Deep World - A Cidade Abandonada Parte 2

_Eu acho que a tal estalagem é aquela à frente _ disse Carla consultando um mapa.

Após uma curta caminhada, os três viajantes haviam chegado ao lugar. Assim como o resto daquela cidade, o edifício no qual funcionava a estalagem estava caindo aos pedaços. A fachada, com traços retos e desprovidos de ornamentos, estava com profundas rachaduras e manchas provocadas pela ação do tempo; o interior do lugar não estava em melhores condições, com mofo e infiltrações corroendo as paredes.

Na parte da frente da edificação, funcionava um humilde pub, no qual três ou quatro clientes bebericavam doses escassas de whisky barato em copos sujos. Todos os olhos se viraram quando os forasteiros adentraram ao salão.

_Bom dia, meu nome é Jean Vasconcellos _ disse ele a jovem moça que se encontrava atrás do balcão _ Eu e meus companheiros gostaríamos de acomodações e de uma bebida quente.

A mulher olhou-o com um misto de surpresa e espanto. Ela não devia ter nem trinta anos, mas seu semblante era cansado e sem vigor; seus cabelos loiros estavam amarrados em um coque descuidado e ela não usava nenhuma joia ou adorno.

_Perdão _ disse ela em um inglês pouco fluente _ vocês desejam ficar aqui?

_Se não for nenhum incômodo _ respondeu Jean com seu melhor sorriso.

_Vocês estão perdidos ou algo assim?

_Oh, não! Era exatamente aqui que nós queríamos chegar.

A mulher continuou mirando-os como se tentasse descobrir se estava sendo vítima de alguma chacota.

_Muito bem _ disse por fim _ se vocês realmente desejam quartos, eu posso providenciar. A propósito, meu nome é Yllka. Eu vou servir bebidas a vocês.

Os três se dirigiram a uma mesa afastada no canto do salão. Durante o trajeto, Jean cumprimentou os outros fregueses, que continuavam encarando o grupo, com um leve aceno de cabeça.

_Porque é que eles não tiram os olhos de nós _ perguntou PH, um pouco assustado.

_Talvez seja porque eles não estão habituados a receber visitas, não é mesmo? _ respondeu Carla.

_E o que eles ainda estão fazendo nesta cidade-fantasma?

_Bem _ disse Jean _ apenas meia centena de pessoas, que vivem em uma vila um pouco afastada do centro da cidade, permanecem aqui. Eles são pequenos agricultores. Provavelmente não têm outro lugar para ir.

_Como você soube disso? _ perguntou Carla.

_Oh, eu não contei? Foi aquele guia que nós conhecemos em Berat que me disse. Em seguida, quando soube que nós estávamos vindo para cá, ele disse palavras estranhas e se recusou terminantemente a nos acompanhar.

_E qual seria o significado dessas palavras? _ perguntou PH, com um leve tremor na voz.

_Não se preocupe com isso. Com a ênfase que ele pronunciou, provavelmente eram palavrões. As pessoas não gostam muito desta cidade.

_Aqui estão as bebidas _ disse Yllka entregando a eles grandes canecas fumegantes. A mistura tinha uma tonalidade amarronzada e era um pouco viscosa. Por educação, ou talvez por receio, Jean e outros não perguntaram qual era a receita.

_Desculpe-me por antes _ continuou ela _ eu fui um pouco ríspida com vocês, mas é que eu não vejo nenhum cliente de fora desde que...

_Ocorreu o suicídio coletivo? _ perguntou Jean.

_Então vocês sabem? Exato. Desde então este lugar anda praticamente abandonado.

_Isso não deve ser muito bom para os negócios _ observou Carla.

_Realmente. Mas eu vivo sozinha, e eu consigo me manter com este pub.

_Sozinha?! E você não tem medo? _ perguntou PH.

_Não há o que temer em relação aos mortos _ disse ela desafiadoramente _ Além disso, eu não tenho mais ninguém. Minha mãe e meus dois irmãos foram alguns dos que morreram naquele episódio.

_Eu lamento _ disse Jean.

_Obrigada. Aqui estão as chaves dos seus quartos. A entrada fica no corredor à esquerda. Eles não são ocupados há muito tempo, portanto as condições estão precárias, espero que não se importem. Apenas um dos cômodos tem sido habitado nos últimos tempos. O oficial Engjell tem vivido na estalagem nos últimos tempos. Ela também perdeu a mulher e a filha naquele dia...

_Não tente enganar os estranhos, sua vadia. Todos sabem que na verdade o oficial tem dormido é na sua cama _ disse um dos homens que estavam no salão.

_Como você ousa dizer isso, Artan!

_Essa é a verdade! _ esbravejou ele. Artan já estava para lá dos sessenta anos. Seus cabelos eram completamente brancos, assim como a sua barba por fazer; ele tinha um rosto enrugado e muito vermelho; seus trajes antiquados e seus modos bruscos devam-lhe a aparência de um velho marinheiro.

_Mesmo que fosse verdade, isso não seria da sua conta! Tanto eu como o oficial Engjell somos desimpedidos.

_Você se esqueceu que ele é casado? A esposa dele ainda está viva!

_Mas está completamente louca! Há anos vive no manicômio!

_E desde então você dorme com o marido dela! Talvez já o fizesse antes. Talvez seja por isso que ela tenha decidido morrer! O que foi uma tragédia, pois era você que merecia ter morrido naquele dia, vadia!

_O que está acontecendo? _ perguntou um homem que havia acabado de entrar no local.

Ele era alto, com ombros largos e braços musculosos; seu rosto era duro, com um queixo quadrado e um olhar firme; ele trajava um uniforme claro, com diversas divisas sobre os ombros e sobre o lado esquerdo do peito.

_Oficial Engjell _ disse Yllka com os olhos banhados em lágrimas _ não é nada importante. O velho Artan está apenas um pouco confuso...

_Eu não estou nem um pouco confuso, sua vadia!

_Do que você a chamou? _ perguntou Engjell levantando o tom de voz.

_Vadia! E isso por acaso é mentira? Todos sabem que o senhor está dormindo com ela, oficial!

_Retire o que você disse!

_Ou o quê? O senhor vai me prender? Caso o senhor não se lembre, não existe mais cadeia nesta cidade.

_Isso não lhe dá o direito de ser desrespeitoso com as pessoas!

_Está tudo bem, oficial _ disse Yllka, de forma apaziguadora.

_Isso não está certo. Como você disse, Artan, eu realmente não posso prendê-lo. Mas, de agora em diante, eu não quero voltar a vê-lo neste estabelecimento, você me entendeu? Do contrário, nossa conversa será diferente.

_Tanto melhor! Eu não desejo continuar me misturando com esse tipo de gente. É por causa de pessoas como vocês que a nossa cidade foi castigada! Deus não tolera esse tipo de comportamento!

E dizendo isso, o velho virou as costas e se retirou. Após um instante desconfortável, o oficial quebrou o silêncio.

_Eu não conheço vocês _ disse aos forasteiros.

_Eu sou Jean, e estes são Carla e PH. Estamos apenas de passagem.

_Um passeio um tanto quanto exótico...

_Digamos que nós não somos viajantes muito ortodoxos...

_Eu vejo... De qualquer forma, eu peço desculpas pela cena que você foram obrigados a presenciar.

_ Acontece nos melhores pubs.

_Artan é membro de um grupo de fanáticos religiosos. Em fato, ele é o último deles por aqui, felizmente.

_Os outros se mataram? _ perguntou Carla, sem muito tato.

_Oh, não _ respondeu Engjell _ Eles abandonaram a cidade alguns dias antes de tudo acontecer.

_E deixaram um membro para trás? _ perguntou Jean.

_Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. A nossa cidade, assim como todo o país, sempre foi de maioria mulçumana, mas esse grupo era extremista. Eles viviam em uma propriedade isolada, mas sempre que vinham para perto dos outros, praguejavam e bradavam que Deus iria nos castigar por nossos atos pecaminosos. Como policial, eu os enquadrei algumas vezes por difamação e perturbação pública, mas eles nunca paravam.

_Entendo _ disse Jean _ E o que aconteceu depois?

_Um belo dia, eles simplesmente foram embora. Nós nem teríamos notado a ausência deles, mas durante a mudança eles gritaram por toda cidade que sem a presença deles, Deus não teria mais piedade daquele lugar. Poucos dias depois... tudo aconteceu

_E esse velho nunca disse por que ficou? _ perguntou PH, com olhos curiosos.

_Não. Ao ser questionado sobre o fato, ele disse que nós não tínhamos capacidade para entender os planos de Deus. A verdade é que o pobre diabo já estava louco desde o dia em que abandonou a sua família para viver com aquela gente.

_Então eles foram embora alguns dias antes da tragédia _ disse Jean _ Vocês não chegaram a pensar que...

_Que eles foram responsáveis? É claro que isso passou por nossas cabeças, mas como eles poderiam ter feito isso? Não existe nenhuma explicação cabível... Pelo interesse, eu presumo que vocês sejam jornalistas.

_Eu sim. Esses são os meus fiéis escudeiros.

_Outros já vieram antes. Alguns chegaram a escrever sobre o assunto, mas nada nunca foi publicado. Aparentemente, existem certas verdades que o mundo prefere ignorar.

_Compreendo. Mas, dessa vez, será diferente, meu amigo. Você poderia nos legar até o local onde estão as pessoas que... bem...

_As pessoas que enlouqueceram? Certamente. Nós podemos partir...

_Vocês não devem ir àquele lugar! _ disse Yllka, nervosa.

_Está tudo bem, querida _ disse Carla, tentando tranquilizar a mulher _ Nós precisamos apenas...

_Vocês não entendem! Talvez o mundo esteja certo... Talvez certas coisas devam realmente ser esquecidas!

_Você está enganada, Yllka _ disse o oficial da forma mais polida possível _ As pessoas precisam saber o que aconteceu aqui. O conhecimento sempre fez dos homens pessoas melhores. Talvez nós possamos evitar que isso ocorra novamente. Jean, eu levai você e seus amigos até o manicômio após o almoço. E quanto a você, Yllka, venha, você precisa descansar.

_O que você acha disso, Jean? _ perguntou Carla depois que os dois partiram.

_Bem, parece-me que nós teremos uma tarde agitada... _ sentenciou.