O 3° Quarto
´´Essa será a madrugada mais fria do ano, com temperaturas variando entre 13° e 08° graus. Para esquentar essa sua madrugada, fique com a gente, rádio Bahia fm. Horário certo, 3:23 da manhã... Fiquem agora com Roberto Carlos; Nossa Senhora...´´
Saía da rodovia de Minas e já adentrava Bahia, como me revelava a velha antena do rádio do meu Chevette 72. Garoava nesse momento. A valentia do meu Chevette, era vencida pouco a pouco pela falta de gasolina.
As gotas de chuvas meio esverdeadas no pára brisas, revelavam bem a frente, O Recanto da Pamonha, com um pequeno hotel ao lado. Ótimo para passar o fim dessa noite.
Estacionei meu carro, e adentrei o o restaurante. Havia uma pessoa dormindo em uma mesinha perto do balcão, uma senhorinha faxineira já colocava as cadeiras sobre as mesas limpando o chão. Um senhor alto, com um bigode falhado, contava as poucas notas que estavam nas suas mãos. Me olhava com indiferença e desprezo.
-No momento não temos pamonhas nem suco de milho, só temos café. Disse-me em tom autoritário.
-Tudo bem senhor. Aceito um café, mas gostaria mesmo de um lugar pra dormir. Vi que ao lado tem um pequeno hotel. É do senhor? Respondi.
-Sim claro, me acompanhe. Tens sorte, há um quarto vago. Disse-me pegando um molho de chaves atrás de um velho quadro.
Havia somente 5 quartos naquele hotel, foi me explicando o senhor de bigode. O primeiro quarto estava já ocupado pelos gatos de sua mãe, que por sinal eram bem mais do que me dissera no caminho. Os gatos e seus malditos olhares que encaram o medo. Odeio gatos.
O segundo, estava ocupado por um casal de idosos que permanecem há 2 anos ali. O terceiro estava trancado e não quis me dizer o motivo. Disse-me apenas para ficar longe daquele quarto. O quarto era o dele, e finalmente fui apresentado ao meu quarto.
Era um quarto bem mal cuidado, mas pelo preço, valia a pena. Fui ao meu carro pegar um cobertor. O acaso mais estranho dessa minha ida ao carro foi que, no banco traseiro estavam dormindo dois gatos. Com meus gritos, foram sumindo naquela garoa escura.
A cama era dura o bastante para ser confundida com o chão. A descarga não funcionava e o cheiro de urina era o sabor do ar. Fazia uns -10 ° com certeza, nunca sentira tanto frio em minha vida. Apenas o nariz, desafiava sair de dentro das cobertas.
Toc, toc, toc, incansavelmente batiam minha porta. Foi uma tortura, mas levantei-me.
-Moço, tem como o senhor tirar uns gatos que estão mordendo meu marido? Disse-me a senhora que ´morava´no segundo quarto.
Achei tudo aquilo muito estranho, e confesso, senti um calafrio intenso na espinha. E não era por causa do frio.
Ao chegar no quarto, o senhor estava deitado na cama. Seus pés estavam sujos de sangue, e procurava demasiadamente o cobertor. O gato saia do meu lado, com sangue na boca, me esnobando.
Fiz um curativo no senhor e fui falar com o dono.
Estava fechado já o Recanto da Pamonha.
O meu relógio de pulso marcava ainda 03:42 da manhã. Impossível. Deve ter travado.
Voltei ao meu quarto, ao deitar, senti algo nas minhas costas. Com um solavanco de medo, o gato pulou me arranhando. Dei um chute nele, e o pus pra fora. Estava impossível dormir ali, pensei fechando a porta.
Quando virei-me a minha cama, tinham muitos gatos ali. Realmente agora estava sentindo medo, tranquei a porta e fiquei do lado de fora. Respirando fundo.
Decidi ir embora dali de qualquer jeito. Fui passar antes no quarto dos idosos, saber como estava os pés do senhor. Ao abrir a porta, ficou gravada em minha mente algo que nunca esquecerei. A cama toda ensanguentada, muitos gatos devoravam ambos. Uma cena macabra.
Corri pro meu carro. Um cheiro forte de café contrastava com o cheiro de sangue.
Saí em disparada. Encostei no primeiro posto policial que encontrei. Estava muito nervoso, mal acreditavam em mim aqueles policiais. Passei o resto da noite na delegacia. De manhã, fomos ao destino informado. Era sonho? Não havia nenhum Recanto da Pamonha ali, somente um restaurante do Frango Frito. Era insanidade isso, queriam até me prender por falso testemunho.
Com pensamentos conflitantes, cheguei ao meu destino.
´´Hoje é o dia de praia, o que era frio nas noites anteriores, transformou-se numa linda tarde sol quente aqui em Itacaré, aproveite ao som de Bahia fm, sempre com você´´
-Tira dessa rádio Sérgio. Coloca essa fita que maínha me deu, é da Elis Regina. Bora, já ta chegando pra praia. Tu veio passar as férias aqui, mas vai me da esse Chevette pra eu neh? Falava sem parar esse meu primo Kléber.
Desculpe não ter me apresentado, meu nome é Sérgio.
Estacionei meu Chevette e descemos correndo as areias quentes da praia de Itacaré. Já havia esquecido a noite retrasada.
-Oxente Sérgio, tu brigou com os gato foi? Que arranhadura da bixiga é essa nas tuas costas?
Pavor. Medo. Um filme na mente. Os idosos. O gato em minhas costas.O pulo. Minha cabeça pairava no ar.
-O que havia no 3° Quarto Sérgio?