Enxofre Negro - DTRL

Final de Setembro de 2010, em São Paulo os índices de umidade relativa do ar estavam inferiores ao do deserto do Sahara. Mariano tinha uma pequena propriedade no interior, na pequena cidade de Jumirim. Vivia da agricultura, do pequeno pomar colhia mangas, laranjas, abacates, etc., uma horta onde plantava alface, tomate, rúcula e uma variedade de hortaliças e leguminosas. Tinha uma perua com carroceria em que fazia a entrega da sua singela produção no mercado e no sacolão do centro da cidade. O pouco que faturava, sustentava seu sítio e sua família, moravam em uma casa de alvenaria bem simples com telhado tipo romano, sem acabamento, contudo as dificuldades não tiravam a alegria de sua mulher e de suas duas filhas de 7 e 8 anos, mas Mariano previa dias de vacas magras por conta do clima atípico.

As contas chegavam e o dinheiro já se esvaiu no começo do mês, preocupações tiravam o sono do pobre sertanejo. Sem ter um poço artesiano ou cisterna para acumular as chuvas passadas, ele estava refém do tempo, tempo que inescrupulosamente teimava em permanecer seco. Sua plantação estava condenada a morrer.

O nascimento de patinhos e marrequinhos salvou o clima da casa, o pai trouxe os filhotinhos numa caixa de papelão, como se fossem um troféu e com grande ostentação anunciou para as filhas, suas meninas ficaram em êxtase, maravilhadas com a fofura dos bichinhos e dando-lhes nomes e mimos. Logo depois das oito horas da noite, Mariano ajuntou todos os filhotes e foi até o pequeno galinheiro devolver os bichos para o calor de suas mamães, suas meninas quase não deixaram o pai levar os filhotes, já tinham preparado até casinhas com cobertas para as pequenas aves.

Pela manhã as meninas partiram para a escola, o pai que se preparava para ir até sua roça, ouviu suas filhas falarem para cuidar dos seus filhotinhos, Mariano foi até o galinheiro e já estranhou logo na entrada muitas penas espalhadas, chegando até o ninho deparou-se com uma cena horrível, os pequenos filhotes foram todos mortos, trucidados. Cabeças arrancadas, pernas e asas mastigadas, pescoços cortados, tampas da nuca furadas e chupados os miolos, vísceras espalhadas e algum sangue no chão, algumas das vítimas estavam com os olhos abertos, não deixa de ser uma visão macabra, mesmo sendo a morte destes pequenos animais.

Mariano sabia oque podia ter feito isso, ratos. Nessa época de pouca comida, eles atacavam os filhotes, alimentando-se principalmente do sangue e um pouco da carne. Praguejando baixo o sertanejo ajuntou os pedaços dos filhotes num saco preto e caminhou até o sopé do pequeno monte atrás de sua casa, não muito distante. Ele os enterraria ali e depois diria para suas filhas que foram roubados, não queria deixar suas meninas mais impressionadas e tristes, posteriormente iria espalhar chumbinho em cantos estratégicos da propriedade.

Meio metro de profundidade a pá tocou com força um objeto duro, à medida que foi sendo descoberto da terra seca, uma caixa de madeira viu novamente a luz do dia. Com a ajuda da pá, Mariano abriu a caixa e lá mirou três objetos que estavam protegidos por uma manta púrpura, um papel velho enrolado em uma fita vermelha cintilante, um pendante de metal em forma cilíndrica, no centro um símbolo infinito deitado com uma cruz dupla, nela continha cravações dos nomes “Belial, Leviathan, Satan e Lucifer”, por fim um saco de veludo azul escuro, nele havia grânulos semelhantes ao sagu, porem de cor negra, ao qual pelo cheiro forte e característico Mariano identificou como sendo enxofre, todavia não tinha visto desta variedade do elemento.

Acabou de enterrar o saco preto e levou a caixa até o galinheiro, já no local, retirou a fita e leu o manuscrito.

“Da realização dos desejos dos homens: Anelar seu intuito, usar o adorno, queimar o súlfur como odor agradável ao ente supremo das trevas e evocar um dos nomes do regulador do maligno, sede prudente e não duvidares do poder”.

Intrigado pelas palavras e só pensando no bem de sua família, “apenas um pouco de precipitação resolveria”. Mariano equipou-se com o pendante, derramou uma porção do enxofre negro no chão, tirou do bolso o isqueiro que sempre carregava, ajoelhou-se, pôs a chama encostada nos grânulos e desferiu um nome de sua boca:

— Leviathan!

Uma pequena explosão jogou o homem ao solo, a fumaça gerada o sufocou-o, quase perdeu os sentidos, as galinhas e os escassos animais ali dentro alvoroçaram-se, voando em debandada, aos poucos se recompôs e com o coração ainda batendo forte, meditava no que havia acabado de praticar.

— Que Deus me perdoe... – Disse vacilante.

Limpou a bagunça feita, escondeu a caixa com os objetos do ritual em um dos ninhos, tirou a roupa as escondendo lá também, unicamente de cueca, entrou em sua casa na ponta dos pés e foi banhar-se, seu cheiro era insuportável, deu sorte de sua mulher ter ido visitar uma amiga doente.

A noite teve que explicar para as filhas o desaparecimento dos filhotes e para a mulher disse que um acidente com óleo de caminhão o deixou com resquícios daquele cheiro forte. Após os prantos de suas filhas, todos resolveram dormir mais cedo naquela noite.

Duas da manhã, Mariano não consegue dormir, caminha para a cozinha em busca de um copo de água, olha pelo vitro transparente da sala e nota pingos d’água escorrendo pelo vidro.

— Graças a Deus!!! Que coisa boa!!!

A chuva foi engrossando e trovões estouraram próximos, acordando o restante da casa, todos agora estavam na sala, o vento forte uivou imponente e ameaçador. As crianças grudaram na mãe, o pai pressentindo algo pior, quis ir até o veículo que estava perto casa, no instante que abriu a porta da cozinha uma rajada de ar o lançou para dentro novamente, suas filhas entraram em pânico.

— Paiiiii! Ajuda Pai!!!

— Corre pra baixo da mesa! – Orientou Mariano com os olhos estatelados.

A chuva cada vez mais forte e espessa castigava a casa e a cercanias, a porta escancarada batia com força na parede da cozinha, Mariano vai mais uma vez, com muita resistência do vento, em direção da sua perua, agora fora de casa e com a fúria do vento e água castigando seu corpo, ouviu rosnados altos e estrondeantes como os trovões, três lobos negros com olhos vermelhos flamejantes cercavam o desguarnecido sertanejo, o homem correu de volta a sua casa e fechou a porta, correu a se abraçar com sua mulher e filhas.

A chuva absurdamente torrencial despencava alvejando forte o telhado, fazendo brotar muitas goteiras, relâmpagos e trovões assustavam ainda mais as indefesas meninas e o vento forte e ininterrupto produzia estalos nas vigas da casa.

— Socorro! – Gritavam com avidez a mãe e as filhas.

Mariano também sucumbiu ao medo extremo e disparou a bradar desesperado.

— Ajudem!!! Meu Deus nos ajude!!!

O barranco seco e quase sem vegetação do monte logo atrás da casa não resistiu, desmanchou e formou um rio de lama avermelhada que correu e invadiu os fundos da residência, a imensa força da correnteza não deu chance de salvação para Mariano e sua família, a lama derrubou as paredes e o telhado em cima deles, arrastando os escombros por mais de 50 metros.

Pela manhã o resgate chegou, com muito custo encontrou os corpos das meninas e da mãe juntos, ainda abraçados, Mariano não foi encontrado. Autoridades e meteorologistas discutiam o estranho evento que virou manchete nos jornais e mídias locais, visto que houve uma precipitação na região, contudo a concentração massiva de chuva ocorreu na propriedade de Mariano, aonde seu terreno mal chegava a vinte mil metros quadrados.

Um mistério que se tornou lenda ao qual ainda mexe com a imaginação e assombra os moradores da pequena cidade, pois há quem jure ter visto um homem vagar em dias de chuva, por onde existiu a casa de Mariano.