Sonhos, Pesadelos ou Visões? - DTRL
Não havia inspiração. Eram mais de duas horas em frente aos papéis e Daniel não tirava uma linha de sua cabeça.
O desafio de escritores provocava-o, e ele passava o dia inteiro pensando no que escrever. Mas na hora de colocar no papel: nada.
Insônia, Alucinações... Chuva.
Sobre o que escrever? Temas bons rendiam bons textos. Com aqueles não podia ser diferente. Mas o que fazer?
Já passava da meia noite e ele não tirava os temas da cabeça. A página em branco diante de si o convidava a ser ousado, mas as ideias curiosamente fugiam quando ele tocava a caneta.
Uma pequena sombra passou pela cozinha e por um instante ele lembrou-se de seu cachorro que havia morrido. Ele tinha esse costume. Entrar sorrateiramente nos cômodos, cheirar as coisas e deitar-se próximo de onde ele estivesse.
Por um instante Daniel perdeu-se nas lembranças de seu velho companheiro e em seguida voltou aos rascunhos.
Escrever sobre o cachorro? Que tema escolher? Se bem desenhado, esse assunto poderia render uma boa história.
Não... Não dava. Eram duas horas da manhã e ele precisava estar de pé as 05. Levantou-se da cadeira e foi dormir.
O notebook estava aos pés de sua cama. Não era muito utilizado. Daniel sempre achou melhor escrever do que digitar. Tinha medo de se acostumar a corretores ortográficos e ficar enferrujado.
Olhava para o teto imaginando sobre o que escrever. O sono demorou a vir. Mesmo depois de um dia fatigante de trabalho e horas tentando tirar uma ideia da mente ele não conseguia pregar os olhos.
Pensou em como faria para se levantar pela manhã e após 40 minutos lutando com seus pensamentos finalmente dormiu.
-Names!!... Names!! One, two, tree, for, five, six...
Daniel acordou assustado. Os cachorros da rua latiam em frente a sua casa e a televisão de seu quarto estava ligada. A tela negra exibia duas letras pequenas no canto superior da tela: AV.
Vasculhou a cama e encontrou o controle embaixo dos lençóis. Tivera um sonho esquisito, do qual não conseguia se lembrar.
Nervoso com os cães vagabundos ele abriu a janela de seu quarto e gritou, esperando que sua voz fosse suficiente para enxota-los.
Eram 04h30min.
-Merda – resmungou.
Daniel olhava zangado para o rádio relógio que em 30 minutos despertaria com um som infernal, pior do que os latidos dos cachorros. O som que o faria levantar-se para ir para o trabalho.
Resolveu não se deitar novamente. A noite já tinha sido péssima e ele não queria perder o horário.
Foi até a cozinha e tomou um copo com água. Abriu a geladeira, pegou o pote de manteiga e em seguida outro de biscoitos dentro do armário.
Os papéis continuavam espalhados sobre a mesa e ele temia não conseguir escrever um texto bom a tempo do desafio.
Empurrou os papéis e lápis para outro canto e tomou seu café da manhã. Estava sonolento, sentia o corpo pedir por descanso e seu estomago preguiçoso incomodava-o enquanto comia. Mas era o melhor a se fazer. O caminho até São Paulo era longo, e ele não queria passar fome dentro do metrô.
Refletia sobre o que escrever quando ouviu um barulho de patas arranhando a porta pelo lado de fora.
Tentou não dar atenção. Desde pequeno vivia algumas experiências desagradáveis naquela casa. Elas continuaram sempre, até mesmo depois de seus pais se mudarem ele ainda podia ouvir algumas coisas.
O imóvel era velho, e a maioria dos acontecimentos ele atribuía a causas normais.
Meio incomodado, Daniel tomou um banho rápido e saiu às pressas.
O dia fora monótono. Cansativo só para o cérebro. Daniel trabalhava como digitador de livros em uma editora. Algumas obras precisavam ser traduzidas, e era isso que ele fazia, levando textos em inglês para o programa tradutor do computador, e depois alterando o que ficava sem nexo, dando sentido as frases e linhas escritas.
Entre uma olhada e outra no relógio o dia acabou e Daniel voltou para a casa. Os pensamentos sobre os temas estavam latentes em sua memória e ele finalmente conseguiu escrever. Foram 15 minutos e a primeira folha jogada no lixo.
Havia tempos que ele não conseguia se inspirar. Estava difícil, mas era o último dia para postar e ele tinha que conseguir.
Deixou os papéis de lado e ligou a TV. A capa do filme o Exorcismo de Emily Rose estava jogada no chão.
-Tell me your six names!
Aquele filme sempre lhe causou arrepios. Daniel assistia a muitos filmes de terror esperando tirar deles algum proveito. Não gostava de vê-los à noite e muito menos sozinho. Sempre tinha sonhos com eles e geralmente não eram bons.
Lembrou-se do sonho na noite passada e resolveu desligar o aparelho. Mesmo com tanta violência não conseguia escrever texto nenhum.
Foi aí que a coisa mudou. Pegou a caneta e escreveu o título: Alucinações.
Rápido demais. Em 10 minutos ele lia o que tinha escrito. Aquele era o melhor texto de sua vida.
Correu, postou e esperou. Em pouco tempo os comentários pipocavam em sua página. Muitos estarrecidos com a crueldade de suas palavras, outros xingando-o, e até um do site pedindo que o texto fosse removido.
Ele não entendia. Leu seu texto novamente e se assustou. Como aquilo poderia ser escrito por ele? Correu até a cozinha e se cortou com uma faca. A insanidade dominou-o por completo, e em seu íntimo, tudo o que desejava agora era não viver outro dia. A morte era sua única saída.
O talho em seus pulsos era profundo. Daniel sentia a vida deixando-o junto com o sangue que escorria de suas veias. Antes de fechar os olhos, uma fenda se abriu no chão exibindo labaredas enormes e um ser com um manto negro e chifres grandes entrou pela porta da cozinha.
-Você conseguiu. Venceu meu desafio, hora de vir comigo.
Sensacional. Era isso... Era sobre isso que ele iria escrever. Alucinações.
Daniel, desperto de seu sonho tentou abrir os olhos, mas não conseguiu. Estranhou um pouco o cheiro de queimado em seu quarto e quando finalmente enxergou entrou em desespero. O sonho tinha se tornado realidade. A morte o escoltava pelos corredores do inferno. Vultos voavam pelo lugar. As paredes feitas com pele humana exalavam um cheiro insuportável, e olhos vermelhos pareciam contempla-lo de todos os lugares.
Ele queria falar, mas não conseguia. Sua voz não saia, e quando finalmente soltou um ruído o peso do pesadelo o deixou e ele finalmente acordou.
O quarto estava normal, a TV desligada e a casa em profundo silêncio. Sentou-se sobre a cama e pensou. Caminhou com calma até a cozinha, tomou um copo de leite e por fim escreveu.
“Sonhos, Pesadelos ou Visões?”
Ainda exausto, publicou o texto e voltou para a cama. Restavam-lhe poucas horas de sono. Desta vez ele não sonhou. Dormiu tranquilo enquanto esperava o dia que estava por vir. Seu conto no desafio estava finalmente postado.
Mas o que ninguém sabia, é que por trás de suas palavras existia a dura verdade do que nesta noite ele havia vivido.
FIM