"a festa do além"

Um caso bizarro, muito esquisito e que até hoje sem explicação. Na cidade de Claros Montes, conheci um militar, sargento Servo, profissional respeitado e dedicado; fez da profissão uma forma de viver, calcada nos princípios da disciplina, moral, organização e bons costumes. Tendo como exemplo vivo de honradez e seriedade pelos seus comandados. Nos momentos de laser – folga – sempre curtiu a vida de solteirão da melhor maneira possível, aproveitando ao máximo da “grana” e das regalias obtidas do cargo que ocupava aquela altura e “curtiu” bastante... Naquela época, o carro da moda era “Brasília” – é como se fosse hoje um Golf - ainda hoje me lembro dela: “novinha em folha”, na cor creme. Era louco para dar uma “voltinha”, mas a distância – padrão de vida – era muito grande e inconteste. “Era meu sonho”! Mas enfim... Meu irmão, amigo do Sargentão, usufruiu muito dos benefícios da Brasília.

Certa tardezinha, quando deslocava-se para o quartel – batalhão – para entrar de serviço; som ligado – fita cassete, diga-se de passagem, dava problema demais; embolava e aí “já era” – ouvindo Raul Seixas; todo tranquilão, o “bonitão da balaxita” lá ía – óculos Ray-Ban na cara, fardado e engomado. Ao atingir certa altura do trajeto, displicentemente olha pela janela e vê uma mulher parada no acostamento da BR - Perto do Posto de Gasolina Mineirão – dando sinal para ele parar o carro. Tão logo parou, ela aproximou sorrindo solicitou uma carona. O militar indeciso se concedia a sua entrada ou não no veículo, correu os olhos na “digníssima”, vestida com um vestido vermelho, botas pretas longas, acima dos joelhos e cabelos esvoaçantes, chamou sua atenção; que até então, não havia dado carona a ninguém. De dentro do carro mesmo, puxou a maçaneta e abriu a porta, confirmando com um gesto de cabeça a sua entrada. Ao entrar, ele pergunta a ela: “prá onde você está indo? O que faz aqui nesse lugar”? A mulher, com sorriso rasgado nos lábios, olha-o bem nos olhos e arrisca uma brincadeira: “E você? Onde vai assim”? O Sargentão, todo glamoroso e “se achando a última bolacha do pacote”, apenas dá de ombros dizendo: “Onde posso te levar”? Ela ainda sorrindo, pernas torneadas e bronzeadas, aponta para a direção a ser transcorrida. O militar acelera o carro, esquece da vida, dos riscos e sái com a mente “safada” pensando: “Me dei bem”! Percorreram uma distância boa e antes que perguntasse onde ficava o local; ela disparou: ”Ah! Esqueci de dizer a você; meu nome é Flora; estou indo para uma festa e agora está convidado”. Continuou: “Não falta muito para chegar-mos ao local; você vai gostar”! O Sargentão impressionado, somente acena com a cabeça e logo em seguida ela diz a ele para entrar na próxima estrada a esquerda. Uma estradinha vicinal... só mato, de um lado e do outro. Alguns metros e ela aponta dizendo: ”É logo alí. Está vendo”? Ao aproximar, viu que se tratava de uma festa de candomblé; muita gente de branco, muita vela acesa; n ´um lado, vários veículos estacionados. Aproveitou uma vaga e estacionando o seu, perguntou para a mulher: “Ué! Você conhece esse povo todo”? Ela respondeu apenas com um: “Hã, hã...”! E desceram do carro. Encaminharam até os organizadores da festa e foi apresentado a todos. Naquele instante, foi-lhes servido bebidas, comeu farofa e mais tarde quando já estava “molhado” na cachaça, bateu tambor e dançou... Não dá para acreditar, um homem sério e introvertido, fazendo o que fez! Altas horas e o cansaço começa a chegar... Chamou a “moça” e dizendo a ela: “Ola! Vou descansar um pouquinho ali no carro e na hora que você resolver ir, tô lá”! Ela, sempre sorrindo, concorda e ele vai em direção da “Brasília Creme”! Alguns passos, para, olha para trás e ainda vê aquela gente toda de branco em círculo, dançando; o tambor, não parava; cantos, luzes de velas... Equilibrou o corpo, aprumou e foi... Deu dificuldade para conseguir enfiar a chave na fechadura da porta; algumas tentativas... até conseguiu abriu a porta e entrar. Reclinou o banco e jogou a cabeça para um lado, “bebum” e uniformizado, dormindo, apagou... Pela manhã, bem cedinho, o sol preguiçoso ainda, sorria seus primeiros raios e ele com gosto de “guarda-chuva” na boca, o Sargentão acorda meio fora do ar, com um olho fechado e outro entreaberto, procura a mulher e não a acha; abaixa o vidro e olha para fora buscando ver a “linda mulher”. Não a vê; pois lá não está! Passa a mão no rosto, afirma as vistas e não vendo a presença de ninguém; franze a testa e abre a porta do carro, saindo em direção onde estavam dançando. Andou alguns metros e parando no local exato onde jurava ter acontecido a festa, olha para um lado, para o outro e nada. Verifica no chão se havia vestígios de festa: copos, talheres, comida espalhada pelo chão, garrafas e nada! Vai em direção onde os veículos ficaram estacionados a conferir rastros de pneus e mais impressionado ficou, pois não havia sinal algum... Perfilado com as mãos na cintura, não acreditava naquilo; o que estava acontecendo... Falou para si mesmo: “Não acredito! Dei uma carona para uma mulher que não existe; vim até a um terreiro – local onde se pratica rituais de candomblé -; bebi, comi, dancei e até bati tambor; quando acordei, não tinha nenhum vestígio de farra, uma pista sequer que tivesse tido uma festa. Como pode”? Paralisou-se... Depois, saiu devagar, em passos lentos, todo arrepiado, entrou na “Brasília Creme” e acelerou dali. Ainda arriscou dá uma olhada pelo retrovisor interno do veículo para conferir e se mandou... Descontrolado, não achava a estrada de volta; percorreu várias estradinhas e ficando perdido por um tempão; até que conseguiu achar a saída. No caminho que percorreu até o batalhão, estava pensativo, indagando o que acontecera, quem era aquele povo... Chegando ao batalhão, fez seu asseio corporal e apresentou-se ao capitão superior hierárquico. Resolveu sua situação na caserna e após o expediente daquele dia, desceu para o centro da cidade onde encontrou com colegas, tomou uns tragos e criou coragem para contar o que havia acontecido na noite anterior. Até hoje, quando alguém toca no assunto, ele arrepia o corpo e balançando a cabeça diz logo: “Não sei o que foi aquilo! Não tem explicação”! ... e muda de assunto!

Nota: A mulher sorridente, não se teve notícias nunca mais; o Sargentão “bom da boca”, hoje casado com minha irmã e sofre com a gozação; quando passeia de carro com a esposa e sem querer olha para o lado e coincidentemente está passando uma mulher, ela logo diz: “Ôh, cuidado! Esqueceu da lindona”? Ele, com um sorriso amarelo, desconversa, concentrando na direção do veículo. Cuidado com as mulheres sorridentes demais e pedindo carona; tu podes ser a próxima vítima!