela respondeu que era só uma brincadeira de adivinhação que ela aprendeu com a mãe e ensinou aos filhos. Fiquei horrorizada, aquilo era magia branca e a igreja diz que a magia branca puxa a magia negra. Mesmo argumentado isso ela se fez irredutível e falou que a igreja nem sempre sabia de tudo, claro que aquilo era uma heresia! Deixei ela assando alguns pães e me despedi as presas, fui direto a igreja e conversei com o padre que me acompanhou até o juiz onde relatei o acontecido. Se fosse só isso ela poderia pedir perdão sei lá, mais quando a policia invadiu sua casa a procura de qualquer coisa que mostrasse que ela praticava a magia negra, a surpresa foi grande. Enfileirada em uma estante estava vários bonecos feitos feito de madeira e em um especificamente tinha uma agulha atravessada na cabeça.
- Mas Elizabeth sempre fabricou esse bonecos, ela costumava distribuir com as crianças carente do vilarejo, vocês sabem que agulhas é um material raro aqui, por isso ela sempre deixava enfiadas nos bonecos.
- Calma Ronald - Tomou a palavra o medico - Eu tenho aqui a prova que levou Elizabeth aquela masmorra e com certeza a fogueira amanhã.
- Que malditas provas são essas afinal? - Gritou exaltado.
- Me acompanhe.
Segui o medico até seu consultório e laboratório, de uma estante ele tirou um frasco transparente e dentro afogado em formol tinha um feto em formato de mostro onde devia ter sobrancelhas tinha uma saliência que indicava pontas, onde devia ser os olhos, apenas dois buracos de pretos, e onde devia ser as mãos apenas dois dedos em formatos de garras.
- Chega ! - Gritou Ronald - você não quer que eu acredite que isso foi encontrado em minha casa, não é?
- Não só temos certeza como ela confessou que isso aqui é fruto de um aborto que sofreu dias depois que você viajou.
A execução se daria dali a poucas horas, Ronald não queria acreditar que sua Elizabeth era uma aliada do diabo, mais todas as provas estavam contra ela. Ainda cruzou seu olhar com o dela quando a fogueira foi acessa, tapou seus ouvidos para não ouvir seus gritos enquanto as chamas a consumia.
Deu as costas a Salem naquela mesma tarde, depois de deixar seus filhos acomodados na casa paroquial com a promessa de que iria a procura de respostas.