CLUBE DE CAÇA
Hoje eu recebi uma ligação do Jack, faz muito tempo que ele não me liga. Da última vez que ele me chamou, eu quase morri, mas a grana é sempre boa, e para quem vive na estrada como eu não tenho como recusar. Nem a grana, e nem a caçada!
Para ele ter recorrido a mim, a coisa deve estar feia por lá, com certeza deu merda! Ele só me chama em último caso, meu preço é meio caro, mas em compensação, eu aceito matar qualquer coisa, e quando eu digo qualquer coisa, é qualquer coisa mesmo!
Não importa o que seja, se sangra, então pode morrer! E como dizia o velho Henry Brown "Até as criaturas que não sangram, também podem morrer." Ele sempre repetia essa frase, quando eu falo, parece até que escuto a voz dele na minha mente.
Há duas semanas, eu me encontrei com a Lucy Winter, conversamos um pouco sobre a vida que levamos na estrada, mas ela queria falar sobre o Henry, e de como realmente ele morreu. Ela me falou que estava na mesma cidade no dia da sua morte, e que falou com ele horas antes. Segundo ela, ele parecia normal e não havia nada de diferente nele naquele dia, ele nem estava caçando. Dizem que ele estava enferrujado e baixou a guarda, o que eu acho difícil de acreditar, apesar dele ter sido o caçador mais velho em atividade.
Ela me disse, que quando soube da sua morte, não acreditou, e teve que ver com seus próprios olhos. Alguns falam que teve que vir o próprio diabo para levá-lo, pessoalmente acho meio demais, mas a verdade é que ele realmente era duro na queda.
Lucy me contou que, o que o matou com certeza era bem sinistro, e não deixou nem rastro, só ficou o corpo dele todo dilacerado, parecia querer ter a certeza que ele nunca mais se levantaria de novo.
Sinto falta daquele miserável, me ensinou tudo o que eu sei. Tirou-me das ruas, quando eu era apenas um moleque, se eu tivesse continuado naquela vida, já estaria morto, ou no mínimo preso.
A vida é engraçada, ele poderia ter me deixado lá, já tinha feito seu serviço, mas por algum motivo, ele viu em mim, algo que ninguém mais viu. Uma vez, ele me contou, que quando me encontrou pela primeira vez, ele estava atrás de uma abominação, ele a perseguia pelos becos sujos da cidade de Winstows, ele tentava matá-la, quando ela o desarmou, e o arremessou a uma distancia inimaginável, na época, eu ainda não conhecia o lado oculto, monstros andando pela noite a procura de sangue, espíritos possuindo pessoas, demônios convivendo entre nós. Na época, para mim, isso eram apenas histórias tolas, de gente imbecil, mas eu estava enganado.
Eu estava escondido, com muito medo vendo aquela cena, não conseguia acreditar em meus olhos, parecia algum tipo de alucinação, mas quando ele estava no chão, ele me viu atrás de algumas caixas, a besta corria em sua direção.
Quando então ele gritou: - Jogue a arma, rápido!
Meu sangue gelou no mesmo momento, por um segundo, eu me vi paralisado. Eu era apenas uma criança, vendo coisas que só tinha visto em meus pesadelos.
Mas eu consegui me mexer, peguei a arma, e joguei em sua direção. Com uma habilidade extraordinária, ele a pegou, e atirou na cabeça daquela coisa, que desabou em sua frente já sem vida.
Ele se levantou, olhou o monstro, se dirigiu até ele, e conferiu se estava realmente morto, mas, quem se levantaria depois de levar um tiro daquele? Tempos depois entendi que nunca se deve dar nenhuma chance a eles, tem que se certificar que estão realmente mortos ou isso pode custar sua vida, ou a de mais alguém, e você vai levar essa culpa para o resto dos seus dias.
Ele olhou para mim, caminhou em minha direção ajeitando seu sobretudo e batendo para tirar a sujeira. Eu achei que ele fosse me matar também.
Mas ele me chamou: - Garoto venha até aqui.
Eu não tinha para onde correr, estava assustado, e ainda não tinha entendido muito bem o que havia acontecido, ele ficou olhando para mim por alguns instantes, parecia me avaliar.
Então ele falou: - Você parece um mendigo com essas roupas velhas, magro desse jeito deve não comer a dias, você tem família?
Eu respondi que não, balançando a cabeça.
Então ele voltou a falar: - A maioria das pessoas ficaria paralisada de medo, você conseguiu jogar a arma para mim, salvou minha vida, eu poderia te deixar nesse beco maldito e ir embora, mas você demonstrou coragem, sem ao menos me conhecer, volto a dizer, isso é raro nos dias de hoje (esta é outra frase que ele costumava dizer, e sempre blasfemava, maldizendo o mundo de hoje em dia, que formava covardes, corruptos e imbecis, e que sentia falta do mundo de antigamente, que era mais selvagem). Você tem alguma coisa que eu não consigo explicar, eu posso estar errado, mas acho que você daria um bom caçador, se treinado da maneira correta, meus instintos dizem isso, e eu nunca erro (Henry continuava falando, pensando em voz alta, ainda avaliando a situação). Você tem nome?
- Arthur senhor. Respondi com a voz ainda trêmula.
- Não posso te prometer muita coisa, mas enquanto eu viver, você sempre terá abrigo e comida, a vida não será nada fácil, a morte o acompanhará de perto, não temos garantia de vida, como você viu agora pouco, amanhã poderemos estar mortos, mas qualquer vida miserável que tenha, será melhor que viver como mendigo num beco imundo qualquer. Então, o que me diz, aceita ou não?
Sem pensar duas vezes, eu falei que sim, aceitei os termos dele. Até porque, ele estava certo em tudo, que vida eu poderia ter nas ruas de uma cidade grande.
Eu me lembro de que ele sorriu e falou.
- Vamos ver se meus instintos estão certos, e veremos quanto tempo você conseguirá viver nessa nova vida, e a propósito, eu me chamo Henry Brown, eu vou te ensinar tudo o que você precisa saber para se tornar um caçador como eu.
Então foi assim que tudo começou. Ele me adotou, me considerava como se fosse seu filho, me ensinou tudo o que eu sei, devo minha vida a ele, pelo menos a que eu tenho hoje, pode até parecer uma vida miserável, não tendo família, vendo muitos dos meus amigos morrerem pelo caminho, e vivendo na estrada sem destino certo, mas não me imagino fazendo outra coisa hoje em dia, eu nasci para isso, e sou o melhor em atividade nos dias de hoje.
- Merda! Que dor de cabeça infernal. Blasfemava Arthur, em frente à janela do quarto do Motel de beira de estrada, olhando a chuva cair lá fora, com o pensamento bem longe daquele lugar. Indiferente à ressaca, que atordoava sua mente, a ligação de Jack, que havia lhe acordado no meio da noite, e as duas prostitutas que dormiam nuas na cama, bêbadas e drogadas demais para emitir qualquer reação que o acordasse do seu transe.
Continua...