Vigília de vidro (poética-delírio)
Por Ramon Bacelar
Eu contemplo os olhos da noite como quem vigia um lobo, sinto o uivo do vento evanescer na insistência de outra dobradiça decrépita: ela geme, irrita, insiste e castiga: eu olho, vigio, temo e tremo.
Tampo os ouvidos e grito, fecho os olhos e sinto: escuridão atraindo escuridão, vazio seduzindo vazio: abro, fecho, pisco, sinto... Simplesmente... sinto!... Os olhos da noite? Olhos de noite? Olhos 'na' noite! Minhas órbitas inquietas na janela sem cílios, emolduradas na madeira musgosa, perdidas na estúpida planície vitrificada!
Contemplo-os na transparência gélida, mas eles retornam com olhares de sombra e reflexos de vidro: Eu tento, tento, tento...
Fecho-os, mas abrem, persisto, não durmo...
Levanto-me, suspiro... encaro e reflito: Olhos na janela? Olhos de janela? Os olhos da janela! Eles(!), na Hora do Lobo, em outra Vigília de Vidro, uivam seus cantos de ferrugem e metal: Eu, na Hora das Horas, querendo não querer, fingindo não saber, toco a vidraça e me perco no pulsar da Vigília de Vidro: Tum-tum, tum-tum,tum-tum..
Sim, agora...
Agacho-me e espreito aquilo que não deveria vigiar nem existir: lágrimas de piche escorrem na janela como gotículas fugidias; meus olhos ardem e pelos eriçam quando línguas de fogo brotam nas órbitas de vidro: eu grito, lamento e avanço, mas antes que o eco da dor se perca no estilhaçar das lâminas afiadas, um fantasma de uivo me alerta para a certeza de minha patética natureza animal.
FIM