Onde Haja Trevas... (poética-delírio)
Por Ramon Bacelar
Em uma noite como outra qualquer...
...um recluso não sonha, suspira, lamenta e desperta, mas para ele tanto faz: Dia e noite, noite e dia... Sempre a mesma cor. Apalpa o criado-mudo e engole outro analgésico no estridente estilhaçar de mais um copo no piso: “Se fosse uma cor, seria...”, o pensamento contorce em inúteis conjeturas sinestésicas: ele ri, ri, ri e contorce... Tenta esquecer, mas a dor que o consome só não é maior que a escuridão que o devora: Tenta... Olha de lado, e tenta... Vislumbra fugazmente dois olhos na janela? Ao lado da janela? Não... Suga a escuridão dos olhos da janela: “Dia e noite, noite e dia... Sempre a mesma cor!”, o pensamento finca, a dor avança e agora, tremulante, apalpa o piso e rasteja pelo quarto; abre as mãos porque sabe, fecha os punhos porque sente: sabe da cor quente que mancha os pulsos, sente estilhaços perfurando outra dor: “Se fosse outra cor... A cor da outra dor!”, mede o escuro e ri, ri... gargalha porque sabe, chora porque sente.
Rasteja no piso frio, apalpa a palma inchada e retira um livro da estante: Tateia a lombada e sabe o quão fino é o papel: Abre-o ao léu e força a visão, mas a brancura do miolo se perde na escuridão: “Onde haja trevas...” ele grita de olhos abertos, sente de olhos fechados, porém agora... Outra dor, mas sempre, sempre a mesma cor.
Os pés movem os cacos, os vidros furam os dedos, as unhas... Ele tenta, tenta... e em meio às contorções da nova dor, no fim do mesmo túnel de breu e temor, um fio de luz emana dos olhos de vidro sem piedade nem pudor: “Dia e noite, noite e dia, nem sempre a mesma cor!”. O recluso regozija e rasteja para a luz, avança no túnel, toca na tranca e abre a janela: Ele fecha os olhos e chora; deleita-se e ri, ri... A luz banha, purifica, inunda... “...nem sempre a mesma cor!”, grita e chora; abre-os e o brilho o consome, mas agora a dor muda de cor... Ele ri, gargalha e grita pois a dor sempre muda de cor: A claridade queima e as lágrimas sangram quando a luz arde nos olhos como línguas de fogo... Ele sangra, grita e sangra, sabe, e sabe que sabe... Implora pela paz da ignorância e incerteza da escuridão; fecha os olhos: “A dor nem sempre é da mesma cor!”. Ele grita, implora, suspira e desperta no santuário de silêncio e escuridão.
O recluso abre os olhos e apalpa o analgésico: “Sempre a mesma dor...”, mas para ele tanto faz: Dia e noite, noite e dia... Sempre a mesma cor.
FIM