Devolva o que me pertence

Os dois ladrões assistiram compenetrados ao enterro. Ninguém da família da morta estranhou a presença de dois estranhos. A dor da perda os deixara anestesiados. Deitada em seu caixão a falecida parecia dormir. Repousando em seu peito o tão adorado colar de pérolas. Foi um desejo da morta. Em testamento distribuíra todos os seus bens, mas o colar exigiu que fosse enterrado com ela. Os dois vagabundos nem sabiam desse acordo. Sequer conheciam a morta, mas estavam acostumados a espoliar cadáveres. Assistiam as cerimônias fúnebres de olho no que roubar a noite. Perceberam logo que o colar era valioso, pois o enterro era de pessoa rica. A noite estava fria e escura. O vento passando entre as folhagens produzia um ruído sinistro. O pio de diversas corujas era ouvido por toda parte. As imagens de anjos que enfeitavam o lugar durante o dia, á noite eram assustadoras. Acostumados á esse ambiente mórbido, os dois homens nada temia. Retiraram o caixão da terra e rapidamente se apoderaram do caro colar. Feito isso fecharam o caixão e o devolveu a terra. Sorrindo de satisfação deixaram o local. Não viram uma mão se mexendo a procura do bem subtraído, e não repararam na expressão de ódio do cadáver. Já iam longe quando uma mulher pálida de meia idade, vestida com um vestido roxo saiu pela porta do cemitério e começou a segui-los. Seu olhar fixo nos dois. Os ladrões pararam em um bar para beber. Comemoravam o furto que certamente lhes renderia uma boa grana. Conversavam alegremente quando a mulher de roxo se aproximou, estendeu a mão e pediu: “Devolvam o que me pertence“. Os facínoras já calejados pela vida no crime, riram debochadamente, e um deles falou:” Cai fora tia, não temos nada aqui pra senhora. Ainda se fosse mais jovem, quem sabe?” A mulher voltou a insistir, e incomodado por aqueles olhos parados, o outro ladrão perguntou:” O que é da senhora que pegamos?” A mulher respondeu: “Meu colar de pérolas.” Desta vez o facínora que falara anteriormente ficou nervoso. Será que aquela mulher vira quando eles roubaram o colar? Será que era parente da morta? A fisionomia dela não lhe era estranha! O ladrão então reparou bem naquele rosto branco, e logo gritou: “É ela cara. É a mulher do enterro!” O amigo que ainda não tinha caído em si, falou com raiva: “Você está louco cara”?”“ Mortos não voltam!”“ É ela sim!” Insistia o outro. Enraivecido o ladrão se levantou e falou para a mulher: _ Escuta aqui dona. Não tem nenhum colar aqui para a senhora. Ou cai fora, ou eu te encho de bala. Dizendo isso ele puxou a arma. Nesse momento a mulher escancarou a boca num arremedo de sorriso. _ Está debochando de mim, cadela velha? Então toma! O bandido mirou no peito e atirou. A bala penetrou e a mulher continuou em pé sorrindo. Ele então continuou atirando até esgotar a munição e nada. Ela continuava de pé pedindo o colar. Hirto de medo o ladrão deu razão ao companheiro. Aquela era mesmo a defunta que haviam espoliado. Sem esperar pelo outro ele tentou correr, mas a morta interceptou sua passagem. Ele sentiu as mãos frias em volta da sua garganta, enquanto a vida ia lhe escapando de forma rápida. O outro marginal aproveitou que a mulher estava dando cabo do amigo, correu e se trancou dentro do banheiro, mas em segundos ele se viu cara a cara com a morta no cubículo apertado. A mão poderosa enfiou-lhe a cabeça dentro do vaso. Quando encontraram o corpo do bandido notaram que todos os ossos da sua face tinham sido esmagados. Na manhã seguinte, o coveiro estranhou a cova reaberta, e achou estranho. A defunta continuava deitada placidamente em seu caixão com o colar de pérolas, a única diferença é que seus lábios estavam distendidos em um horrível sorriso.