A história de Jack

Aquele sábado foi perfeito. Foi quando o encontrei. Estava lá exposto junto com outros similares numa vitrine de uma pequena lojinha quase imperceptível em uma rua de pouco movimento.

Era perfeito. Na verdade nem havia imaginado um amigo como ele. Mas quando o encontrei, não teve jeito, precisava levá-lo para casa.

E para falar a verdade também nunca havia passado por aquela rua e muito menos visto aquela loja, mas na empolgação do momento nem notei esses detalhes.

Pois bem, fui para casa radiante, coloquei Jack na minha estante de livros.

Puxa, que falha a minha, nem apresentei o Jack, ele é uma réplica de um crânio em tamanho natural, mas tão perfeito que parece de verdade. Muitas pessoas acham que é mesmo real.

E às vezes nem desminto, deixo que acreditem ser real.

Jack ficou lá, todo pomposo junto aos livros. Era um companheiro ideal. Não me enchia o saco. Não discordava de minhas opiniões. Uma maravilha.

Como vivo sozinho, uma senhora se encarrega de 3 vezes por semana, dar uma boa limpada em minha casa, que apesar de pequena, vive sempre desarrumada.

E percebi que em alguns dias que ela fazia a arrumação, deixava o Jack sempre em outros lugares, algumas vezes o encontrei sobre o sofá, outras vezes dentro de armários, e até no chão atrás da porta cheguei a encontrá-lo. Nunca comentei com ela sobre isso, mas sempre o colocava de volta junto aos meus livros, a maioria de terror ou suspense.

Em uma quinta feira cheguei um pouco mais tarde do trabalho e quando entro na sala, quase tropeço no Jack. Estava bem em frente à porta olhando para frente como se quisesse sair.

Peguei-o e o coloquei de volta ao seu lugar de sempre.

Ele ficou lá. Tranquilo. Inerte. Como sempre. E assim é que tinha de ser.

Tomei um banho e fui para a cozinha, preparar algo para comer e depois cair na cama.

Quando me sentei para jantar me veio algo em minha mente, era quinta feira e a senhora que limpava minha casa só vinha nas segundas, quartas e sextas.

Comecei a pensar, se ela não veio hoje e se ontem eu o havia deixado sobre a estante, como ele estava em frente à porta da sala.?

Não queria imaginar besteira, mas era impossível controlar minha imaginação.

Comecei a rir sozinho, impossível, Jack era apenas um crânio de resina, sem vida própria.

Mas mesmo assim, senti um certo desconforto, como ele teria ido parar lá????

Para meu alívio me lembrei que a senhora de que falei tinha as chaves, e provavelmente havia passado lá por algum motivo, feito a limpeza e deixado Jack lá no cão da sala, como sempre fazia.

Dormi tranquilo, pelo menos até o meio da madrugada, quando ouvi alguns sons estranhos, parecendo alguém resmungando, gemendo e fazendo sabe-se lá o que.

Parecia vir da sala, outras vezes parecia vir do lado de fora, mas a verdade é que me assustou de verdade.

Pela manhã, antes que eu me levantasse, a senhora já estava entrando em minha casa e dando bom dia.

Aproveitei para perguntar se ela havia passado em minha casa no dia anterior.

Ela me respondeu rispidamente que seus dias eram segundas, quartas e sextas e que pelo que estava pagando, estava passando dias até demais.

Aproveitei para fazer minha reclamação aos seus modos de tratar o Jack, sempre o deixando em qualquer lugar.

A senhora me olhou com os olhos arregalados e disse que tinha até medo de chegar perto daquela coisa, muito menos tirar ele de lugar e deixar jogado.

Senti um arrepio subir pela minha espinha até chegar à minha cabeça deixando meus cabelos em pé.

Ela perguntou se eu estava bem. Respondi que sim.

Mas não, não estava, se ela não mudava Jack de lugar, que o fazia???

Não comentamos mais sobre o assunto e saí para trabalhar. Meu dia foi péssimo. Aquela situação toda não saia de minha cabeça. Se ela não o tirava de lá, então quem fazia isso?????

A partir desse dia comecei a sentir medo do Jack, ele parecia me observar, a me seguir com os olhos e continuou a mudar sempre de lugares. Eu chegava e o colocava novamente na estante.

Os sons noturnos começaram a ser mais constantes. E mais audíveis também.

Pensei até em dar um sumiço no Jack, mas por incrível que parece me senti ligado a ele e não tive coragem, apesar do medo que ele me dava.

Um dia quando cheguei e o encontrei no sofá, ao pegá-lo senti um cheiro de sangue seco, algo estranho, um odor de morte, tipo quando vamos a um velório.

Percebi que ele tinha uma textura diferente. Quase o joguei ao chão. Mas o coloquei na estante de volta.

Nessa noite, tive pesadelos terríveis. Jack era o foco dos pesadelos.

Me encontrava em um cemitério, andando por entre túmulos, a esmo, era noite e eu levava uma lanterna em uma mão e uma sacola na outra. Não sabia o que havia na sacola, mas alguém me perseguia pois eu olhava sempre para trás, e estava apavorado. E por mais rápido que eu caminhasse nunca chegava ao portão, parecia um interminável labirinto.

Sentia que alguém se aproximava, ouvia seus passos trôpegos e rápidos, tinha medo de olhar.

De repente tropeço e caiu, minha lanterna se apaga, mas a sacola continua presa em minha mão. Apenas a luz da lua ilumina o cemitério. Tomo coragem e me viro para ver quem me segue. Um grito tenta sair de minha boca, mas fica preso na garganta. O medo toma conta de mim ao ver quem me perseguia.

Uma criatura macabra, um defunto com suas vestes podres, e sua carne se desfazendo. Mas o detalhe que mais me assustou de verdade era que ele não tinha cabeça.

Imediatamente, olhei para a sacola que eu segurava. Não podia ser, não queria crer que fosse isso.

A criatura ali parada a me olhar, caso tivesse uma cabeça.

Abri a sacola e tremendo, retirei de dentro a cabeça já quase em pele e osso e coloquei sobre um túmulo próximo.

E me arrastei para mais longe. Fiquei vendo a cena mais bizarra que alguém pode imaginar, aquele corpo desengonçado, se aproximou do túmulo e pegou a sua própria cabeça e encaixou sobre o pescoço.

Fiquei ali tremendo, era o Jack. Ele saiu cambaleando e foi voltando para onde veio.

Acordei apavorado e em pânico. Era o Jack. Ele era de verdade e tinha um corpo. Não consegui mais dormir pelo resto da noite. E também tive muito medo de ira para a sala onde ficava Jack.

Na manhã seguinte me levantei e fui procurar pela loja onde comprei o Jack. Não havia loja alguma no endereço e os vizinhos disseram que nunca houve uma loja lá, ainda mais que vendessem crânios de resina.

Senti um vento gelado percorrer meu corpo. Olhei para o chão e vi um pedaço de papel com o nome de um cemitério, um número de quadra e lote.

Jack queria que eu buscasse seu corpo. Que louco isso tudo. Eu já não sabia mais se estava sonhando ou se era real aquilo, mas me dirigi até o tal cemitério.

Procurei a quadra e o lote. Ele estava lá, todo desmontado dentro de um saco, como se esperasse por mim.

Um funcionário se aproximou e me disse que como o túmulo não era próprio haviam tirado os ossos para ser usado por outro corpo, mas que alguém havia roubado a cabeça do infeliz.

Achei tudo muito estranho, principalmente o modo como o homem falou comigo, como se soubesse que a tal cabeça estivesse comigo.

Perguntei se ele sabia o nome dessa pessoa, desse defunto.

Ele me disse que apenas o conheciam por Jack.

Incrível, o mesmo nome que dei àquele crânio quando o comprei na loja. Não foi apenas mera coincidência.

O homem se virou e saiu caminhando, me desejou boa sorte. E quando estava a alguns passos de distância se voltou e olhou para mim e me disse:

- Faça o que veio fazer meu caro, ninguém está vendo mesmo. E continuou a andar.

Apanhei o saco com os ossos e sai apressadamente.

Já estava ficando tarde quando cheguei em casa, depositei o saco atrás do sofá e fui para o banho.

Ao retornar lá estava Jack ao lado do saco. Reencontrou seu corpo.

Nessa noite voltei a sonhar com Jack, mas não foi um pesadelo. Ele parecia estar bem com seu corpo.

Essa é a história de Jack, O que fiz com ele?

Bem, guardei seu corpo dentro de um armário e o crânio sempre levo comigo quando viajo, mas quando retorno deposito juntamente com o resto do corpo.

PS. Jack realmente existe, é um crânio de resina muito bem feito mesmo, quase real, bem pelo menos eu comprei como sendo de resina,

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 09/05/2013
Reeditado em 17/05/2014
Código do texto: T4282695
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